O Bloco de Esquerda (BE) quer diminuir a desigualdade salarial entre os gestores e os trabalhadores da mesma empresa em Portugal, avançando com um projeto de lei que abre a porta à fixação de rácios.

Em conferência de imprensa esta sexta-feira no Porto, o deputado bloquista José Soeiro fez a apresentação de uma proposta anunciada em junho pela coordenadora Catarina Martins. O Bloco remete para o Governo a definição do leque salarial que deve ser respeitado nas empresas, mas o objetivo é penalizar as empresas cujas disparidades salariais ultrapassem esse intervalo, nomeadamente ao nível dos concursos públicos, apoios e políticas públicas e benefícios fiscais.

A iniciativa surge uma semana depois de, em entrevista ao Expresso, o primeiro-ministro ter considerado inaceitáveis estas assimetrias salariais nas empresas, dando como exemplo o caso da EDP onde os salários do topo chegam a ser 200 vezes mais altos do que o salário mínimo.

No essencial, e depois de as empresas cotadas no PSI20 já serem obrigadas a fazê-lo, o BE quer que as empresas com mais de 10 trabalhadores passem a ter de “divulgar o seu leque salarial”, por forma a que o Governo, uma vez aplicado um “rácio para o público e para o privado”, possa “exigir a aplicação da lei”.

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Perante a possibilidade de vir a ser considerada inconstitucional com a alegação “de que o Estado não pode interferir nas empresas privadas”, José Soeiro lembrou “haver mecanismos para o caso das dívidas fiscais das empresas, que ficam inibidas, por exemplo, de participar em concursos públicos”, que podem transitar para os casos de “incumprimento do rácio”.

Estamos abertos a uma discussão sobre o rácio”, revelou o deputado, aludindo à proposta que surgiu na “Suíça de 1/12”, da avançada em “França de 1/20” ou da considerada pelo “economista Peter Drucker de que não deveria exceder o 1/25” como exemplos para a discussão do projeto de lei que vai seguir para a Assembleia da República. Enfatizando que a ideia do BE “não foi fixar na lei o rácio”, mas sim “dar um prazo de 90 dias para que fosse fixado”, explicou-o à luz da vontade de “fixar primeiro um princípio e só depois discutir as concretizações”.

“Ainda não houve nenhum processo negocial formal sobre este projeto”, revelou José Soeiro sobre as conversas a haver com o PCP e com o PS, admitindo, no entanto, a existência de “contactos informais”.

O deputado recordou ainda que no último congresso dos socialistas foi aprovada uma moção da Juventude Socialista que apontava para a “fixação de um leque salarial à semelhança do que sucedeu na Suíça”.

Aludindo a “declarações de dirigentes políticos de várias áreas que vão no sentido do espírito desta proposta”, entre eles “o Presidente da República e o primeiro-ministro”, o deputado do BE entende chegado o momento de “passar das palavras à ação”.

À pergunta se essa reconversão salarial nas empresas não iria acabar por as prejudicar ou acabar por ditar a saída dos gestores por recusa em baixar o seu salário, José Soeiro defendeu “não haver relação entre vencimentos principescos e a boa gestão das empresas”.

Como exemplo disso, citou a “degradação do serviço postal prestado aos clientes” dos CTT que não impede Fernando Lacerda de ganhar “895 mil euros por ano, ou seja, cerca de 64 mil euros por mês”.