Habitualmente, existem duas formas de fazer uma sequela de algo com sucesso. Aquela que é exatamente igual ao original com um orçamento maior, que fica sempre aquém do antecessor e depois aquela em que os criadores ousam alterar o suficiente para fazer algo novo, mas conseguem manter um equilíbrio perfeito entre novidade e familiaridade. Casos destes são raríssimos. No cinema, temos os exemplos de Terminator 2 e Aliens, que na opinião de muitos superam as obras-primas que criaram as franquias. Nos videojogos também há poucos e pela amostra que nos foi dada a testar à porta fechada nos escritórios da Rockstar em Madrid tudo aponta que vai ser o caso de Red Dead Redemption II.
Em Red Dead Redemption, vivemos a história de John Marston, um pistoleiro reformado que apenas queria viver em paz com a sua família mas é obrigado a caçar os membros sobreviventes do seu antigo gang. É na pele dele que conhecemos um dos melhores mundos alguma vez criados nos videojogos explorando o velho oeste no virar do século XIX para o XX. Em Red Dead Redemption II andamos para trás no tempo e controlamos Arthur Murray, membro do mesmo gang no seu auge, e interagimos com todos os seus membros inclusive, com um John Marston mais novo, impulsivo e rebelde. Esta mudança de perspetiva colocando-nos um personagem principal diferente, ao mesmo tempo que temos contacto com o anterior mostra logo alguns dos riscos tomados para dar algo novo ao jogador.
Este é o primeiro jogo que a Rockstar cria de raiz para a atual geração de consolas, tendo como um dos seus objetivos principais criar um mundo aberto mais coeso e natural mudando o paradigma habitual nestes jogos de vídeo. Para esse fim, todos os estúdios da produtora à volta do mundo juntaram-se num esforço conjunto que nos trará uma imersão até agora nunca vista. Assim que iniciamos a nossa aventura, sentimos que estamos num ambiente conhecido mas mais expansivo, mais belo, mais tudo o que existia de bom no original. As quatro enormes regiões do mapa de jogo não são apenas um cenário onde temos que fazer coisas, são um mundo virtual que está vivo e existe por si só mesmo sem a nossa influência, mas é alterado por ela. Os diferentes ambientes nessa região têm uma ecologia própria com animais e plantas nativas que agem naturalmente ao ponto de podermos ver predadores caçar outros animais. As condições atmosféricas de cada um desses ambientes também têm uma certa influência na saúde e energia do nosso personagem, obrigando-nos a preparar para cada situação, seja através de equipamento ou alimentação.
Até muito recentemente, era difícil imaginar o nível de detalhe que o estúdio conseguiu colocar no jogo, porque vai além de um jogo. Apesar de existir uma história principal na qual somos membros de um gang de foras-da-lei, o mundo não está cheio de personagens limitados a agir apenas quando acionamos uma missão, grande parte da nossa “vida” vai ser passada no acampamento que é uma entidade por si só. É daí que vamos partir para assaltos, caçadas ou simplesmente vaguear pelo mapa, mas também é lá que vamos conhecer os membros do nosso grupo, é com eles que vamos falando e conhecendo melhor ao longo do tempo, também é neles que vamos ver mais a extensa capacidade de interação do jogo, pois todas as nossas ações fora do acampamento serão do conhecimento dos seus membros e terão influência na sua relação connosco. O acampamento precisará de mantimentos, dinheiro e outros materiais, contudo não dependem de nós para isso, os outros membros também irão por eles fazer o que for preciso. Ao invés, se fizermos algumas dessas coisas a solo ou acompanhando-os, tudo isso afetará as nossas relações com eles.
As nossas ações não são refletidas apenas no acampamento mas em todo o mundo. Arthur será medido pela sua honra, a sua reputação. E todo o mundo reage a ela, tal como à sua atitude. Todos os NPC (personagens aleatórias que preenchem o mundo do jogo) são passíveis de interação que pode ir de um simples cumprimento ao cruzar na rua e uma conversa, que por sua vez pode levar a uma missão secundária ou um assalto e uma agressão. Tudo isto é feito de um modo orgânico porque quando nos aproximamos de alguém com uma arma na mão, vamos ter uma resposta, enquanto sem armas teremos outra, estando sóbrios ou embriagados teremos atitudes diferentes e o mesmo acontece se tivemos tido interações com esse personagem antes, ou se ele testemunhou algo que fizemos porque aqui, crimes têm que ser reportados por testemunhas que podem ser coagidas a não o fazer, de certa maneira tudo o que fazemos tem consequências. Ao apontar uma pistola ao empregado de balcão da loja de armas pode ser respondida com uma atitude calma, por este estar habituado a vê-las por outro lado, fazê-lo a alguém da loja de roupa poderá ser respondida em pânico. Ou não, porque nunca sabemos quem estará à nossa frente. A inteligência artificial de todos foi levada um passo mais além nestas situações e também nos característicos tiroteios que fazem parte deste ambiente, em que os nossos inimigos já não se escondem e aparecem em padrões previsíveis que os tornavam alvos fáceis de uma diversão de feira, agora tanto eles como os nossos companheiros reagem naturalmente. Escondem-se e fogem e tentam enganar-nos para poderem sobreviver.
O nível de pormenor do mundo é incrível não só nos personagens que o povoam, mas na maneira como o fazem. Ao visitar uma cidade de noite, encontramos as lojas fechadas e as poucas pessoas com que nos cruzamos serão, em princípio, cidadãos menos respeitáveis da sociedade. Durante o dia, podemos apenas encostar a um poste e ver a cidade pulsar, pessoas vão para os seus empregos, interagem umas com as outras, edifícios são construídos ao longo dos dias. Dentro dos edifícios, todos os armários e gavetas podem ser abertos e vasculhados. Nas lojas, em vez do clássico comprar por “catálogo” ao balcão, podemos pegar no que queremos de qualquer expositor, observar a lata, frasco ou garrafa e comprar daí. Arthur, vai ficando sujo com o passar do tempo, e precisa lavar-se e limpar as suas roupas ocasionalmente porque isso o afetará a sua saúde, tal como as condições atmosféricas já mencionadas. As suas armas, além de poderem ser personalizadas esteticamente a um nível quase infinito de opções, requerem manutenção e limpeza, que se não for feita terá influência na eficácia da arma que poderá falhar a meio de um duelo ou tiroteio. Até o(s) nosso(s) cavalo(s), que pode ser de várias raças com características diferentes, tem que ser tratado, alimentado e escovado criando um laço com Arthur tornando-se mais fiel e controlável pelo seu dono.
Além destas e outras melhorias técnicas, Red Dead Redemption II pode ser jogado em perspetiva de primeira pessoa ou com a nova câmara cinematográfica que em ocasiões específicas permitem ver o mundo criado pela Rockstar num esplendor imenso, sendo esta nova câmara interessante nas cavalgadas pela pradaria, entre outras situações.
Haverá muito mais para dizer sobre Red Dead Redemption II que estará disponível a partir de 26 de Outubro de 2018 para PS4 e XBOX ONE, mas isso terá de ficar para uma análise mais completa do jogo, para já podemos terminar dizendo que é uma ótima oportunidade para quem nunca jogou o original conhecer o mundo antes de se deixar envolver no que de certeza irá destronar o jogo mais imersivo e interativo feito até hoje. Num ano em que vai concorrer com God of War e Marvel’s Spider-Man, Red Dead Redemption II está a mostrar-se o grande candidato a jogo do ano. Talvez da década.
João Machado, Rubber Chicken