O criativo da campanha cabo-verdiana sobre o plástico nos oceanos, que se tornou viral na internet e recebeu uma medalha de ouro num festival português de publicidade, considera, em entrevista à Lusa, que o filme resultou porque as pessoas sentiram o sofrimento das espécies marinhas.

O filme “O Restaurante” foi gravado com câmaras escondidas e regista a reação de pessoas que escolhem peixe para a refeição, mas são servidas com vários plásticos no lugar da comida, mostrando assim que é deste material que os peixes se alimentam, devido à quantidade de lixo que existe no mar, nomeadamente plástico. Trata-se de uma ação de consciencialização do Ministério da Economia Marítima cabo-verdiano a favor dos oceanos, criada e editada pelo Grupo Maianga e filmada pela Kriolscope, que estão já a preparar a continuidade da iniciativa.

Junior Lisboa, diretor de criação e planeamento do Grupo Maianga, que nesta campanha foi o responsável direto como criativo e também elaborou a estratégia para a comunicação social, disse à agência Lusa que optou pela “empatia como solução de comunicação, para que as pessoas sentissem na pele o que essas espécies sentem”. “Mas com uma diferença: nós, humanos, conseguimos diferenciar o que é plástico e o que é alimento, as espécies marinhas, não. E é por isso que elas estão a morrer cada vez mais, gerando previsões catastróficas para as próximas décadas”, disse.

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A ideia surgiu após um contacto do Ministério da Economia Marítima de Cabo Verde, que pretendia uma ação de comunicação para marcar o Dia Mundial dos Oceanos, a 8 de junho. “Era uma necessidade do Ministério que essa ação servisse tanto para consciencialização da população sobre a necessidade de preservação dos oceanos, quanto para posicionar Cabo Verde como um país preocupado com o problema. Achámos que era a oportunidade de transformar uma demanda modesta numa ação de grande impacto. E assim o foi”, disse.

O tema não era novo para a equipa: “Já há algum tempo que participamos em encontros com a equipa do Ministério da Economia Marítima [de Cabo Verde] no sentido de contribuirmos com ‘insights’ e um planeamento de comunicação e de ações de consciencialização junto à população, sobretudo os pescadores e comunidades que vivem da pesca”.

Os criativos partiram então da consciência de que “a questão dos plásticos envolve várias nuances, uma vez que a poluição causa impactos ambientais, sociais e económicos”. “Do ponto de vista económico, tem a ver com a mortandade de espécies marinhas que reduz a produção piscatória do país e também gera uma imagem negativa para o turismo, afinal, não é nada agradável frequentar praias sujas. Agarrámo-nos ao primeiro aspeto – a mortalidade dos animais – por achar que isso causa uma sensibilização maior nas pessoas”, disse ainda.

A equipa ficou surpreendida com o nível de desinformação sobre o mal que os plásticos causam aos oceanos e às espécies que neles vivem. “As políticas de redução da produção dos plásticos não produzirão efeitos se não conseguirmos fazer com que as pessoas percebam que aquilo é um problema real, que vai nos matar a todos se continuarmos nesse ritmo de consumo e de despejos de lixo no mar. Depois, observámos a surpresa geral causada sobre à ação em si. Aquilo de facto impactou as pessoas”, lamentou.

Sobre a forma como o filme se tornou viral na internet, provocando milhares de visualizações em todo o mundo, Junior Lisboa acredita que “tem a ver com o poder da ideia e também com a estratégia”. “Para se obter sucesso nas redes sociais o conteúdo é fundamental. É preciso dar às pessoas algo que as entretenham e as envolvam para que a mensagem seja transmitida de forma natural e depois repassada adiante. Quanto mais interessante e pertinente for o conteúdo, maiores as chances de engajamento e partilhas, disse.

Apesar de considerar que uma única campanha não é suficiente para mudar comportamentos, o criativo acredita que o filme conseguiu passar a mensagem e lançou “uma luz sobre o problema”.

Além disso, a campanha deu “notoriedade a Cabo Verde”, uma vez que tornou visível o seu esforço para reduzir os impactos da poluição nos oceanos”. “Estamos a falar de um país arquipelágico, que depende dos oceanos para sobreviver, seja pela pesca, seja pelo turismo. E que, mesmo com recursos modestos, está a fazer a sua parte, ou seja, se um país tão pequeno está a se esforçar, o mundo todo precisa de seguir o exemplo. Se calhar, talvez essa tenha sido a mensagem mais forte”.

O filme recebeu este mês uma medalha de ouro no Lisbon International Advertising Festival, sobre a qual Junior Lisboa não esconde o orgulho, nomeadamente “pela causa”, pelos “poucos recursos” para executar a campanha, pela equipa e por “inserir Cabo Verde no mapa da publicidade internacional”. “Não é todos os dias que vemos um país africano figurar na ‘shortlist’ de uma festival internacional de publicidade. Um festival, aliás, reconhecido pelo seu alto grau de exigência criativa. Nem todos sabem, mas esse vídeo figurou entre os mais qualificados na categoria Promo do Festival. Vencer na categoria África foi a consequência dessa primeira distinção, também muito importante”, sublinhou.

O tema justifica a insistência e a equipa está já em contactos com o Ministério da Economia Marítima e a preparar as próximas campanhas que “devem ter um caráter mais educativo, direcionado ao público que trabalha diretamente com a pesca”. “Acreditamos que os pescadores, as suas famílias e as comunidades que vivem do mar têm um papel fundamental nessa luta e precisamos de nos aproximar deles para que se tornem os nossos maiores aliados”, declarou.