No Verão de 2015, o Bayern arriscou. E arriscou em muitos sentidos com um só jogador: Kingsley Coman. Arriscou por contratar um jogador que, mesmo habituado a ser campeão (em França e Itália), estava ainda consolidar a carreira. Arriscou por contratar um ala fantasista com um ADN que em pouco ou nada se costuma ver no conjunto dos bávaros. Arriscou por contratar por um valor a rondar os 28 milhões um miúdo acabado de fazer 19 anos que iria conhecer a terceira realidade distinta como sénior. Arriscou e arriscou bem. Mas, no futebol, nem tudo são dados controláveis. Tudo é um risco. E se o francês superou os três grandes riscos que a sua aquisição comportavam, não conseguiu fintar o quarto. E pondera admitir essa derrota.

“Não vou fazer mais nenhuma operação, estou farto disso. Se o meu pé não foi feito para esta vida, então mais vale procurar uma outra vida e outro trabalho, anónimo. Está a ser um ano muito difícil. Caiu-me tudo quando me lesionei a primeira vez, para mim foi o fim do mundo, e só espero não voltar a passar por isso. Espero não ter de reviver tudo aquilo que passei, já chega isso. Se acontecer uma terceira vez… É sinal que não sou feito para este nível”, assumiu o ala que de 22 anos, em declarações ao canal francês TF1, perante a possibilidade de nova intervenção cirúrgica ao tornozelo.

Coman foi suplente utilizado no último encontro do Bayern frente ao Nuremberga (3-0), no sábado (CHRISTOF STACHE/AFP/Getty Images)

Filho de pais nascidos em Guadalupe, Coman nasceu e cresceu nos subúrbios de Paris, tendo começado a jogar no modesto US Sénart-Moissy com apenas seis anos, antes de rumar ao PSG, o clube do pai – que até foi o principal cérebro da ideia, fazendo chegar aos scouts do campeão francês todas as informações necessárias. “É talentoso, completo e muito inteligente. A forma como lê o jogo e a sua técnica acima da média fazem dele um jogador formidável. Já não tem nada para fazer nos Sub-17, subiu aos Sub-19 e é o melhor”, comentou na altura o selecionador Sub-17 de França, Patrick Gonfalone.

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Em fevereiro de 2013, o extremo tornou-se o mais novo de sempre a estrear-se pelo PSG; em agosto, e apesar de estar em termos oficiais na equipa B, substituiu Lavezzi na Supertaça frente ao Bordéus no Gabão, conquistando o seu segundo título depois da Ligue 1, que voltaria a ganhar em 2013/14 após mais duas participações no conjunto principal. Coman tinha tudo para afirmar-se no Parque dos Príncipes mas, em final de contrato, acabou por aceitar uma proposta da Juventus.

A adaptação não foi propriamente a mais fácil, ainda para mais numa equipa com nomes consagrados que lhe retiravam espaço para se assumir em definitivo como titular. Ganhou a Serie A com 14 jogos realizados, marcou o primeiro golo como sénior na Taça de Itália (que também venceria) frente ao Hellas Verona, entrou nos derradeiros minutos da final da Liga dos Campeões que a Vecchia Signora perdeu frente ao Barcelona. Depois, como o próprio Massimilano Allegri assumiu, pediu para sair. Não por resultados ou pela forma como era tratado mas por uma questão de adaptação. E voltou a mudar-se, agora para a Alemanha, não sem antes participar no encontro da Juve frente à Lazio na China, que lhe rendeu mais um troféu (Supertaça).

Ala francês ganhou o Campeonato e a Taça pela Juventus, tendo jogado ainda na final da Champions com o Barça (Matthias Hangst/Getty Images)

O negócio foi feito de forma faseada, com um empréstimo por duas temporadas por sete milhões de euros mais uma opção de compra de 21 milhões até abril – que foi mesmo confirmada. Tudo com a bênção de Pep Guardiola, técnico espanhol que viu no ala o futuro da equipa e que lhe foi concedendo oportunidades como tal, num total de 35 encontros oficiais e seis golos que deram mais um Campeonato e uma Taça da Alemanha. Perdeu o prémio do Golden Boy para Martial, avançado que se transferira para o Manchester United, mas foi chamado por Deschamps ao Europeu de 2016 que a França perderia com Portugal.

Aos 20 anos acabados de fazer, Coman já somava oito títulos oficiais, entre os quais quatro Campeonatos em três países do top 5 das ligas europeias. Todavia, houve um adversário que nunca conseguiu superar assim que apanhou da forma mais violenta pela frente: as lesões. Como o próprio assumiria em entrevista à France Football, Guardiola tirou um rendimento que Carlo Ancelotti, pelo posicionamento em campo que preferia que ocupasse, já não conseguiu, mas foram as constantes paragens que levaram à quebra no número de jogos e de golos. Com Jupp Heynckes no lugar do italiano, e já depois de ter pensado em não ficar a título definitivo em Munique, voltou a subir, renovou contrato, fez a melhor época mas falhou o Mundial de novo por lesão. Ganhou mais dois Campeonatos e três Supertaças pelos bávaros, não conseguindo fugir às complicações físicas. “Tem um grande futuro e pode ter um papel como jogador chave”, destacou o experiente técnico.

Coman “cresceu” com Guardiola e Heynckes no Bayern mas tem sido condicionado pelas graves lesões (CHRISTOF STACHE/AFP/Getty Images)

Depois de ter sido titular (e marcado) na Supertaça diante do Eintracht Frankfurt, fez ainda mais dois jogos (um da Bundesliga, outro da Taça) e voltou a ser operado ao mesmo problema que lhe roubara a primeira participação num Campeonato do Mundo. O regresso frente ao Werder Bremen, três meses depois, foi muito saudado mas afinal não há razões para festa, não se sabendo ainda a necessidade ou não de voltar a ser operado por causa da lesão do costume. Sendo um risco, Coman já assumiu a sua opção e aquele fantasista que deu nas vistas pela forma como enfrentava adversários encontrou um capaz de travá-lo. Logo ele que, como o pai assumiu em entrevista, ganhou nome por uma história de sobrevivência – “Um dia estava a ler o jornal e vi um artigo sobre embarcações clandestinas que tentavam vir para a Europa mas queriam atirar alguns para a água. Um desses sobreviventes chamava-se Kingsley e essa história tocou-me. Falei com a minha mulher e ela gostou”.