Era inevitável olhar para a final da Supertaça Europeia como o início de uma nova era sem Cristiano Ronaldo no Real Madrid, mas Julen Lopetegui acrescentou mais um dado a este por si só desafio quando deixou Modric no banco. À partida, devido aos poucos treinos até ao momento. Em princípio, sem relação com uma possível saída para o Inter. Até ver, não como uma opção tática mas fruto das condicionantes que um jogo com esta intensidade a 15 de agosto podem arcar. No entanto, é a partir daqui que se deve analisar o encontro na cidade de Tallin, que merecia mais do que os 10 mil espetadores de lotação.

O Atl. Madrid, que voltou a não contar com Diego Simeone no banco (e foi assim que ganhou a final da Liga Europa), perdeu Gabi e Fernando Torres por uma questão de renovação (o primeiro rumou às Arábias, o segundo foi para o Japão) e a dupla Kevin Gameiro e Vrsajko por opção. Em contrapartida, e além de ter assegurado mais uma opção ofensiva com Kalinic, renovou a base com quatro jogadores jovens (ou abaixo dos 26 anos) que prometem trazer um upgrade de qualidade à equipa: Lemar, Rodrigo, Gelson Martins e Santiago Arias. Está mais forte, mais equilibrado, nem por isso melhor do que o rival, dizia-se de forma errada. Mas nem o facto de, como destacava a Marca esta quarta-feira, os colchoneros terem um plantel com maior valor de mercado do que os merengues pela primeira vez muda aquilo que se torna agora evidente: o futebol é feito de projetos, de momentos e de ciclos. Uns deram mais um passo para desenvolver, outros colocaram-no num estágio de quase zero.

E é aqui que entra a figura de Florentino Pérez, um todo poderoso no futebol e na sociedade espanhola que se perdeu numa espiral de erros nos últimos dois meses que arriscam a colocá-lo a breve prazo como o mais mundano dos mais mundanos, com o mesmo poder de todos os outros ou, no limite, com o poder a ser desafiado por outros. Pelo menos se não inverter o atual rumo.

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Ainda estava a maioria dos jornais a destacar um momento de tensão entre Courtois e adeptos do Atl. Madrid antes do início do jogo, quando o guarda-redes que passou pelo Vicente Calderón (agora Wanda Metropolitano) se deslocava para um camarote com alguns dos atuais companheiros no Santiago Bernabéu e passou muito perto desses elementos agora do clube “rival”, e já o Atl. Madrid tinha marcado no Lilleküla Stadium: passe longo para Diego Costa, controlo de cabeça a tirar fora do lance Sergio Ramos, explosão no arranque a deixar Varane para trás e remate fortíssimo de ângulo quase impossível a inaugurar o marcador… aos 50 segundos (golo mais rápido de sempre em finais da Supertaça Europeia).

Foi o pior início possível, que podia ter ficado ainda pior quando Sergio Ramos abriu em demasia o braço numa bola pelo ar com Diego Costa (mas também não se ficou a rir, como veremos mais à frente). Mas foi um início que não beliscou o futebol do Real nos poucos momentos em que conseguiu assentar o seu jogo: utilizando um modelo tático com algumas nuances semelhantes à do seu adversário, Julen Lopetegui conseguiu não só surpreender aí o sempre compacto setor defensivo do Atl. Madrid como também potenciar o melhor de cada uma das individualidades assente numa organização coletiva forte: foi assim que, aos 18′, Asensio quase marcou de calcanhar após cruzamento de Marcelo (defesa de Oblak); foi assim que, pouco depois, o mesmo Marcelo foi de novo lá à frente arriscar a meia distância de pé direito (por cima da trave); foi assim que, aos 27′, Benzema chegou ao empate, empurrando de cabeça ao segundo poste após uma cavalgada fulgurante de Gareth Bale pela direita.

