A saída inesperada de Zinedine Zidane do Real Madrid colocou nas mãos de Florentino Pérez um problema que, na altura, só o próprio terá percebido que era tão grande ou maior como a vontade manifestada por Cristiano Ronaldo em terminar o capítulo de quase uma década na Liga espanhola. Logo nesse dia, o presidente dos merengues começou a projetar o futuro. A pensar no perfil do sucessor do tricampeão europeu. A estudar as alternativas possíveis no mercado. A tentar controlar os inevitáveis estilhaços que a partida do técnico teria no balneário. Estava ali uma bomba-relógio. O tic da pressão mediática em crescendo por cada dia que passava, o tac de um plantel com vários casos por resolver. Do nada, surgiu a hipótese Julen Lopetegui na sua órbita e o líder arriscou. Para isso, comprou guerras inesperadas; quatro meses depois, tem tudo menos paz.
O homem que se segue no Real, o impacto que se sente em Madrid: as réplicas do terramoto Zidane
O próprio contexto da chegada do antigo selecionador espanhol ao Santiago Bernabéu foi o primeiro passo em falso de um caminho que teria por si só vários obstáculos. Em menos de 24 horas, Florentino acertou tudo com o treinador e viu-se forçado a anunciar essa escolha para própria “defesa”; com isso, expôs por completo Lopetegui. Luis Rubiales, que soube de tudo cinco minutos antes de ser tornado público, dispensou de imediato o técnico em vésperas de estreia no Campeonato do Mundo frente a Portugal e atacou a atitude do Real Madrid. Na concentração da Roja, as discussões foram mais que muitas e Sergio Ramos terá quase chegado a vias de facto com o líder da Federação. Hoje percebe-se que tudo seria diferente evitando essa novela que prejudicou a própria participação da antiga campeã mundial e europeia na Rússia. Não foi. E já se fala na imprensa local de uma espécie de ultimato nos próximos três jogos dos blancos, o último em Camp Nou com o Barcelona.
Em declarações ao Journal du Dimanche, Alain Migliaccio, empresário de Zidane, assegurou que a saída do francês se deveu apenas ao facto de estar “emocionalmente esgotado” e “necessitar de um ano sabático de paragem”. No entanto, e como seria de esperar, a distância temporal dessa rescisão vai trazendo outros motivos que levaram à decisão, um deles veiculado esta semana pelo El País – a recusa de Florentino Pérez em vender Gareth Bale, conforme tinha sido definido pelo técnico. O líder do Real pensou sempre que o galês era um incompreendido e que os 100 milhões gastos no antigo jogador do Tottenham (valor que tentou “esconder” em termos públicos, para não ultrapassar os 94 milhões pagos em 2009 por Ronaldo ao Manchester United) tinham sido um bom investimento, mas Zidane entendia que o esquerdino era um atleta irregular, com problemas táticos e tendência para lesões. Ficou acordado que o valor da venda seria reinvestido mas o desempenho de Bale na final da Champions alterou esse cenário e o próprio presidente ligou depois ao internacional pedindo paciência porque iria ficar em Madrid e ser aposta forte. No fundo, a estratégia para a nova época tinha sido alterada sem que o treinador tivesse sequer sido informado.
11 jogos oficiais depois, o sucessor do francês tem o futuro em risco. E como diz o As, ainda mesmo antes da última derrota com o Alavés por 1-0, no último minuto dos descontos, Florentino Pérez deixou um recado a Lopetegui no jantar que teve com o treinador na passada quinta-feira, após o desaire na Liga dos Campeões com o CSKA Moscovo: as coisas têm de mudar a breve prazo, nas exibições e nos resultados. Este é o grande desafio a breve prazo do treinador. Grande e complicado.
Nos últimos quatro encontros, entre Campeonato e Champions, o Real Madrid teve um empate e três derrotas. Pior do que isso, não marca um golo há quase sete horas. A possibilidade de haver reforços em janeiro está em cima da mesa (desde que não obrigue a um grande investimento e seja um elemento que possa atuar nas provas europeias), mas, segundo o El Confidencial, Florentino não percebe as dificuldades ofensivas num conjunto que tem Gareth Bale, Benzema, Mariano, Asensio, Lucas Vázquez ou Vinicius (a esse propósito, o As explica alguns dos dilemas táticos, não só ofensivos mas também no setor recuado). E muito menos aceita a ideia deixada em Moscovo por Navas a propósito de… Cristiano Ronaldo. “Fez muitos golos mas é passado e não podemos viver do passado. Fez muito no Real e por isso não se pode tapar o sol com um dedo…”, comentou.
Percebe-se que o presidente dos merengues quer acabar de vez qualquer fantasma do português que persista em Madrid. Para ele, é um capítulo encerrado. E existe um inevitável desconforto sempre que a figura do capitão da Seleção Nacional vem à baila após resultados menos conseguidos ou partidas sem golos. Mas os problemas do Real estão longe de se cingirem à ausência do agora jogador da Juventus. O El Confidencial destaca que o grande apoio de Lopetegui no balneário, o capitão Sergio Ramos, continua de pedra e cal, mas há vários casos de azias mal resolvidas entre o plantel: Navas, que tem perdido cada vez mais espaço para Courtois depois de ter agarrado o lugar na equipa tricampeã europeia; Marcelo, que não gostou de ser substituído logo aos 60′ da segunda jornada sem que nada o justificasse; Casemiro, o indiscutível que tem começado alguns jogos no banco; ou Lucas Vázquez, uma das revelações do Real no ano passado que soma uma partida como titular. A todas estas questões conjunturais acresce, de acordo com a publicação, uma estrutural – os problemas de comunicação e falta de empatia do treinador com o grupo.
Por fim, e não menos importante, a questão física. Lesões à parte, que têm surgido num número acima do normal (a de Isco foi repentina e incontrolável, mas os titulares Carvajal, Marcelo, Bale e Benzema já estiveram ou têm estado de baixa), o próprio Florentino considera que existem jogadores nucleares demasiado presos e longe do rendimento habitual, casos de Luka Modric ou Toni Kroos. Por tudo isto, e depois da paragem pelos compromissos das seleções, Lopetegui tem três jogos que irão definir o futuro em Madrid: Levante e Viktoria Plzen, em casa, e Barcelona, em Camp Nou. E nem o arranque atípico dos outros candidatos ao título como os catalães ou o Atl. Madrid parecem alterar esse cenário porque, mais do que a posição do treinador, começa também a ser revisto o posicionamento do próprio Florentino Pérez depois do sucesso nas últimas temporadas.