José de Sousa Cintra foi presidente do Sporting desde 1989 até 1995. Aliás, no final da temporada 1994/95 – em que os leões conquistaram a Taça de Portugal mas não foram além de um segundo lugar no campeonato, a sete pontos do FC Porto – já era Pedro Santana Lopes o presidente do clube de Alvalade. Antes disso, num jogo que em nada alteraria a classificação, o Sporting deslocou-se à Luz para o último dérbi da temporada e o último dérbi de Sousa Cintra na Luz. Até este sábado.

A 30 de abril de 1995, já na 30.ª jornada, nada apontava para que aquele dérbi fosse, como foi, um dos mais mediáticos e polémicos da história do futebol português. À chegada à Luz, o Sporting carregava nos ombros o peso de uma época difícil, marcada também pela confusão em torno de Luís Figo, uma das principais figuras da equipa que assinou pelo Parma, assinou pela Juventus, foi “vetado” em Itália, ainda negociou a renovação de contrato mas saiu para o Barcelona.

O jogo em si não tem grande história. Aos 11 minutos, o Sporting já vencia por 2-0 – Balakov aproveitou um erro de Preud’Homme para fazer um chapéu ao guarda-redes belga e inaugurar o marcador, Iordanov aumentou com um pontapé do meio da rua. Aos 22 minutos, Dimas ainda reduziu para o Benfica, que perderia João Vieira Pinto por lesão grave. O Sporting orientado por Carlos Queiroz preparava-se para vencer o Benfica de Artur Jorge pela segunda vez no Campeonato (tinha ganhado 1-0 na primeira volta, golo de Amunike). A história estava guardada para o minuto 80.

Pedro Santana Lopes ganhou a Taça de Portugal uma semana depois de ser eleito e festejou com Queiroz e Sousa Cintra

Com apenas dez jogadores de cada lado (Veloso e Naybet foram expulsos com dois minutos de diferença), Tavares sofreu uma entrada dura de Sá Pinto quando se preparava para entrar na área do Sporting. Como sempre e como é habitual, até porque estamos a falar de um dérbi, os jogadores de parte a parte juntaram-se à volta de Jorge Coroado, o árbitro da partida, e geraram-se os normais empurrões e chega para lá. A dada altura, o argentino Claudio Caniggia envolve-se numa troca de insultos mais acesa com Sá Pinto e Coroado decide intervir. Mostra o cartão amarelo aos dois mas, logo de seguida, levanta o cartão vermelho e expulsa o benfiquista. Estava criada a confusão.

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O banco do Benfica levanta-se em total incredulidade e protesto: a ideia geral era que Jorge Coroado achou que Caniggia já tinha um cartão amarelo, o que não se verificava, e expulsou o argentino por uma acumulação de amarelos que não existia. Mas o árbitro tinha outra explicação. “A ideia é dar um amarelo a cada, mas o Caniggia insulta-me. Chama-me ‘filho da p***’ e manda-me para a ‘p*** que te pariu’. Dei-lhe o amarelo. Depois ouvi isso e dei-lhe vermelho direto. O que as pessoas pensaram foi que eu me tinha enganado. Que eu julgava que ele já tinha amarelo e que portanto foi segundo amarelo. Nada disso. Foi amarelo, o primeiro dele naquele jogo, e depois o vermelho direto, porque não aceito insultos de ninguém. Em português ou em castelhano”, explicou Jorge Coroado ao jornalista Rui Miguel Tovar, a propósito do livro “Bola ao Ar — As Histórias Mais Insólitas do Futebol Português”.

O jogo acabou mas só naquele dia. A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) analisou o caso e decidiu reagir, instaurando um processo ao árbitro, aos jogadores e ao jogo. Caniggia garantia que nada tinha dito e as imagens televisivas davam razão ao argentino, ainda que durante alguns segundos a cabeça de Isaías tapasse o jogador. O processo avançou, o relator foi Sampaio Nora, do Conselho de Justiça da FPF, os jogadores encarnados defenderam Caniggia e do Sporting só Sá Pinto quis falar, confirmando a versão de Jorge Coroado. No final das audições, uma decisão nunca vista: a Federação decidiu anular o jogo da Luz e agendar um outro, de repetição, em campo neutro.

Um mês e meio depois dos golos de Iordanov, Balakov e Dimas, Benfica e Sporting voltaram a enfrentar-se, desta vez no Estádio do Restelo. O brasileiro Edilson, que fez nesse dia o seu último jogo com a camisola do Benfica, marcou duas vezes e sentenciou o resultado final em 2-0. O Restelo, esse, estava demasiado despido. A edição do jornal Record do dia seguinte contava que “os desmoralizados adeptos viraram as costas ao dérbi”. “O Restelo apresentava um aspeto desolador, quase vazio. Uma tristeza”, acrescentava. Mas a história ainda não tinha acabado. Dias depois do Benfica inverter o resultado da Luz no Restelo, a FIFA contrariou a decisão da FPF e anulou o jogo de repetição, tornando válido o primeiro e atribuindo os três pontos ao Sporting. Para a classificação da época de 1994/95 e para a história, Sousa Cintra venceu o seu último dérbi na Luz. Até este sábado, em que um golo de João Félix aos 85 minutos roubou a vitória ao Sporting.

Agora, no dia que marcou a normalização de relações institucionais entre os rivais, Sousa Cintra regressou à tribuna do novo estádio da Luz e falou de paz em declarações à… BTV. “O Sporting e o Benfica fazem a bandeira nacional. São rivais de sempre e essa rivalidade é saudável, devendo funcionar apenas dentro do campo. Fora do campo as pessoas devem ser amigas e entenderem que o futebol precisa de paz, já chega de guerrilha. Não conheço ninguém que tenha ganho com o ambiente de guerrilha. Sou um homem de paz, de diálogo. Espero que seja um grande espetáculo e que ganhe o melhor. E que o melhor seja o Sporting”, destacou uma hora antes do início do encontro. 23 anos depois, em vez de guerra houve paz.