Mavel’s Spider-Man é um dos jogos mais esperados de 2018. O exclusivo da PS4 marca o regresso do famoso super-herói aos videojogos, num título de grande orçamento desenvolvido pelo estúdio Insomniac, conhecido do grande público por jogos de sucesso como Ratchet & Clank. Aproveitando a tour de antevisão do jogo — que será lançado mundialmente dia 7 de setembro –, conversámos com um dos argumentistas, Jon Paquette, num rooftop na zona ribeirinha de Lisboa. Debaixo do sol abrasador de um dos dias mais quentes do ano, falou-se de um dos maiores ícones pop de sempre e da responsabilidade de ter de criar uma personagem universalmente conhecida.

És fã do Homem-Aranha? Já tinhas lido alguma coisa do que foi publicado antes de começares a trabalhar no argumento de Marvel’s Spider Man?
Por acaso subscrevia duas revistas mensais quando era miúdo: The Amazing Spider-Man e Peter Parker, the Spectacular Spider-Man. Estou prestes a fazer 46 anos, e li muito na fase das Secret Wars [a saga que uniu diversos personagens da Marvel, entre maio de 1984 e abril de 1985], quando o Homem-Aranha ganhou o seu famoso fato preto. Volta e meia volto a ler o que saiu dessa fase por achar que é realmente boa do ponto de vista da escrita.

Achei que neste prólogo de Marvel’s Spider-Man se conseguia ver o traço de vários artistas que desenharam a personagem, especialmente John Romita Sr., que pegou no herói logo em meados de 1966 depois de o seu criador original, Steve Ditko, se ter despedido da Marvel. Isso foi propositado?
O que fizemos para criar grande parte das animações, designs e poses da personagem foi olhar para os momentos icónicos do Homem-Aranha, seja na banda-desenhada, no cinema ou na televisão, e não apenas para o que o Romita fez. Tentámos encontrar aqueles momentos que são reconhecíveis de imediato, como as poses típicas que fazem parte de décadas de iconografia cultural.

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A Insomniac tem feito um bom trabalho com os seus próprios produtos, como Ratchet & Clank, mas há uma responsabilidade adicional quando se trabalha com um ícone pop como o Homem-Aranha.
Essa foi uma das razões pelas quais foi excelente colaborar com a Marvel: além do óbvio acervo que eles da própria personagem, também têm alguns especialistas que nos deram um grande apoio. Como sabes, somos três os argumentistas de Marvel’s Spider-Man: eu, o Ben Arfmann e o Christos Gage, sendo que este último é também argumentista de banda-desenhada e escreveu muitas das revistas recentes de Spider-Man. Fizemos o possível para homenagear condignamente a história da personagem, mas tentámos encontrar uma maneira de a representar de maneira inovadora e fresca.

Sinto que era demasiado arriscado ficarem colados aos enredos criados para o Homem-Aranha noutros meios, seja na banda-desenhada ou no cinema. São demasiadas décadas de histórias para “respeitar”. Sentem que é um legado pesado?
No início do projeto, houve uma fase de pesquisa. Lemos todas as bandas-desenhadas, vimos todos os filmes e jogámos todos os jogos e, depois disso, esquecemos tudo o que vimos e lemos. Tentámos injetar o espírito da personagem em nós próprios, para que conseguíssemos criar a nossa própria interpretação e visão, mas que não violasse o ADN do Homem-Aranha. Quando estava a escrever o argumento, sabia que tinha de ter apontamentos de humor mas também algum drama, de ter verdadeiros sacrifícios e de ser focado não não apenas no super-herói, mas também no próprio Peter Parker. Não queríamos que alguém dissesse: “Ah! O jogo foi baseado naquela revista ou naquele enredo!”. A Marvel, a Sony e a Insomniac concordaram que devíamos criar o nosso próprio universo e espero ele venha a ser oficialmente numerado algum dia. [Na Marvel, os diferentes multiversos de banda-desenhada, televisão, cinema, têm numeração própria para indicar que se tratam de realidades paralelas.]

