Os cientistas detetaram deformações no tecido espaço-tempo resultantes da maior colisão entre dois buracos negros alguma vez observada pelos astrofísicos. O Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferómetro Laser (LIGO) revelou ter encontrado quatro novas ondas gravitacionais, ondulações na curvatura do espaço-tempo que se propagam à velocidade da luz e que testemunham a fusão entre dois corpos celestes extremamente densos, como os buracos negros.

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De acordo com o relatório, no ano passado já havia sinais de que essas ondas gravitacionais tinham agitado as antenas do LIGO, mas eles não eram tão evidentes como os que protagonizavam as ondas gravitacionais detetadas no passado. Após uma análise mais cuidadosa aos dados — e depois de a New Scientist ter noticiado falhas comprometedoras nas leituras que o observatório tinha feito no passado –, o LIGO foi capaz de chegar a certas absolutas: aquele sinal era mesmo uma onda gravitacional provocado pela colisão de dois buracos negros gigantescos.

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Um dos buracos negros tinha uma massa 34 vezes maior que a do Sol e outro tinha a massa de 50 sóis. Este último é o maior alguma vez observado e traz pistas para um fenómeno que ainda não conhecemos na totalidade. É que os cientistas acreditam que nenhuma estrela morta, por maior que seja, possa ter sido criado um buraco negro tão grande. Por isso, é possível que ele tenha nascido da fusão de outros buracos negros mais pequenos.

Agora, o novo buraco negro resultado da estrondosa colisão deve ter formado outro buraco negro com a massa de 80 sóis. Isso está de acordo com as previsões de Stephen Hawking, o astrofísico que sugeriu que, quando dois buracos negros se juntam, a área do novo buraco negro vai ser mais pequena do que a soma daqueles que lhe deram origem. Por isso, o corpo celeste na origem desta onda gravitacional deve ser um verdadeiro agregador de outros buracos negros.

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As únicas coisas que podemos saber sobre os buracos negros é a velocidade a que rodam sobre eles próprios e a massa, por isso é que John Wheeler, um dos últimos colaboradores de Albert Einstein, dizia que os buracos negros “não têm ‘cabelo'”, ou seja, não desvendam grandes pormenores sobre eles. Stephen Hawking discordava: dizia que talvez seja possível que os buracos negros emitam de vez em quando uma partícula que transporte informação sobre eles.

Enquanto a ideia de Hawking não for confirmada, os dados que temos ao nosso dispor não foram poucos para encontrar novidades neste fenómeno. Esta não é apenas a maior colisão entre dois buracos negros — regiões do espaço tão densos que nada, nem mesmo as partículas que compõem a luz, lhes consegue escapar — alguma vez observada pelos cientistas. Ao ocorrer a nove mil milhões de anos-luz da Terra, esta também se tornou na colisão entre dois buracos negros mais longínqua que alguma vez detetámos no espaço.

A tradução destes números? Mesmo que uma pessoa viajasse à velocidade da luz pelo espaço fora, a mais ou menos 300 milhões de metros por segundo, ela demoraria nove mil milhões de anos a chegar ao sítio onde a colisão aconteceu. Dava tempo para assistir a toda a evolução do planeta Terra desde o início até agora, segundo a segundo, duas vezes. Além disso, os cientistas nunca tinham visto buracos negros com a girar tão depressa e a colidir.

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As notícias do LIGO surgem menos de dois meses depois de o mesmo observatório ter anunciado a descobertas das primeiras ondas gravitacionais criadas pela colisão entre duas estrelas de neutrões. A Teoria da Relatividade Geral de Einstein tinha previsto que se um corpo com uma dada massa acelerasse muito ou se dois corpos celestes densos se aproximassem, havia deformação do tecido espaço-tempo e formavam-se ondas gravitacionais. Já tínhamos visto essas ondas gravitacionais através da colisão de buracos negros, mas não sabíamos se havia mais alguma fonte de deformações. A 16 de outubro soubemos que sim.

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Em entrevista ao Observador, Maurice van Putten, astrofísico que liderou a descoberta das ondas gravitacionais pela colisão de duas estrelas de neutrões, explicou a importância de estudar estes fenómenos: “O universo está repleto de eventos extremos como explosões de raios gama ou o colapso do núcleo de supernovas que, por breves momento, superam as galáxias onde essas coisa acontecem em termos de luminosidade. O que dá energia a essas explosões cósmicas extremas? Pode ser a radiação gravitacional por causa de fortes interações gravitacionais com estrelas de neutrões ou buracos negros escondidos da vista da radiação eletromagnética”, resume ele.

Segundo Maurice van Putten, detetar e aprender mais sobre as ondas gravitacionais “está a dar-nos uma janela radicalmente nova de observação com o poder de descobrir novas peças do quebra-cabeças que compõe o nosso universo em evolução”: “Esta busca é tão antiga quanto a humanidade, só que nos últimos tempos estamos a fazer progressos significativos através de observatórios avançados e computação científica moderna”, explica o astrofísico.

Para ele, é possível que quanto mais soubermos sobre as ondas gravitacionais, mais ideias possamos ter de “aplicações práticas” que melhorem a vida na Terra: ” Algumas descobertas astronómicas já nos abriram os olhos para aplicações práticas, mas de maneiras numa escala de tempo que não podem ser previstas no imediato. Parece-me natural que as experiências com ondas gravitacionais também possam vir a produzir aplicações tangíveis no futuro distante”.