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A antiga e a nova vida do ex-internacional de Marrocos
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A antiga e a nova vida do ex-internacional de Marrocos

RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

A antiga e a nova vida do ex-internacional de Marrocos

RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

Do Mundial para uma hamburgueria: a redenção de Aziz Bouhaddouz, o ex-jogador da seleção de Marrocos fã de Ronaldo

Jogou no Mundial 2018 por Marrocos e marcou o autogolo que eliminou o país. Hoje é dono de um restaurante no bairro mais perigoso de Frankfurt. Aziz, o fã de CR7 que sonhava com hambúrgueres.

Quando entrámos no bairro de Bahnhofsviertel, mesmo no centro de Frankfurt, o objetivo era só um: contar a história dos problemas sociais do quarteirão, na zona da estação central de comboios da cidade, onde “aterraram” muitos portugueses para o jogo desta segunda-feira. Nos últimos tempos, a região tem sido conhecida como a “zombieland” da Alemanha, alcunha dada devido ao aumento exponencial do consumo de drogas pesadas e que deixa as ruas repletas de deambulantes à procura da próxima dose. O Observador viu de perto essa realidade e quis saber como se gere um negócio no meio de tanta droga, de tanto álcool, sexo e crime.

Drogas, álcool e sexo. A “zombieland” de Frankfurt, onde Portugal vai jogar nos oitavos-de-final

Depois de entrarmos em vários hóteis — onde ninguém quis falar sem ser sob anonimato —, um letreiro verde néon chamou à atenção. Não era verde de Portugal, muito menos da Eslovénia, e levou-nos à Broski Burger, na rua Münchener Str. Dentro do restaurante, de aspeto novo e boa decoração, tentámos falar dos problemas de segurança no bairro e como sobrevivem ali os negócios. Mas a última frase da apresentação mudou o rumo da história: “É para um jornal e rádio de Portugal”. “De Portugal?”, respondeu um homem sentado numa das mesas. Era o dono do restaurante, de 37 anos. Aproximou-se e disse: “Se és de Portugal, então senta-te. Tenho de te mostrar uma coisa de que vais gostar”.

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Puxou do telemóvel, procurou, encontrou e mostrou uma fotografia sua com Cristiano Ronaldo. Como? “Foi no final do nosso jogo”, explicou. “Nosso jogo?”, perguntámos. Quem era, afinal, verdadeiramente, o dono daquele restaurante? “Eu sou o Aziz Bouhaddouz, joguei no Mundial 2018 por Marrocos, contra Portugal. Fui jogador profissional de futebol”. E assim a história da sobrevivência dos negócios no perigoso bairro de Bahnhofsviertel passou para segundo plano. Esta é a história de Aziz, o ex-jogador de Marrocos [seleção que nos eliminou nos quartos de final do Mundial 2002], que eliminou com um auto-golo Marrocos do Mundial 2018 no último minuto do jogo com o Irão. Agora vende hambúrgueres no mais perigoso bairro de Frankfurt.

Aziz Bouhaddouz, em tempos ponta-de-lança, agora dono de um restaurante

André Maia/Observador

“Sempre disse: ‘Um dia vou abrir uma hamburgueria!'”

Aziz, em primeiro lugar, como é que veio aqui parar?
Sou de cá, vim para Frankfurt com um ano. Vivi cá a vida toda exceto quando era jogador profissional. Quando acabei a carreira no ano passado, voltei para cá e abri a minha hamburgueria.

Mas porquê neste bairro? E nesta rua?
Encontrei este espaço há três anos com o meu sócio. E reparámos que nesta rua, que é tão importante [a rua da estação central de Frankfurt], não havia nenhuma hamburgueria. E assim foi. Agora já há!

Mas estas ruas não são perigosas?

Não, não, de todo. Sei que há muita gente que diz que estas ruas são perigosas, mas eu não acho. Acho que até são ruas divertidas, cheias de ação. Principalmente durante os jogos. As pessoas não precisam de ter medo. É verdade que há malta que bebe demasiado nas ruas, mas até temos uma boa esquadra da polícia aqui ao lado. Estamos muito felizes que toda a Europa passe por aqui.

E nunca teve problemas de segurança aqui no restaurante?
Não, não. Aliás, o único motivo de perigo que vi aqui foi quando jogou a Inglaterra no outro dia, em que os ingleses andaram à porrada uns com os outros. Não é assim tão perigoso quanto as pessoas pensam. Esta rua é super “tranquilo” [diz com sotaque espanhol].

