Manda a tradição que o Portugal Fashion arranque com o Bloom, passerelle reservada a jovens criadores que, uma vez por ano distingue os que mais se destacaram na área do design de moda em Portugal. A 43ª edição, que começou esta quinta-feira, na Alfândega do Porto, não foi exceção. Em causa está a renovação de gerações, no que à moda diz respeito, mas também a necessidade (e obrigação) de dar lugar aos impulsos criativos de novos criadores. O calendário arrancou com os desfiles das escolas de design de moda — MODATEX, Escola de Moda do Porto, CENATEX, ESART (do Instituto Politécnico de Castelo Branco) e ESAD.

A tarde ficou por conta de sete criadores que, em nome individual, apresentaram as suas propostas para o verão de 2019. Alguns deles, nomes já habituais nestas andanças. A última vez que vimos Mara Flora e Maria Meira foi na Altaroma, em junho deste ano. Enquanto vencedoras da última edição do Bloom, que apenas preenche o pódio na edição de março, voaram até Roma para apresentar as coleções com que conquistaram o primeiro lugar do concurso. Agora, no arranque de mais um Portugal Fashion, estiveram de volta e com responsabilidades acrescidas. “A cada coleção que apresento, têm surgido propostas. No desfile de março surgiram propostas, quando apresentem na Altaroma surgiram também propostas, para vender e para fazer outros trabalhos”, explica a designer ao Observador.

Na nova coleção, Maria Meira partiu da mais básica das dualidades de cor, o preto e o branco. O crescendo de luminosidade marcou o desfile, que começou com coordenados negros e terminou com o branco quase total. “Muto” foi a palavra de ordem (a designer chegou mesmo a escrevê-la nas alças dos vestidos, entre outras peças), do termo em latim para “mudança”, Maria retirou uma outra lição — uma maior consenso entre o conceito da coleção e a sua usabilidade. “Queria que fosse um pouco mais usável do que a anterior, em que era raro encontrar uma peça para vestir no dia-a-dia. Mas também não queria que fosse assim tão normal”, afirma. Encontrou um ponto de diferenciação na obra de Isabel Yellin, também ela fascinada pela contraste do preto e branco. Da artista plástica norte-americana, absorveu os volumes amorfos. Retirou-os das paredes brancas de uma galeria e enrolou-os, como se fossem serpentes, em torno das manequins. Que não haja ilusões — apesar do aparato criado para o desfile, “Muto” é uma coleção de pronto-a-vestir, pronta a sair à rua.

Maria Meira © João Porfírio/Observador

Na mesma condição, Mara Flora regressou à Alfândega do Porto com outra antítese: ócio e trabalho. No desfile, (feito entre grades de metal, tal como todos os outros) os dois universos, tão distintos no que toca a silhuetas, materiais e peças, surgiram alternados. Num coordenado, um vestido de turco branco (o material mais inusitado do dia), influência direta daquele dia de puro relaxamento passado no SPA. No seguinte, um fato cinzento composto por um blazer e uma saia maxi assimétrica. Curiosamente, as peças inspiradas no trabalho brilharam muito mais do que as que a criadora optou por associar ao ócio.

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Daniela Pereira e Joana Braga também estiveram na Altaroma, em junho. Na altura, revelaram logo uma ponta do que seria o verão de 2019, embora nos desfiles desta quinta-feira tivessem dominado as atenções com as coleções mais compostas desta edição do Bloom. A primeira, juntou novos coordenados a uma ode à feminilidade do homem. Mostrou um guarda-roupa rico em materiais e técnicas (como já tínhamos constatado em Roma, foram o cupro e os plissados mexicanos que mais se destacaram) , mas também em camadas e detalhes, parte deles, influência direta da inspiração da obra de Pina Bausch. Enquanto isso, Joana Braga continua focada no verão perfeito. A criadora também enriqueceu o desfile com novos coordenados, mantendo-se fiel às cores e materiais leves. Desta vez, também mostrou moda masculina.