E já pediste à Marvel um número específico para o teu universo?
Não, não [risos]. Nem acredito que ganhe o suficiente para chegar a ser o tipo que pode pedir uma coisa dessas.

Para quem conhece a fundo o Homem-Aranha, sabe que ele é provavelmente um dos super-heróis mais mundanos que existem. Tem problemas comuns como qualquer um de nós — na escola, na faculdade, tem falta de dinheiro.. Foi isso que tentaram passar para o vosso jogo? Que atrás da máscara está uma pessoa? 
É fantástico termos uma personagem com a qual nos identificamos. O que faz do Peter Parker uma excelente personagem é que, quando ele tenta ter sucesso enquanto Peter, o seu alter-ego perde. É como se ele tivesse sempre de sacrificar alguma coisa. Por outro lado, muito do sucesso que ele alcança enquanto Homem-Aranha, leva a que o Peter perca algo. Está sempre a fazer malabarismo entre estas duas vidas, está sempre a fazer escolhas que acabam por o prejudicar, seja como Peter ou como Homem-Aranha. Mas é assim que nós vivemos as nossas vidas. Tu e eu temos família e filhos pequenos e sabemos que não podemos trabalhar de forma tão intensa como fazíamos antes, porque temos e queremos estar em casa com os nossos filhos. Queremos que eles tenham pais presentes e, por isso, temos de fazer escolhas. Posso ter deadlines apertadas, posso ter de trabalhar até tarde mas o que quero mesmo é ver o meu filho e acompanhar o seu crescimento e jogar basquetebol com ele. O Peter tem de fazer escolhas semelhantes e nem todas as histórias de super-heróis são como esta. São histórias assim que são, no fundo, humanas.

O Peter Parker sempre teve esse tipo de conflito, seja na relação com o seu melhor amigo, Harry Osborn, que se veio a tornar no Duende Verde, ou na forma como o perde por “culpa” do Homem-Aranha. É esse é o núcleo central do vosso enredo?
Sim. Por exemplo, como é que ele consegue ter um relacionamento com alguém? Não só pelo tempo que perde no seu “emprego” enquanto super-herói, mas também com o seu emprego real, diurno, no laboratório. Como Peter, como é que ele consegue sequer ter uma namorada, como é que consegue equilibrar essas duas metades da sua vida? Como é que ele consegue ter tempo para encontrar a pessoa certa?

Essa foi uma das razões dos problemas do casamento com a MJ Watson nos comics. No vosso universo. os dois não chegaram a casar. Mas saber que a história do jogo começa precisamente seis meses depois da separação é uma forma inteligente de nos mergulhar no conflito humano que existe por trás do herói.
Sentimos que o público já conhece a fundo a história clássica — que ele se vai tornar no Homem-Aranha depois de ser picado por uma aranha. Não precisamos de estar a mostrar isso pela enésima vez só que noutro media. Ao invés disso, preferimos contar uma história mais moderna e que acontece numa fase diferente da vida do Peter sonre a qual pouca gente se debruçou. Enquanto escrevíamos a história, conversámos imenso entre nós para percebermos quem éramos com vinte e poucos anos. Que desafios tínhamos e quais as nossas prioridades na vida? Como era aquela sensação de sermos indestrutíveis e de conseguirmos fazer tudo pelo nosso próprio pé? Tentámos interligar essa sensação à vida do Peter que, no jogo, tem 23 anos. Para mim enquanto argumentista, foi divertido “atirar” uma série de conflitos até ele quebrar.

Como escritor sentes que foi mais fácil trabalhar com este super-herói por possuir a melhor galeria de vilões da Marvel?
A parte difícil foi escolher quem incluir e quem deixar de fora. Há tantas histórias brilhantes com os inimigos do Spider-Man que tivemos de utilizar um quadro branco para listar todos os possíveis vilões que iriam entrar no jogo.