Sim, esta nem é a pior, a pior é a Taunusstraße, não é?
Ah sim, essa sim. É uma rua famosa. Aí sim, para quem vem de fora, recomendo que não passe por lá. A não ser que queira. Já houve clientes que vieram cá jantar e que no fim perguntaram onde é que podiam encontrar alguma “ação”. E aí eu digo “Se queres ação não é aqui, é na Taunusstraße”. Se não estiverem à procura disso, não vão lá, fiquem antes aqui, que é mais seguro. Lá é perigoso.

Aziz Bouhaddouz abriu o Broski Burger em maio de 2024

André Maia/Observador

Falemos do restaurante: quando é que teve esta ideia e quando é que abriu?
Quando era miúdo, aos 18 anos, trabalhei num Burger King. E sempre adorei hambúrgueres. Na altura disse: “Depois do futebol, se correr bem, vou abrir uma hamburgueria”. E estou tão feliz por ter realizado esse sonho. Claro que dá muito trabalho, sempre muita coisa para fazer, ainda mais agora com o Euro.

Mas o negócio está a correr bem?
Sim, sim, tem corrido bem. As noites também têm estado quentes, a malta pára aqui nos passeios e aproveita para comer. Tem sido uma experiência muito feliz.

E só gere o negócio ou também dá uns toques na cozinha?
Não, não, só giro o negócio! O meu parceiro é que está na cozinha. Temos um sistema que torna as coisas mais simples, mas obriga-nos a estar aqui todos os dias na mesma. Afinal de contas, o restaurante só abriu há dois meses. Agora, com o Euro, há mais trabalho, porque há mais clientes, mas isso é ótimo. E é um novo universo para mim, até agora só tinha trabalho no relvado.

E tem saudades disso? Do futebol?
Sim, claro, claro. Tenho muitas saudades. Adoro futebol. Para mim, aquilo não era trabalho, era amor. Mas com 37 anos já era hora de parar. Mas sei que voltarei ao futebol, mesmo sem jogar. Quero muito.

Mas para fazer o quê?
Agenciamento. Aliás, já comecei um projeto, já sou agente de três jogadores. Estou a começar, mas o importante é não ficar a dormir. Nesta indústria, se estás parado um ou dois anos depois de te reformares, já chegas tarde a tudo.

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Aziz, num dos 112 golos que marcou como jogador de futebol, aqui ao serviço do St. Pauli

Bongarts/Getty Images

O autogolo que eliminou Marrocos em 2018: “Foi muito difícil, sofri muitas críticas”

Falemos da carreira: era ponta-de-lança, jogou no St. Pauli, também no Duisburg e na Arábia Saudita. Qual é a melhor memória que tem em 17 anos de futebol?
É a minha estreia pela seleção de Marrocos. Foi um particular contra a Albânia, fui titular e até marquei, mas foi anulado por fora-de-jogo. E nem estava, depois vi! [risos]. Mas ouvir o hino nacional foi espetacular, o sentimento era avassalador. Ainda por cima já foi tarde, tinha 29 anos quando me estreei. A minha carreira não foi como a da maioria dos jogadores, que começam logo aos 16 anos em grandes clubes. Eu aos 18 anos estava a trabalhar no Burger King. E daí o orgulho que senti nesse jogo, foi um dos melhores.

Depois foi à CAN em 2017…
Sim, no Gabão! Ainda marquei um golo e joguei em todos os jogos. Fomos eliminados nos quartos-de-final pelo Egito. Mas quanto a competições de Seleções nada bate o Mundial!

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Bouhaddouz, a jogar por Marrocos, no Mundial de 2018, na Rússia

Sim, esteve no Mundial da Rússia, em 2018, no grupo de Portugal. Como foi a experiência?
Foi um sonho tornado realidade, sem dúvida. Só foi pena aquele erro, mas pronto, é futebol.

O autogolo?
Entrei ao minuto 77′ no jogo da última jornada da fase de grupos, contra o Irão. Estava 0-0 e no último minuto fiz um autogolo e perdemos. Ficámos no último lugar do grupo e fomos eliminados.

Imagino que tenha sido muito duro. Como reagiu?
Foi muito difícil. No final de contas é futebol, mas as pessoas não percebem. No princípio sofri tantas críticas. Porque neste jogo tens pessoas que o entendem, mas também tens pessoas que não percebem absolutamente nada. Só veem que fiz um autogolo. Mas podia ter sido o Messi, o Ronaldo ou o Maradona a fazê-lo. Mas isso não manchou o resto. Estava a jogar na II Divisão alemã e de repente estava no Mundial! Até conheço amigos que jogaram na Liga dos Campeões mas nunca no Mundial. Eu joguei. Marquei o autogolo, mas é futebol.

