(Artigo atualizado às 00h31 com mais esclarecimentos do Ministério das Finanças)

A Unidade Técnica de Apoio Orçamental diz que o défice que deve resultar da proposta de Orçamento do Estado para 2019 que o Governo está a pedir ao Parlamento para aprovar é superior em 590 milhões de euros ao que o Governo diz no relatório do Orçamento, o que faria com que o défice fosse de 0,5% e não de 0,2%. Segundo a UTAO, o Governo está a pedir ao Parlamento para aprovar um orçamento, mas no relatório “indicia a disposição política de executar menos 590 milhões de euros do que o orçamento ora proposto à Assembleia da República”. O Ministério das Finanças diz que “este é o procedimento habitual em todos os orçamentos do Estado” e que os 590 milhões são cativos sobre consumos intermédios. Os técnicos do Parlamento dizem que os números também não batem certo entre as contas enviadas para Bruxelas e os números enviados ao Parlamento.

No parecer preliminar sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2019 que os técnicos enviaram aos deputados ainda esta tarde, a que o Observador teve acesso, os técnicos independentes encontraram várias divergências nas contas de Mário Centeno e recalcularam o défice para um valor muito superior ao estimado pelo Governo.

A primeira delas é relativa aos números diferentes que surgem entre os mapas, aqueles que são votados e têm força de lei, e as metas do défice que se encontram no relatório do orçamento, onde estão enunciadas as medidas de política. Segundo os técnicos, nos mapas da lei estão previstos mais 590 milhões de euros em despesa que o Governo não tem em conta nas contas do défice que faz no relatório do orçamento e que lhe dão o resultado de um défice de 0,2% do PIB.

“A UTAO regista a contradição no relatório do Ministério das Finanças e considera haver uma incoerência metodológica no exercício de passagem de saldos de um padrão contabilístico para outro. Esta afirmação está justificada nos argumentos acima apresentados. A assunção de valores diferentes para o saldo global nos documentos de política do Ministério das Finanças (relatório e projeto de plano orçamental) indicia a disposição política de executar menos 590 M€ do que o orçamento ora proposto à Assembleia da República”, afirmam os técnicos.

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O próprio Ministério das Finanças, numa resposta enviada aos técnicos, diz que o saldo a ter em conta relativamente ao previsto nos mapas da lei é de 1603 milhões de euros, melhor em 590 milhões de euros do que o que está nos mapas. Aliás, o Governo regista essa diferença, mas sem qualquer explicação para o efeito, numa nota de um dos quadros que apresenta no relatório do Orçamento.

“O registo nos dois sistemas contabilísticos tem que ser coerente. Nestas condições, a UTAO entende que o saldo orçamental compatível com o saldo global constante dos Mapas da Proposta de Lei e o valor dos ajustamentos é – 975 milhões de euros, e não os – 385 milhões de euros que o relatório do Ministério das Finanças apresenta. Há, pois, uma discrepância de 590 milhões de euros, ou 0,3% do PIB, entre o valor que o Ministério das Finanças atribui ao saldo orçamental e o valor que a UTAO apura para a mesma variável com base nos Mapas da Proposta de Lei e nos ajustamentos efetuados pelo Ministério das Finanças na passagem de saldos da contabilidade pública à contabilidade nacional”, dizem os técnicos

Estes 590 milhões de euros podem resultar de poupanças que o Governo já tem previstas para os programas orçamentais, mas que não diz onde as pretende fazer. Ou seja, os orçamentos dos Ministérios no relatório podem indicar um valor que pode não ser aquele que Mário Centeno tem em mente que venha a ser gasto, até porque caso contrário o défice seria superior aos 0,2% propostos.

O Governo já deu indicações em outros orçamentos, na altura da sua apresentação ao Parlamento, que estas propostas já incluíam um valor que não seria gasto e que essas poupanças já estavam contabilizadas no défice, também sem explicar onde e como seriam feitas essas poupanças.

A UTAO encontra também um valor diferente para o valor das medidas que são apresentadas. De acordo com os técnicos, o Governo, no plano orçamental enviado a Bruxelas, diz que as medidas de política tomadas neste orçamento vão reduzir o défice em 0,39% do PIB, mas na proposta de orçamento enviada ao Parlamento – de acordo com a informação enviada pelo Governo à UTAO – estas medidas só contribuem para reduzir o défice em 0,15% do PIB, menos de metade do que está a ser dito a Bruxelas, que também colocou reservas às contas portuguesas.

