“O prémio deste ano é sobre ferramentas feitas de luz”, anunciou Göran K. Hansson, secretário-geral da Real Academia Sueca das Ciências. Arthur Ashkin, Gérard Mourou e Donna Strickland foram os três investigadores distinguidos com o prémio Nobel da Física 2018 pelas invenções feitas na área da Física de Lasers. Estes trabalhos, embora distinguidos na Física, são transversais e têm aplicações práticas em muitas outras áreas de investigação, incluindo na Química, Biologia e Medicina.

Olga Botner, Goran K Hansson e Mats Larsson durante o anúncio do prémio Nobel da Física na Real Academia Sueca das Ciências — HANNA FRANZEN/AFP/Getty Images

Arthur Ashkin, investigador dos Laboratórios Bell (Estados Unidos), recebeu o prémio pelo trabalho desenvolvido com “pinças óticas e a sua aplicação aos sistemas biológicos”. Gérard Mourou, professor na Escola Politécnica de Palaiseau (França), e Donna Strickland, investigadora na Universidade de Waterloo (Canadá), receberam o Nobel pelo desenvolvimento do “método para gerar impulsos óticos ultra-curtos e de alta intensidade”.

Donna Strickland foi a primeira mulher a receber o Nobel da Física nos últimos 55 anos. Uma das únicas três que receberam o prémio desde o início da atribuição do prémio, em 1901. A investigadora canadiana era aluna de doutoramento do investigador francês Gérard Mourou na altura da descoberta. Mal podia adivinhar que cerca de 30 anos depois receberia um prémio Nobel por causa disso. “Antes de mais, pensamos que é uma loucura”, disse a investigadora sobre o momento em que recebeu a notícia.

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A seleção dos laureados nesta área é feita e anunciada pela Real Academia Sueca das Ciências, em Estocolmo (Suécia). O prémio tem um valor de nove milhões de coroas suecas (cerca de 872 mil euros) e será partilhado pelos três investigadores: metade para Arthur Ashkin e outra metade para Gerárd Mourou e Donna Strickland.

Usar a luz para pegar em bactérias

As invenções que agora foram distinguidas revolucionaram a área da Física de Lasers, como anunciou a Real Academia Sueca das Ciências. Com as ferramentas criadas por dois grupos de investigação diferentes, tornou-se possível manusear objetos extremamente pequenos, realizar ações muito minuciosas, ver pormenores do tamanho de átomos e fazer tudo isto de uma forma rápida e bastante precisa.

Se tivesse de pegar num alfinete pela sua ponta afiada teria dificuldade em fazê-lo, mesmo que usasse uma pinça muito fina. Agora imagine que pinça teria de usar para pegar em células, vírus ou átomos. Como já deve ter imaginado, nenhuma pinça clássica o poderia fazer. Até que Arthur Ashkin conseguiu usar a pressão da luz para mover objetos e os fixar num determinado local. Estavam criadas as pinças de laser.

A verdadeira conquista surgiu em 1987, quando o investigador norte-americano conseguiu usar as pinças de laser para capturar bactérias sem as danificar. Abriu-se assim a porta ao uso destas pinças nos sistemas biológicos, incluindo das células que têm membranas bem mais frágeis que a parede celular e cápsula que revestem as bactérias.

Claro que mover uma célula não é o mesmo que arrastar um asteroide como na série Star Trek, dos anos 1960, mas, no limite, é a imaginação que leva os cientistas a procurar novas soluções. Por agora, estas pinças de laser têm-se mostrado úteis para trabalhar com proteínas, ADN e outros componentes no interior das células.

[Veja no vídeo como ao fim de 55 anos uma mulher voltou a ganhar um Nobel da Física]

Um flash para fotografar momentos ultra rápidos

Gérard Mourou e Donna Strickland não foram tão longe como os asteroides, mas criaram uma solução tão inovadora que veio dar uma nova vida a esta área de investigação. Trinta anos depois o método desenvolvido por estes investigadores continua a ser o mais usado nos lasers de alta potencia em todo o mundo, disse ao Observador Gonçalo Figueira, investigador no Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, do Instituto Superior Técnico (IST, emLisboa).