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Tal como Ronaldo, também Bouhaddouz já se desfez em lágrimas pela Seleção, quando fez o autogolo que eliminou a equipa do Mundial 2018

Getty Images

E o que se lembra do jogo contra Portugal?
Lembro-me dele. Da aura dele. É o Ronaldo, é o meu ídolo. Ele só tem mais dois anos do que eu, mas aquele tipo é fantástico. Consegui conhecê-lo no final do jogo, foi incrível.

E o que é que lhe disse? E ele a ti?
Eu estava muito envergonhado. É ele. Ele tem algo, uma aura que mais ninguém teve na história do futebol. O trabalho que ele teve para estar aqui é incrível. Para mim é o melhor jogador de sempre. O Messi também é espetacular, atenção. Deus deu-lhe aquele talento. Mas o Cristiano trabalhou todos os dias da vida dele para isto, se fosse preciso treinava cinco vezes por dia. Ele tem 39 anos! Devia estar parado, mas anda ali a sprintar.

E pelo que me mostrou, até tiraram uma foto juntos, não foi?
Tenho, está aqui! Tirámos várias, até. E nunca as vou apagar.

Aziz e Ronaldo, uma foto que, diz, nunca será apagada

André Maia/Observador

“Custa ver Ronaldo assim, mas só mostra a fome que ele tem”

E o que é que significa para ti ele ter vindo cá jogar à sua cidade agora?
Para ser sincero, nem sabia [risos]. Estive fora, em viagem, fui a Marrocos na última semana, e nem tinha dado conta de que o jogo dos oitavos-de-final que calhou cá tinha sido o de Portugal. Só percebi isso na véspera do jogo. Ainda tentei arranjar bilhete, mas já fui tarde.

E o que sentiu ao ver o estado emocional do Ronaldo? Chorou várias vezes, falhou um penálti…
Custa vê-lo assim, mas só mostra uma coisa: a fome que ele tem. Ele está esfomeado! E o facto de chorar, pedir desculpa depois de falhar o penálti, só mostra o quanto ele quer ajudar a equipa e principalmente ajudar o seu país a conquistar o Euro.

Mas já foi jogador. Isto não é demasiado descontrolo emocional? Ele pode continuar a ser titular estando assim?
Mas há alguma dúvida quanto a isso? Estamos a falar do Cristiano Ronaldo! E depois de tudo aquilo que ele fez, as pessoas ainda falam em egoísmo. Egoísmo? Eu li os jornais alemães depois do jogo e era toda a gente a criticá-lo, não faz sentido. Esperem pelo jogo contra França, vão ver se ele não responde.

57 toques na bola, um penálti falhado e muitas lágrimas (de tristeza e alegria): o jogo de Ronaldo frente à Eslovénia visto à lupa

Este foi um dos momentos mais emotivos da carreira do Ronaldo, mas ele teve outro em que também não conteve as lágrimas e foi contra o seu país, Marrocos, no Mundial 2022, depois da eliminação. Já não foi convocado dessa vez, mas como é que viveu aquele momento de tristeza do Cristiano e de alegria da sua seleção?
Eu amo Marrocos, amo o meu país. É um país fantástico e os marroquinos são loucos por futebol. Esse ano foi histórico para nós, principalmente o jogo contra Portugal. E foi engraçado, porque muitos marroquinos gostam do Barcelona, e por isso gostam do Messi. E derrotar o Ronaldo foi ainda mais marcante. Já para mim custou mais. Ainda por cima vê-lo a chorar. Eu não chorei, mas custou muito vê-lo assim, senti isso. Era o meu ídolo. E queria muito vê-lo a ganhar um Mundial, ele trabalhou tanto para isso. Se apoias o Ronaldo, sentiste aquele momento, tal como ontem. Não deu em 2022, mas espero que dê este ano, estou a torcer por Portugal.

Mas até agora, quem é que lhe parece estar melhor neste momento?
Espanha. Até agora Espanha. Mas Portugal tem qualidade em todas as posições, espero que ganhe. Claro que a Alemanha também tem favoritismo, porque joga em casa, mas vamos ver.

Certamente que conhece alguns jogadores que estão agora neste Campeonato da Europa. Quem eram os seus melhores amigos no futebol?
Hmm… dou-me muito bem com o Emre Can, do Dortmund, somos amigos e continuamos a falar. Ele até me convidou para os jogos deste Euro, mas não consegui ir com tanto trabalho aqui. E ele também jogou com o Ronaldo, na Juventus.

E contou-lhe alguma história dele?
Sim, e são todas sobre o trabalho. Lembro-me dele dizer que uma vez foram dar com ele no ginásio às sete da manhã. Também sou muito amigo do Achraf Hakimi, do PSG. Ele também se cruzou com o Cristiano, no início, no Real Madrid. Quando joguei com ele pela primeira vez, na seleção de Marrocos, devia ter ele uns 18 ou 19 anos. E já aí se via que ele era diferente.

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