Tiveram de lutar entre vocês para escolherem os vilões?
Não nos limitámos a discutir os que dariam as melhores histórias mas também tentámos perceber, em termos de jogabilidade, o que podíamos incorporar de diferente. Incluir o Vulture e o Rhino significou trazer possibilidades de jogo e de game design completamente diferentes. Tínhamos acesso a um historial de videojogos do personagem para perceber que inimigos funcionavam e não funcionavam. Kraven’s Last Hunt [publicado em 1987] é uma das minhas histórias favoritas de sempre e foi com tristeza que percebi que não encaixava na nossa ideia para o jogo.

Talvez na sequela?
Quando estás a construir uma história tão grande como a de Marvel’s Spider-Man é difícil escolher algumas ideias em detrimento de outras, sob risco da narrativa começar a perder-se com as nossas decisões.

Quando joguei Batman: Arkham Asylum [de 2009] senti que aquilo que o estúdio Rocksteady fez em termos de liberdade de movimentos com o Batman foi o que sempre deveria ter sido feito com o Homem-Aranha. Quando vi o primeiro trailer do vosso jogo, questionei-me: porque é que foram precisos dez anos até alguém fazer algo semelhante?
Não foi fácil chegar a este nível de liberdade e de abertura de mundo. Fizemos muitas experiências em termos de movimentação e de combate, e reconhecemos que o que o torna realmente único é a capacidade de combater em altura.

A agilidade única da personagem também nunca tinha sido devidamente representada.
Vais sentir que, à medida que o jogo progride e o personagem evolui e ganhas novas habilidades, serão incorporados movimentos que todos reconhecemos da personagem da banda-desenhada e do cinema, como a capacidade de se baloiçar em teias.

As gadgets são elementos habituais dos jogos criados pela Insomniac. Isso vai repetir-se em Marvel’s Spider-Man, apesar de o aracnídeo não estar conotado com este tipo de ferramentas?
Por estarmos a desenvolver a personagem em videojogo queríamos permitir que os jogadores tivessem uma amplitude de escolha de como jogá-la. Mas também queríamos introduzir esta sensação de diversão, e é aí que as gadgets entram, com ideias diferentes que permitem momentos únicos de jogo. Queríamos perceber como é que alguém que jogasse Marvel’s Spider-Man poderia sentir que este era um jogo da Insomniac, e as gadgets são certamente os elementos que nos distinguem.

Tens 46 anos, cresceste a ler Homem-Aranh, e tiveste a oportunidade de criar a tua visão de quem é o Peter Parker com 23 anos. Para que público escreveste esta história?
Acho que escrevemos este enredo para todos os que têm um Peter Parker dentro de si. Queríamos apelar à maior demografia possível.

Mas podiam ter ido pelo caminho fácil, como a Marvel foi recentemente, e transformar o Homem-Aranha num adolescente como o Miles Morales, apelando a um público mais jovem.
Uma conclusão a que chegámos enquanto debatíamos a visão que tínhamos para o jogo foi a de que os 23 anos foram o nosso grande momento de formação. É momento depois da universidade em que a maioria das pessoas acaba com os relacionamentos que tinha — alguns amigos prosseguem carreiras em sítios diferentes, outros ficam na sua terra-natal, outros anseiam chegar a locais inalcançáveis. Apesar das diferenças, é nessa altura que todos acabam por definir quem são. Imagina o que é seres o Homem-Aranha nessa idade e andares a escalar paredes há oito anos. Era um momento inspirador para explorar a humanidade da personagem.

Com todo o contágio criativo entre diversos media, com o cinema a inspirar o que se passa na banda-desenhada, acreditas que algumas das tuas ideias podem vir a ser utilizadas por outros criadores? 
Espero que sim. Acredito que isso acontece quando o escreveste é realmente bom e cria uma ligação com o público. Veremos se este será o caso. Espero bem que assim seja.

Ricardo Correia, Rubber Chicken