A deliberação de cinco juízes do Supremo Tribunal britânico — por unanimidade — sobre o caso Oak Finance/BES, conhecida na manhã desta quarta-feira, criou um precedente jurídico que será decisivo para se saber, na prática, como serão geridos os casos de resolução de bancos em toda a União Europeia. Para Portugal, porém, há também uma consequência bem mais imediata e concreta: se a decisão tivesse ido em sentido contrário, o Estado teria um risco sério e iminente de ter de emprestar mais 800 milhões de euros (incluindo juros) ao Fundo de Resolução para uma nova injeção de capital no Novo Banco.
A decisão é complexa — e ainda mais as suas implicações jurídicas — mas o sumário faz-se em poucas palavras. Algumas semanas antes da resolução do Banco Espírito Santo (BES), no verão de 2014, o gigante norte-americano Goldman Sachs fez um empréstimo em dólares (835 milhões) ao banco, através de um veículo que estruturou no Luxemburgo e do qual se desfez, parcialmente, através da emissão de dívida que foi comprada por vários investidores, incluindo um fundo de pensões da Nova Zelândia e “fundos-abutres” como o do conhecido investidor Paul Singer.
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Inicialmente esse passivo foi incluído no registo contabilístico do conjunto de ativos a transferir para o Novo Banco, aquando da sua criação, mas esse registo foi corrigido em dezembro (de 2014) porque o Banco de Portugal, sublinhando que nunca havia transferido o contrato para o Novo Banco, considerou que o interesse económico desse veículo — o Oak Finance — era do Goldman Sachs e que, como tal, atuava por conta do banco norte-americano. E porquê? Porque poucas semanas antes do colapso, o Goldman Sachs alcançou (e comunicou ao mercado) uma participação acionista no BES superior a 2%, pelo que é visto à luz das regras da resolução como uma parte relacionada que não deve beneficiar do “resgate” que é a transferência para a nova entidade. Ao fazer isso, então, o crédito multimilionário cristalizou-se na massa do “BES mau“, onde terá muito poucas hipóteses de vir a ser reembolsado.
O que os tribunais britânicos estiveram a avaliar nos últimos meses, porém, não foi a validade dessa decisão mas, simplesmente, onde é que o caso deveria ser julgado. Isto porque o contrato de financiamento se rege por lei inglesa e o Goldman Sachs (aliado aos investidores que compraram parte da dívida) queria levar esse caso para ser disputado em Londres — retirando-o de Lisboa e das mãos do Banco de Portugal, que foi quem aplicou a medida de resolução.
Caso a decisão tivesse sido retirada de Lisboa e passada para Londres, e vindo este caso do contexto de uma resolução segundo as regras europeias, seria estabelecido um precedente crucial para qualquer resolução de bancos que venha a acontecer na Europa, como escreveu esta manhã o Financial Times.
E o caso não começou bem para o Novo Banco. Em primeira instância, o caso opunha os queixosos ao Novo Banco (o Banco de Portugal ainda não estava a participar no processo), o banco português perdeu. Foi em agosto de 2015 que o High Court decidiu a favor do Goldman Sachs e dos investidores, considerando que o Novo Banco era parte do contrato de financiamento e que, por este ter sido redigido ao abrigo da lei inglesa, deveriam ser os tribunais do Reino Unido a julgar o caso. Subjacente a esta visão — que teve acolhimento, junto da primeira instância — estava, no fundo, uma desconexão entre a decisão de resolução de agosto e a decisão de dezembro de manter o empréstimo no BES mau, como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra.
Derrotado, o Novo Banco recorreu para instância superior, mas foi nessa altura que o Banco de Portugal pediu para intervir no processo, ao lado do Novo Banco, algo que foi concedido. Em segunda instância, a decisão foi invertida e, dessa feita, foi a vez do outro lado recorrer para instâncias superiores — o caso chegou ao Supremo Tribunal, cuja decisão foi conhecida na quarta-feira: o Supreme Court rejeitou o recurso, reconhecendo no acórdão que “o caso tomou um rumo diferente graças à intervenção do Banco de Portugal“, que trouxe para o centro da discussão fatores jurídicos “que não tinham recebido praticamente nenhuma atenção” anteriormente, como as diretivas europeias para a gestão de crises bancárias.
A discussão jurídica sobre a decisão tomada sobre a Oak Finance permanece, assim, no Tribunal Administrativo de Lisboa. E o Goldman Sachs não tem direito a recorrer da decisão de não transferir o caso para Londres e, também, de não enviar o caso para o Tribunal de Justiça da União Europeia. Tendo memória recente das derrotas de Portugal, em Londres, no caso dos “swaps” das empresas públicas, torna-se muito mais provável, com esta decisão, uma conclusão deste caso favorável para o Novo Banco.
Caso tivesse havido a decisão contrária, o caso passaria para Londres e para um tribunal comercial que teria de decidir sobre se o Novo Banco tinha ou não obrigação de restituir este crédito. Na prática, isso significava que dentro de um ou dois anos haveria uma decisão cujos riscos potenciais o Novo Banco teria de aprovisionar desde já — e na falta de meios para o fazer sem fazer baixar os rácios de capital para níveis abaixo dos mínimos, o cenário mais provável seria que o Fundo de Resolução voltasse a ser chamado a capitalizar a instituição.
A venda de 75% do capital ao Lone Star implicou a criação do “mecanismo de capital contingente” — de até 3,89 mil milhões — a que o Novo Banco já recorreu em quase 800 milhões de euros quando apresentou os últimos resultados anuais. Contudo, além de acudir em casos de desvalorizações de ativos (que façam cair os rácios de capital), também se pode recorrer a esse mecanismo por força de contingências resultantes de litígios — algo de que o Lone Star se quis, também, proteger.
Assim, teria de haver um novo empréstimo do Fundo de Resolução — um organismo público que conta com as contribuições dos bancos do sistema mas que por não ter ainda recursos suficientes precisa de empréstimos públicos para conseguir injetar recursos no Novo Banco. Disputando-se o caso em Londres, seria muito mais difícil vencer o caso e evitar pagar os 835 milhões de dólares ao Goldman Sachs, além dos juros que viessem a ser calculados.
Mais profundas ainda seriam as implicações de uma deliberação contrária para toda a banca europeia. E, simetricamente, o resultado efetivo deste caso também deverá ser usado em futuros problemas na Europa para proteger o direito dos bancos centrais nacionais a tomarem medidas (incluindo medidas de resolução) sobre bancos que são da sua “coutada”, independentemente de quantos contratos de financiamento esse banco possa ter, redigidos ao abrigo da lei deste ou daquele país.
O Supremo Tribunal britânico, ele próprio, reconheceu que toda a legislação europeia sobre as resoluções de bancos “poderia ficar em risco se os atos de uma dada autoridade de resolução fossem suscetíveis de serem desafiados por todos os outros estados-membros“.