Ricardo Ferreira, que foi assessor do antigo ministro da Economia Carlos Tavares, considerou esta sexta-feira “natural” e não ter “nada de mal” ter saído do Governo para a EDP em 2005, realçando que recebeu três propostas, uma delas da Concorrência.

“Desempenhei as minhas funções com o máximo profissionalismo, seriedade, rigor, isenção e ética e, portanto, acho natural [a passagem]. Não vejo nada de mal e a prova é que o próprio regulador me fez uma proposta”, declarou em audição na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas no setor elétrico.

Questionado sobre a passagem do Governo, pelos gabinetes dos ministros Carlos Tavares e Álvaro Barreto, para a EDP, Ricardo Ferreira adiantou que recebeu três propostas de trabalho, da Autoridade da Concorrência (AdC), da EDP e a terceira da REN. “No termo de funções no gabinete algo que muito me honra é o facto de me terem sido apresentadas três propostas. Da AdC, do próprio [presidente] Abel Mateus, da EDP e a terceira da REN. Acho que isto é a demonstração cabal do mérito, do reconhecimento do trabalho desenvolvido. Tinha uma proposta de uma parte do contrato, de uma contraparte e do regulador da Concorrência”, afirmou em resposta ao deputado socialista Fernando Anastácio.

Ricardo Ferreira chegou ao Governo em 2003, por convite de um adjunto do ministro da Economia Carlos Tavares, do Governo de Durão Barroso, vindo da consultora The Boston Consulting Group (BCG), onde esteve dois anos e “tinha feito um trabalho na área da energia”. A sua audição seguiu-se à de João Conceição, que também veio da BCG para os gabinetes do Ministério da Economia liderado por Carlos Tavares e mais tarde por Manuel Pinho. Enquanto Ferreira rumou para a EDP, o outro arquiteto do modelo CMEC, seguiu para a administração da REN onde está há quatro mandatos. Os dois defenderam o modelo de compensações que ajudaram a construir e afastaram a tese das rendas excessivas nos contratos CMEC.

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Ricardo Ferreira continua a colaborar com o Ministério da Economia, no governo seguinte, liderado por Santana Lopes, com Álvaro Barreto com a tutela da energia. “A minha entrada no gabinete do ministro Carlos Tavares dá-se por convite do próprio ministro. Ele não me conhecia. Fui convidado por um adjunto que tinha sido meu colega enquanto professor universitário. Sabia que eu tinha feito um trabalho na área da energia e, por essa razão, como o senhor ministro estava a formar gabinete e precisava de alguém com as minhas competências”, explicou.

No gabinete de Carlos Tavares, que tinha “uma equipa altamente qualificada”, acrescentou, teve um “conjunto de incumbências”, nomeadamente “preparar a transição dos CAE [contratos de aquisição de energia], que vinham desde meados da década de 90, e que tinham que acabar por imperativos comunitários”.

Admitindo ter tido um “papel relevante no desenho” dos CMEC, Ricardo Ferreira sublinhou que “era um técnico” e “não tomava decisões”, limitando-se a “partir pedra e de arranjar soluções”. “Era dirigido pelo senhor ministro Carlos Tavares que tem vasta experiência ano setor bancário e não aceitava qualquer coisa. Ele era das pessoas que ia ao detalhe do detalhe”, concluiu.

“O meu ponto de partida é que não há rendas excessivas”

Ricardo Ferreira rejeitou ainda que existam rendas excessivas, criticando o relatório da ERSE que identificou uma sobrecompensação de 510 milhões de euros nos CMEC por “não ter sustentação”.

“O meu ponto de partida é que não há rendas excessivas”, respondeu, no período de perguntas do deputado do CDS-PP Hélder Amaral, uma ideia que voltou a ser defendida por Ricardo Ferreira, por diversas vezes, ao longo da audição.

Ricardo Ferreira fez duras críticas ao relatório da ERSE, que estima em 510 milhões de euros o acréscimo pago à EDP pela introdução dos CMEC [custos para a manutenção do equilíbrio contratual], suportado pelos consumidores de eletricidade nos últimos dez anos, uma posição em linha com a defendida na quinta-feira, também em audição da comissão de inquérito, por João Faria Conceição, antigo consultor do ex-ministro Manuel Pinho.

O deputado do CDS-PP confrontou o atual diretor da regulação da EDP com as críticas da presidente da ERSE, Cristina Portugal, na audição desta comissão em 24 de julho, que usou, por várias vezes, a comparação com “um modelito” feito por uma modista para se referir aos CMEC, considerando que foi uma “aplicação cega e acrítica” que permitiu a sobrecompensação à EDP de 510 milhões de euros.

Ricardo Ferreira foi perentório ao afirmar que não se revê nessa ideia de “modelito” – que admite ter ouvido “com surpresa” – considerando que os pontos apontados nesse relatório, que “combinados dão os famosos 510 milhões de euros, não têm sustentação”. Conforme já tinha elencado nas respostas ao deputado do PS Fernando Anastácio, em causa está o modelo valor água, as taxas de juro ou valorização das licenças de CO2 e ausência dos testes de disponibilidade, cujo cálculo dos 285 milhões de euros que representa no relatório da ERSE apelidou de “algo académico”.

De acordo com Ricardo Ferreira, a ideia das “rendas excessivas tem origem no relatório de 2012 e no relatório da ERSE”, considerando que se “desmonta quer um quer outro” e que por isso estas não existem. “Não sei porque é que se gerou essa falácia de que há um relatório de Cambridge, mas aquele que eu conheço, de 31 de janeiro de 2012, é da secretaria de Estado e é facilmente constatável”, assegurou.

Na sua opinião, o decreto-lei que legislou os CMEC “não é normal, é complexo”, mas isso não quer dizer que seja opaco, considerando que este “é tão completo que é detalhado”. Os CMEC, acrescenta, “introduzem uma quantidade de risco grande”, recordando que “quem está em CAE só tem que ter a central capaz de trabalhar”. “No caso dos CMEC não é assim. Quem aderiu, assume um risco enorme, um risco de mercado”, destacou.