Rita Sá foi outro dos nomes que preencheu o calendário da tarde, que, como é fácil concluir, foi dominado por mulheres. O seu nome também não é desconhecido. Depois de ter participado nas duas últimas edições do Sangue Novo (concurso semelhante, organizado pela ModaLisboa), em outubro de 2017 e em março de 2018, resolveu trocar a passerelle da capital pelo sotaque do Norte. No limite, a designer de Barcelos fica mais perto de casa. “Achei que, neste momento, a plataforma Bloom é o que faz mais sentido para mim, é mais estável”, explica ao Observador.

Rita Sá © João Porfírio/Observador

Rita é uma exímia contadora de histórias, da mesma forma que tem a capacidade de trazer a mais quotidiana (e banal) das ocorrências para um desfile. A coleção que apresentou na abertura da 43ª edição do Portugal Fashion não foi exceção. “Gosto de me inspirar em coisas que vou absorvendo, mais do que procurar um conceito. Durante o desenvolvimento da coleção ‘Telhados de Vidro’ [a coleção anterior], fazia sempre o mesmo caminho quando ia ter com a minha costureira e passava numa paragem de autocarro, onde via sempre as mesmas pessoas. Um dia, estava a chover imenso, e passei também pelo autocarro. Vinha fora de serviço”, conta. O que podia ser só mais uma trivialidade do dia-a-dia, foi afinal o clique para uma nova coleção, não o próprio do autocarro, mas as pessoas que continuaram confinadas ao banco da paragem. “É a história de estarmos à espera de algo que achamos que vai acontecer mas que não acontece. Daquele mood de aborrecimento que muitas vezes nos leva a estimular a nossa imaginação como forma de passar o tempo, observando o que está a acontecer”, resume.

Do tédio, partiu para o exercício de testar, imaginar e simular. Pegou em tapetes e aventais e inventou-lhes um novo uso, ou uma nova aplicabilidade. Vimos saias e partes de casacos e camisas serem usadas de forma descontextualizada. E tudo isto em amarelo, do princípio ao fim. Já na estação anterior, ainda na ModaLisboa, a jovem criadora tinha apresentado uma coleção com uma única cor, o azul. A obsessão pela monocromia não é só gosto, é método. “É algo que me identifica. Adoro trabalhar a construção, a forma e a manipulação e acho que as cores me distraem disso. Se souber que tenho uma coleção, do inicio ao fim, na mesma cor, não me vou distrair de tudo aquilo que quero trabalhar”, conclui.

João Sousa © João Porfírio/Observador

Numa tarde muito pouco viajada, já que nenhuma das criadoras precisou de rumar a outras paragens para conseguir inspiração, João Sousa, a participar pela primeira vez no Bloom, foi até ao outro lado do mundo só para resgatar uma velha comunidade piscatória. Do Myanmar, chega “Filhos do Lago”, baseada nas roupas e no método de pesca dos homens que recolhem o seu sustento das águas do lago Inle. Uma referência que pode ter chegado via National Geographic, mas que permitiu ao estreante trabalhar cada detalhe da pequena coleção. As calças, em juta, surgiram num amarelo torrado, fiéis à tonalidade original das que são usadas por estes pescadores, as camisas e restantes peças em algodão foram estampadas com a ajuda de carimbos. O padrão também tem a sua origem, reproduz os campos de cultivo da região, tal como aparecem nas fotografias de satélite. O fiting ao nosso guarda-roupa foi eficaz, embora a interpretação se tenha mantido literal com recurso a redes de pesca e acessórios que remetem para os instrumentos de pesca usados pela comunidade.

Antes de João, desfilou ainda Luís Sandão, outro estreante. O designer partiu do fenómenos dos gémeos siameses, do medo de palhaços e do filme “Hedwig and The Angry Inch” para uma coleção, acima de tudo, conceptual. Em peças únicas, Luís juntou manequins aos pares. Perdeu-se na usabilidade, ganhou-se na criatividade e no engenho. Ser um bloomer é isto mesmo: ter espaço para assumir (ou construir) uma identidade própria.

O Portugal Fashion começa esta quinta-feira e, no primeiro dia, conta ainda com os desfiles de Carla Pontes, Susana Bettencourt e TM Teresa Martins. Até sábado, mais 20 marcas e criadores passam pela Alfândega do Porto.