Depois de uma manhã de turbulência e de uma recuperação parcial, a lira turca voltou a afundar 16% face ao dólar na sequência do anúncio de Donald Trump de que autorizou a duplicação das taxas alfandegárias sobre a importação de aço e alumínio da Turquia, num altura em que a relação entre os dois países está tensa. Reçep Tayip Erdogan pede aos turcos para trocarem euros e dólares que têm “debaixo das almofadas” por liras e fala em guerra económica contra a Turquia.

“Acabei de autorizar a duplicação das tarifas sobre o aço e o alumínio relativamente à Turquia numa altura em que a sua moeda, a lira turca, desvaloriza rapidamente contra o nosso forte dólar! [A taxa sobre o] alumínio será agora sobre 20% e sobre o aço 50%. As nossas relações com a Turquia não são boas nesta altura”, disse o presidente dos Estados Unidos numa publicação na rede social Twitter.

A decisão de Donald Trump foi anunciada numa altura em que a lira turca já recuperava de uma forte desvalorização que tinha acontecido no início das negociações. Durante a manhã, a lira turca chegou a cair 11% e depois recuperou parte das perdas. No entanto, assim que foi anunciada a decisão, a moeda turca voltou a cair a pique e já caia mais de 16% pelas 14h40 desta sexta-feira.

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Os juros exigidos pelos investidores para comprar dívida turca a dez anos também se continuam a subir, atingindo os 19,74%. A bolsa está a acompanhar a tendência, com os seus principais índices a caírem mais de 5%.

Na Europa, um autêntico mar de vermelho. O bolsa italiana é a que mais cai, com o seu principal índice, o FTSE MIB chegou a cair mais de 3%. Na Alemanha e em Espanha os principais índices caiam à volta de 2%, e em França 1,7%. O principal índice da bolsa portuguesa, o PSI20, também cai cerca de 0,7%.

O euro também está a cair face ao dólar, na sequência da turbulência vinda da Turquia. A moeda única chegou a desvalorizar quase 0,9%.

De costas voltadas com Trump, Erdogan vira-se para a Rússia

Com a tensão com os Estados Unidos cada vez mais elevada, o presidente turco falou ao telefone com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, para o que o regime turco diz ter sido uma conversa sobre as relações económicas entre os dois países.

Segundo a Associated Press (AP), responsáveis do governo turco, que pediram para não serem identificados, disseram que os dois presidentes expressaram o seu “agrado” que os laços entre os dois países estão a ser reforçados e pela continua cooperação nas áreas da defesa e da energia, no que parece ser uma alfinetada aos EUA e aos aliados europeus, já que a Turquia é um dos países que integram a NATO. Recentemente, a Turquia decidiu comprar sistemas de defesa anti-míssil à Rússia. A Rússia também está a construir uma central de energia nuclear na Turquia.

Deus e o dinheiro debaixo do colchão como política económica

“Se eles têm dólares, nós também temos o nosso povo, o nosso Deus”, foi uma das primeiras reações do dia do presidente Reçep Erdogan. Depois disso, Erdogan tentou passar mais uma mensagem de calma e fez um apelo pouco ortodoxo à população.

“Troquem os vossos euros, dólares e ouro que têm guardados debaixo da almofada por liras nos nossos bancos. Esta é uma luta doméstica e nacional”, disse.

“Esta vai ser a resposta do meu povo àqueles que estão a fazer uma guerra económica contra nós”, acrescentou, antes de garantir que o seu governo não ia perder esta guerra.

No entanto, horas mais tarde o ministro das Finanças da Turquia, Berat Albayrak, que é também genro do presidente turco, sentiu necessidade de vir a pública garantir a independência do banco central: “um dos nossos princípios será garantir a independência total da política monetária”.

A garantia foi deixada durante a apresentação dos planos do governo para um novelo modelo económico na Turquia.

Para garantir a valorização da moeda, a Turquia poderia recorrer à compra da moeda turca como forma de criar artificialmente procura. No entanto, para que essa estratégia funcionasse, teria de ser o banco central a atuar e este teria de ter reservas de moeda estrangeira de uma dimensão considerável que pudesse utilizar nesta altura para estabilizar a moeda, o que não é o caso do banco central da Turquia.

Bancos espanhóis são os mais expostos

Entre os bancos internacionais, os espanhóis eram os mais expostos à Turquia no primeiro trimestre deste ano. De acordo com o Banco de Pagamentos Internacionais (BIS, na sigla em inglês), a exposição dos bancos espanhóis à Turquia é de cerca de 82,3 mil milhões de dólares. Destes, apenas 2,4 mil milhões de dólares é de exposição aos bancos turcos. A maior parte é a empresas, mais de 59 mil milhões de dólares, mas os bancos espanhóis também detém cerca de 19,3 mil milhões de dólares de dívida pública turca.

No entanto, se se adicionarem a estes o valor das garantias concedidas por bancos espanhóis a entidades turcas e os compromissos já assumidos para dar créditos, a exposição dos bancos espanhóis seria superior a 100 mil milhões de dólares.

Em segundo lugar nesta lista surgem os bancos franceses,  com uma exposição total que ronda os 38,4 mil milhões de dólares, dos quais 24,2 mil milhões são também a empresas. Deste bolo total, os bancos franceses terão ainda cerca de 7 mil milhões de dólares emprestados ao setor público turco e outros 3,9 mil milhões de dólares a bancos turcos.

Os bancos alemães surgem como os terceiros mais expostos, mas só contando com a zona euro (já que o Reino Unido e os Estados Unidos são o terceiro e quarto mais expostos em termos globais) com uma exposição de cerca de 17,2 mil milhões de dólares, mas com mais dinheiro em bancos do que em dívida pública. Os bancos italianos são os quartos mais expostos da zona euro, com um uma exposição de cerca de 16,9 mil milhões de dólares.

O que agravou esta crise?

Os receios em torno da situação económica turca agravaram-se depois de um embate entre o presidente da Turquia e o presidente dos Estados Unidos, depois de a Turquia prender e se recusar a libertar Andrew Brunson, um pastor norte-americano de 50 anos oriundo da Carolina do Norte.

Andrew Brunson encontra-se atualmente sob prisão domiciliária e é um dos 20 norte-americanos acusados pela justiça turca de participarem na tentativa de golpe de Estado contra o presidente da Turquia em 2016.

O pastor é acusado de ter ligações a dois grupos que a Turquia considera terroristas, o partido dos trabalhadores do Curdistão – mais conhecido como PKK – e o movimento liderado por clérigo turco radicado nos Estados Unidos, Fethullah Gulen.

Fethullah Gulen é considerado por Erdogan como o responsável máximo pela tentativa de golpe de Estado e tem sido um foco de tensão entre Turquia e Estados Unidos. A Turquia exige, desde 2016, a extradição de Fethullah Gullen para que seja julgado na Turquia como o autor moral da tentativa de golpe de Estado, mas os EUA recusaram sempre estas pretensões, tanto durante a administração de Barack Obama como na de Donald Trump.

O presidente norte-americano já falou diretamente como Erdogan a exigir a libertação do clérigo norte-americano, mas o presidente turco tem recusado. Na sequência da falta de entendimento, Donald Trump ameaçou impor sanções contra a Turquia, que como uma economia fragilizada, se vê agora a braços com uma instabilidade que pode sair cara aos turcos.

Os Estados Unidos também já tinham aplicado sanções contra dois responsáveis turcos há cerca de um mês, em resposta a este caso. Na altura, a Turquia prometeu retaliar.