“O Brasil nunca viu uma exposição deste tamanho e o mundo também não.” Quem o garante é Guilherme Wisnik, curador da mostra de 90 anos de arquitetura brasileira “Infinito Vão”, que se inaugura nesta sexta-feira às 21h30, na Casa da Arquitetura, em Matosinhos, e se estende até abril de 2019.
Foi há dois anos e meio que a instituição convidou Fernando Serapião e Guilherme Wisnik para reunirem uma coleção de arquitetura brasileira, desde a modernidade até à contemporaneidade. Desde então, 150 doadores fizeram chegar a Portugal quase três toneladas de material, das quais faziam parte 103 projetos e mais de 50 mil desenhos, fotografias, textos, filmes e maquetes. Daí resultou um arquivo inédito e que dá o bom exemplo para o Brasil seguir, adianta Serapião:
“No Brasil, temos dois tipos de acervos. Uns exclusivos de profissionais muito reconhecidos, como Vilanova Artigas, Lucio Costa, Oscar Niemeyer e Lina Bo Bardi. Nesses casos, pela importância dos trabalhos, os herdeiros criam uma espécie de instituição para tratar e cuidar deles. Por outro lado, temos duas universidades, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro, que há mais de 50 anos arquivam obras de professores importantes que já faleceram. Mas não há nenhuma coleção transversal como esta, não há paralelo.”
O “Infinito Vão” expõe apenas uma ínfima parte do acervo desta coleção, agora nas mãos da Casa da Arquitetura. Mas esta mostra “não é, nem quer ser, um best of da arquitetura brasileira”, explica Nuno Sampaio, diretor executivo da instituição. Não esquecendo os grandes marcos e os nomes mais sonantes, a mostra quer dar a conhecer a diversidade de tudo aquilo que se produziu ao longo de 90 anos no país, pela mão de autores mais e menos reconhecidos, sem nunca se descolar do contexto político, cultural e social do país em cada época – e fazendo a ponte com outras formas de arte.
Esse é, aliás, um dos trunfos na manga dos curadores para atrair gente para lá do público especializado, revelou Serapião ao Observador: “Se o público geral não conhece 20 obras da arquitetura brasileira, provavelmente vai conhecer uma ou outra música que está a tocar. Há essa tentativa de aproximação, de diálogo com as pessoas.” “A arquitetura é uma coisa em silêncio. Mas esta é uma exposição sonora”, conclui. E quem a visita confirma-o logo ao subir as escadas em direção à ampla Nave Expositiva da galeria principal, com a voz e o violão de Gilberto Gil de fundo, compositor de “Drão”, a música que inspira o título da exposição.
[A chegada do material físico da Coleção Arquitetura Brasileira a Portugal:]
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A partir daí, a travessia pela História de quase um século de arquitetura divide-se em seis capítulos, todos eles nomeados com versos de canções popularizadas na época em causa. Estas seis canções musicam seis pequenos filmes, feitos de imagens da arquitetura mais representativa do período e intercaladas com filmagens de marcos sociais, políticos e culturais. São pequenos momentos de pausa numa visita que pode durar até duas horas, entre 90 projetos em exposição assinados por mais de 130 autores.
Logo no início da jornada, vemos a paisagem arquitetónica a reinventar-se pela mão de modernistas como Lucio Costa e Oscar Niemeyer que, entre outros, idealizaram o Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro. Passamos pela projeção da nova capital, Brasília, e pelo nascimento da bossa nova, simultâneo ao apogeu da arquitetura carioca. Há fotos, livros e até tabelas de honorários de arquitetos.
Depois, o Golpe Militar de 1964, a “Tropicália” de Caetano Veloso e a ascensão do brutalismo paulista, do uso e abuso do betão armado. É aí que os holofotes se deslocam, na exposição tal como na História, de Rio de Janeiro para o centro industrial do país, São Paulo, onde se levanta a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, “o maior ícone da arquitetura paulista”, dizem os curadores. Viria depois a ditadura militar, a censura, a prisão de Artigas e Paulo Mendes da Rocha e a criação da “Casa Bola”, uma peculiar experiência espacial de Eduardo Longo.
Chegamos a meio dos anos 80 com o rock nacional, o fim da ditadura, mais tarde, com a inovadora rede de hospitais Sarah Kubitschek, de João Filgueiras Lima (Lelé). Quando, por fim, assentamos pé na contemporaneidade, encontramos uma produção arquitetónica de alto nível a contrastar com um abismo social monstruoso. E é neste último capítulo, de 2001 a 2018, que a exposição da Casa se destaca das de outras instituições, por ter “a mais importante coleção de arquitetura recente brasileira”. Isto porque “os acervos são formados apenas quando os arquitetos falecem e aqui temos acervo de autores vivos”, explica Fernando Serapião.
Neste momento, diante da problemática dos sem-abrigo e a quantidade massiva de edifícios vazios no centro das cidades, arquitetos e colectivos jovens envolvem-se e colaboram com movimentos sociais, mesmo sem apoio do Estado. Também o trabalho desta nova geração de arquitetos ativistas não foi esquecido e protagoniza o vídeo projectado no final da exposição.
Fora das paredes da casa de Matosinhos, a “Coleção Arquitetura Brasileira” será ainda divulgada ao público numa plataforma digital, para que qualquer um consiga estudá-la em qualquer parte do mundo.
Literatura, cinema e música na Casa da Arquitetura
Ao longo dos próximos sete meses, desenrola-se, na mesma instituição, o “Programa Paralelo”, que engloba um ciclo de cinema, concertos, debates e conferências. A programação do fim-de-semana inaugural, que inclui visitas-guiadas, conferências, filmes, lançamentos e concertos, é gratuita.
Adriana Calcanhotto dá um concerto no sábado, dia 29, às 21h30, e no domingo, está marcada uma conferência com o arquiteto e Pritzker brasileiro, Paulo Mendes da Rocha, pelas 18h30, que é, aliás, protagonista de uma segunda (e mais pequena) exposição na Galeria da Casa, que se inaugura na sexta-feira e lá fica até 10 de fevereiro de 2019.
Apesar de ser celebrado pelos seus grandes projetos públicos, como o Museu Brasileiro da Escultura e a reconfiguração da Praça do Patriarca, a exposição “Duas Casas” destaca a faceta menos conhecida do trabalho de Paulo Mendes da Rocha – as casas unifamiliares. Na galeria, as maquetes de duas casas desenhadas e construídas com 30 anos de intervalo sobre si – a Casa Gerassi, em São Paulo, e a Casa da Rua do Quelhas, em Lisboa – são acompanhadas por fotos e dois filmes que, para lá de ilustrarem a construção dos edifícios, incluem testemunhos dos clientes que “desmistificam a figura do arquiteto-estrela”, explica Nuno Sampaio. Após o fim-de-semana inaugural, a partir da próxima segunda, dia 1, o bilhete para visitar as duas exposições ficará por 5 euros.