A área dos lasers começou a ganhar expressão nos anos 1960, mas em pouco mais de 20 anos atingiu um ponto de estagnação, explicou o investigador que também trabalha com lasers de muito alta intensidade. Durante estes anos foi possível criar impulsos de laser muito curtos (mas de baixa energia) e outros de com energias muito altas (mas mil vezes mais longos).

Ninguém tinha conseguido juntar o melhor dos dois mundos: impulsos muito curtos com energia muito alta. Pelo menos até Gérard Mourou ter uma ideia de como podia fazê-lo. Recorrendo as técnicas usadas pelos radares e outros aparelhos, o investigador francês e a aluna de doutoramento conseguiram “pegar num impulso curto, esticá-lo no tempo, amplificá-lo e comprimi-lo”, lê-se num documento no site do Nobel.

Quanto mais curto for um impulso, mais rápido o evento que pode ser registado, explicou Gonçalo Figueira. É como usar um flash de uma máquina fotográfica para registar um momento, mas neste caso para registar os movimentos rápidos dos átomos e moléculas. Estes eventos são tão rápidos que foi criada uma nova unidade para os medir: atosegundo, um milionésimo de bilionésimo de segundo. “Estes eventos estão para um piscar de olhos, como o piscar de olhos está para a duração do universo”, disse Gonçalo Figueira.

Os impulsos ultra-curtos de alta intensidade são “os eventos mais rápidos que a humanidade alguma vez produziu”. Estes impulsos permitem, por exemplo, fazer com que os eletrões que orbitam o núcleo de uma molécula em determinados níveis de energia possam ser excitados (saltarem para níveis de energia mais altos) e o seu comportamento possa ser observado.

A aceleração de eletrões é, como lembra o investigador do IST, uma das potenciais aplicações desta técnica. Ora, acelerar partículas para conseguir colisões de alta energia é uma das estratégias que o CERN (Laboratório Europeu de Física Nuclear, na Suíça) usa para investigar as leis fundamentais da Física.

E se, em vez de ter as partículas a percorrem um acelerador de 27 quilómetros para acelerar e fazer colidir as partículas, fosse possível acelerá-las com um laser? A ideia está mais próxima do que pode parecer. Este ano, uma equipa internacional que incluía investigadores do IST conseguiu acelerar eletrões num fator de 100 — de 19 megaeletrão-volt para 2.000 megaeletrão-volt —, numa distância de 10 metros. Os resultados foram publicados na revista científica Nature.

O que é um plasma?

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O plasma é o quarto estado da matéria, além dos já conhecidos sólido, líquido e gasoso.
O plasma é como um gás de iões, ou seja, assemelha-se ao estado gasoso, mas tem partículas carregadas positivamente, os iões (átomos que perderam eletrões), e negativamente, os eletrões.

Estas energias muito altas e de curta duração podem não só cortar metais com elevada precisão, como outros lasers já faziam, mas formar um plasma numa fração de tempo. “Isto permite estudar como a natureza se comporta em estados extremos”, disse Gonçalo Figueira. Neste caso, um estado da matéria que não é possível observar naturalmente na Terra, a não ser quando uma nave reentra na atmosfera terrestre.

Plasmas Hipersónicos ou como as naves atravessam um “bunker” espacial em Lisboa

A aceleração das partículas por impulsos de laser curtos e de alta intensidade também têm um grande potencial de utilização na Medicina, nomeadamente no tratamento de tumores, permitindo uma elevada precisão e um maior taxa de repetição dos impulsos. Com energias que podem não ser tão altas, estes impulsos de laser são largamente usados na cirurgias óticas de correção.

Há 55 anos que uma mulher não recebia um Nobel da Física

Em julho de 2012, os cientistas do CERN (Organização Europeia de Física Nuclear), na Suíça, anunciavam a descoberta do bosão de Higgs. A existência tinha sido proposta por físicos teóricos, mas nunca tinha sido observada. Um ano depois, dois desses físicos teóricos foram laureados com o prémio Nobel da Física por terem definido teoricamente o mecanismo que explica a origem da massa das partículas subatómicas — a razão de ser do bosão de Higgs.