O galês, que na última temporada esteve muito, muito abaixo do que tinha feito no Tottenham ou no ano em que foi um dos melhores na fase final do Campeonato da Europa de seleções, conseguia agarrar outro papel nesta equipa em termos coletivos. Tal como Benzema, mais móvel e entrando em espaços que não eram os seus. Ou Isco, o vagabundo que roubava entre linhas para ter bola e fazer o que muitos nem sonham com ela. Depois, havia Asensio, o miúdo que muitos apontam ao estrelato e que por pouco não fez o 2-1 quando arrancou forte após uma recuperação a meio-campo e atirou a rasar o poste. Os colchoneros podiam ter mais coração, mais vontade e mais entrega para ganhar segundas bolas, mas a qualidade estava do lado dos merengues. E seria assim que tudo ficaria escrito não fosse um jogo de futebol ter mais do que 45 minutos; a partir daí, chegou o eclipse.

O segundo tempo começou mais equilibrado e repartido. Com menos capacidade nas transições do Real, com maior qualidade na posse do Atlético. O perigo não andava propriamente a rondar nenhuma das balizas, mas a intensidade continuava lá mesmo com características distintas no desenrolar do encontro. A certa altura, o encaixe fazia com que fosse mais provável que as coisas se decidissem no erro advindo do desgaste e da transpiração do que propriamente por um momento de magia ou inspiração. E assim foi mesmo: cruzamento largo ao segundo poste, disputa de bola entre Benzema e Juanfran e corte com o braço do lateral, a dar uma grande penalidade desnecessária que Sergio Ramos transformou no 2-1 aos 62′.

A partir deste momento, e pela forma como as coisas se tinham desenrolado até aí, o jogo ficava ainda mais ao jeito do Real, que conseguia fazer a diferença sobretudo nas transições quando aproveitava as movimentações de Bale, Isco ou Benzema na frente (até porque, além de Kroos, já havia também Modric para esse momento de construção). No entanto, o conjunto de Lopetegui ia tendo dificuldades para disfarçar a intensidade empregue nos primeiros 60 minutos que tinha esvaziado o balão, sendo raras as vezes em que conseguiu essas saídas com qualidade. E seria mesmo o Atl. Madrid, na sequência de uma bola perdida que Juanfran foi recuperar junto à lateral antes do cruzamento letal de Correa, a empatar por intermédio de Diego Costa, que no minuto a seguir ao penálti se tinha colocado a jeito para ser expulso por um pontapé em Ramos (79′).

O encontro foi para prolongamento, onde bastaram dois golpes do conjunto de Simeone para acabar com a questão: primeiro foi Thomas Partey a aproveitar mais um erro de Varane (semelhanças entre este central e o que foi campeão do mundo só mesmo no nome), a levar a bola à linha de fundo e a assistir para o melhor golo da noite do pequeno artista Saúl Ñíguez (98′); depois foi Diego Costa versão pilhas sem limite a ganhar em força a Carvajal, a tocar para o corredor central em Vitolo e a assistir para o remate na passada Koke (104′). Pelo meio, Lopetegui lançou Borja Mayoral para tentar reentrar no jogo. Resultados? Zero. Ao contrário das alterações de Simeone – Correa, Vitolo e Partey fizeram uma assistência cada um…

O Atl. Madrid ganhou e ganhou bem. Mas foi também o Real que perdeu, mais uma vez, como tem acontecido nos últimos dois meses. Da saída sem aparente razão de Zidane à contratação da quarta/quinta escolha Julen Lopetegui, que abriu graves cisões no próprio futebol espanhol e que levou à subida de Hierro ao comando durante o Mundial; da venda de Cristiano Ronaldo à Juventus sem a contratação sonhada de Neymar para abrir um novo ciclo de galácticos; da saída de Kovacic à falta de reforços que possam lutar por um lugar na equipa; da vontade de mudar de ares de Modric ao investimento de 40 milhões numa posição que não era propriamente uma prioridade (guarda-redes, Courtois, que lutará por uma vaga na baliza com Navas), algo vai mal no reino do tricampeão europeu. De certa forma, existem até pontos de contacto com a primeira saída de Florentino Pérez, em 2006. Porque, no futebol, tudo está assente em projetos, momentos e ciclos. O líder dos merengues quis fechar um no final da última temporada, mas está a falhar e de que maneira na capacidade de construir um novo. Mais do que uma “estrela”, faltam segundas linhas para aguentar uma temporada que promete ser longa. Como as que o Atl. Madrid hoje tem.