Os técnicos apresentam também dúvidas sobre o valor das medidas que o Governo está a considerar como temporárias. Estas medidas têm impacto no saldo estrutural, que é o indicador que a Comissão Europeia tem mais atenção para cumprimento das regras orçamentais no caso dos países que não estão em situação de défice excessivo (superior a 3%).

Entre os efeitos temporários que o Governo quer ter em conta, e que a UTAO diz que não devem ser tidos como temporários (e logo não contarem para o saldo estrutural) está a impossibilidade de antecipar receita com o agravamento do imposto sobre o tabaco porque o orçamento do Estado para 2020 já deverá chegar fora de horas, devido ao calendário eleitoral, e ainda a compensação aos lesados do BES. A primeira, segundo os técnicos, trata-se apenas de um desfasamento fiscal, e a segunda de uma medida que agrava a despesa, mas não é um apoio extraordinário ao setor financeiro.

Como tal, incluindo todos estes fatores, os técnicos calculam que não só o saldo estrutural não seria reduzido de 0,7% em 2018 para 0,4% do PIB em 2019, que o Governo diz que irá acontecer (e que Bruxelas também colocou dúvidas), como aponta para uma manutenção nos 0,7% do PIB, o que poderia significar um chumbo do orçamento pela Comissão Europeia, caso a Comissão fizesse as mesmas contas que a UTAO.

Recorde-se que não é a primeira vez que a UTAO coloca dúvidas sobre a forma como Mário Centeno define medidas temporárias e medidas permanentes. Em 2016, a UTAO acusou mesmo o Governo de recorrer à classificação errada das medidas para reduzir artificialmente o défice. O Ministério das Finanças contestou esta classificação, inclusivamente junto da Comissão Europeia, mas no final a maior parte das medidas sobre as quais havia dúvidas foram classificadas de uma forma diferente daquela que havia sido feita pelo Governo.

UTAO acusa Governo de reduzir “artificialmente” o défice estrutural

Governo confirma números, diz que é o procedimento habitual

Questionado sobre a diferença entre os números apontada pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental, o Ministério das Finanças confirmou a existência de valores diferentes e diz que o valor de 2.193 milhões de euros de défice em contabilidade pública reflete o valor máximo de despesa que está fixado nos mapas da lei, mas que os 1603 milhões de euros (ou seja, sem os 590 milhões referidos pela UTAO) apresentados num outro mapa são “o saldo que serve de ponto de partida para a estimativa do saldo das Administrações Públicas na ótica da contabilidade nacional”.

Ou seja, o Ministério das Finanças diz que está a pedir um valor máximo ao Parlamento, mas que não é esse o valor que está a pensar gastar, pelo menos não na totalidade, e para resultar num défice de 0,2%, com tudo o resto constante, seria necessário então que o défice em contabilidade pública fosse inferior em 590 milhões de euros, tal como já está a prever que aconteça.

Esses 590 milhões de euros serão respetivos a cativos iniciais na despesa em consumos intermédios dos vários programas orçamentais e que segundo o Ministério das Finanças já estarão incluídos nas contas que são feitas no relatório. Ou seja, face ao que virá a estar na lei, parte da despesa já está congelada e não pode ser usada, sob pena de aumentar o défice além dos 0,2%. Isto se as receitas forem iguais ao que está previsto na lei e se o crescimento económico se mantiver em linha com o esperado.

“O Ministério das Finanças estima que o saldo orçamental das Administrações Públicas (AP) em 2019, e na ótica da contabilidade pública, se situe em -1.603 milhões de euros, tal como indicado no quadro III.3.2. É este o saldo que serve de ponto de partida para a estimativa do saldo orçamental das Administrações Públicas na ótica da Contabilidade Nacional [a que conta para Bruxelas]. Tal como referido na nota do referido quadro, o saldo das administrações Públicas em contabilidade pública apresentado na página 255 do relatório, no valor de -2.193 milhões de euros, reflete os limites máximos da despesa fixados nos mapas da lei para a Administração Central. Este é o procedimento habitual em todos os orçamentos de estado. O Orçamento do Estado aprova limites máximos de despesa. O Governo depois estima o saldo orçamental a partir de ajustamentos que não colocam em causa aqueles limites, mas que definem um objectivo para esse saldo”, diz o Ministério das Finanças.