As ondas gravitacionais foram observadas pela primeira vez em setembro de 2015 (e a descoberta comunicada em fevereiro de 2016). Em dois anos, foram detetadas mais três vezes. Não restava dúvidas que o Nobel de 2017 estaria relacionado com esta descoberta e os três laureados foram três dos investigadores que deram início a este trabalho — Rainer Weiss, Barry C. Barish e Kip S. Thorne. Mas são os laureado os primeiros a dizer que a descoberta foi mérito de uma vasta equipa.

Prémio Nobel da Física para a deteção das ondas gravitacionais

Para 2018, não parecia haver nenhuma descoberta extraordinária que fosse um alvo inquestionável das apostas. Por isso, as atenções estavam focadas num outro ângulo: há mais de 50 anos que nenhuma mulher era laureada com o prémio Nobel da Física. Mas este ano quebrou-se este ciclo.

Com o objetivo de combater a desigualdade no acesso das mulheres aos prémios Nobel — há apenas 18 mulheres laureadas nas áreas científicas entre os 605 prémios já atribuídos —, a concentração em determinadas áreas geográficas (a maior parte dos laureados são europeus ou norte-americanos) e a repetição de tópicos, o Comité do Nobel recomendou que, para as nomeações de 2019, os investigadores convidados para fazerem as nomeações tivessem em consideração a diversidade nestes três indicadores, conforme noticiou a Nature News.

Desde o início da atribuição dos prémios Nobel da Física, em 1901, já foram distinguidos 206 investigadores, mas apenas duas mulheres: Marie Curie, em 1903, pelos trabalhos relacionados com a radioatividade, e Maria Goeppert-Mayer, em 1963, pelas descobertas na estrutura do núcleo dos átomos. E nenhuma delas ganhou o prémio sozinha.

Mas pior do que não ser laureada ou partilhar o prémio com outros investigadores é ver os louros da descoberta serem arrecadados por colegas do sexo masculino. Foi o que aconteceu a Lise Meitner, com o Nobel da Química de 1944, e a Jocelyn Bell Burnell, com o Nobel da Física de 1974. Jocelyn Bell Burnell acabou por ver o seu trabalho reconhecido este ano Prémio Especial Breakthrough para a Física Fundamental. Mas Lise Meitner, embora tenha recebido vários prémios de prestígio na ciência, não conseguiu recolher os frutos das 29 nomeações para o Nobel da Física e 19 nomeações para o Nobel da Química que teve até 1965.

Ditam as regras da atribuição dos prémios Nobel que os nomeados e quem os nomeia não sejam conhecidos até 50 anos depois da nomeação ter sido feita. Grande parte das nomeações continua, por isso, em segredo, mas as listas de 1901 a 1965 já são conhecidas e revelam apenas nome mulheres nomeadas nesse período. Entre 1937 e 1965, Lise Meitner foi a mulher mais vezes nomeada para o prémio Nobel da Física, mas sem sucesso. A vencedora do prémio em 1963, Maria Goeppert-Mayer, foi nomeada 26 vezes entre 1955 e 1963. Depois disso, Iréne Joliot-Curie nomeada 15 vezes para o prémio Nobel da Física sem sucesso e três vezes para o Nobel da Química que acabou por ganhar. A mais bem sucedida é sem dúvida Marie Curie, nomeada três vezes para a Física e duas vezes para a Química e acabou por levar ambos os prémios.

Duas cientistas que ficaram fora do Nobel da Física, mas que ninguém esqueceu

O número de mulheres investigadoras que puderam nomear entre 1901 e 1965 também não é maior: apenas 7. E nenhuma delas nomeou uma mulher. Podemos admitir que o número de investigadoras na altura seria menor do que hoje em dia, mas o enviesamento social que fazia com que os homens nomeassem outros homens, podia também levar as mulheres a nomearem investigadores do sexo masculino. Até se conhecerem as listas depois de 1965, vão continuar as dúvidas sobre se o enviesamento a favor dos investigadores homens se mantém.

Atualizado às 15 horas