Longe um acordo entre a Casa Branca e o Partido Democrata sobre a verba disponibilizada para a construção do muro entre os EUA e o México, os Estados Unidos podem mesmo entrar numa longa paralisação em plena quadra natalícia — com centenas de funcionários públicos a serem obrigados a ficar em casa sem receber ordenado. O relógio acelera, as negociações também, mas o prazo é apertado e a probabilidade pequena: se não houver acordo até à meia-noite desta sexta-feira (5h em Portugal continental), 25% dos serviços federais norte-americanos, cujo orçamento ainda está pendente, ficarão paralisados.
Em causa está o facto de a Câmara dos Representantes, que ainda tem maioria republicana (em janeiro muda para maioria democrata na sequência das eleições intercalares deste ano), ter aprovado esta quinta-feira uma proposta de última hora sobre o financiamento para a construção do muro na fronteira dos EUA com o México. Os republicanos aprovaram um pacote de quase 6 mil milhões de dólares para essa construção — que é a mais emblemática bandeira eleitoral de Trump –, cientes da dificuldade de vir a receber luz verde do Senado. Se aquele pacote de financiamento, que diz respeito aos orçamentos que mantêm em funcionamento 25% dos departamentos do Estado, não for aprovado dentro do prazo, a consequência é a paralisação dos serviços.
Isso traduz-se, segundo o The Guardian, num cenário onde cerca de 800 mil funcionários federais são obrigados a folgar ou a ficar em casa sem rendimento. Incluem-se aqui funcionários da NASA, funcionários de museus, parques nacionais, monumentos e atrações nacionais, que teriam de encerrar ao público, bem como serviços como inspeções alimentares ou emissão de passaportes, que deixariam de funcionar em pleno. A paralisação, se não houver acordo até ao final do dia de sexta-feira, dirá assim respeito a apenas uma parcela dos serviços do Estado, já que o Congresso norte-americano tem vindo a aprovar o Orçamento do Estado às parcelas ao longo dos últimos meses.
Ou verba para o muro ou shutdown
O problema é que, desta vez, o que motiva o “shutdown” é uma das mais emblemáticas bandeiras eleitorais de Donald Trump e, por isso, a Casa Branca não vai ceder. Trump deixou isso bem claro, de resto, ao mudar o jogo quando o consenso parecia estar prestes a acontecer. Quando democratas e republicanos davam sinais de estar a chegar a bom porto em torno de um projeto de lei que permitia manter o Governo provisoriamente financiado, com fundos destinados a garantir a segurança na fronteira, mas sem reservar dinheiro específico para o muro, os setores mais conservadores do partido Republicano pressionaram o líder: não podia ceder naquela que era a sua bandeira. Ou o Congresso aprovava a verba para o muro, ou nada.
Outra das hipóteses que se equacionou foi a possibilidade de os EUA usarem o dinheiro remanescente do acordo comercial com o México, mas nem isso chegou: o Congresso tinha de aprovar a verba. O volte face aconteceu esta quinta-feira quando Donald Trump assegurou que não assinaria a lei orçamental sem o financiamento para o muro: era o tudo ou nada. “O Presidente tem sido claro desde o início: ele quer algo que dê segurança às fronteiras e não vai assinar nada que não garanta isso”, disse a porta-voz da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, antes da votação.
The Democrats now own the shutdown!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) December 21, 2018
Ou seja, Trump passava a bola totalmente para os democratas: “Agora, o shutdown está nas mãos dos democratas”, escreveu esta sexta-feira no Twitter. Antes, já Trump tinha dito que teria “todo o orgulho” em paralisar o Governo, se não conseguisse as verbas para a construção do muro, algo que considera essencial para assegurar a proteção da fronteira com o México, contra imigrantes ilegais e tráfico de droga.
O prazo limite para o acordo é a meia-noite desta sexta-feira (cinco da manhã em Lisboa), mas parece pouco provável que vá acontecer. Trump já cancelou a sua viagem para a Florida, onde passa o Natal, para resolver o impasse governamental. No Twitter, pôs uma fotografia onde aparece ao lado de uma pilha de leis para promulgar e com uma mensagem a pressionar os democratas: “Cancelei a minha viagem no Air Force One para a Florida enquanto espero para ver se os democratas nos ajudam a proteger a fronteira sul dos EUA”.
Noutro tweet, tinha posto uma imagem do aspeto que terá o muro que quer construir: “Não só é totalmente eficaz como é bonito”, escreveu.
Some of the many Bills that I am signing in the Oval Office right now. Cancelled my trip on Air Force One to Florida while we wait to see if the Democrats will help us to protect America’s Southern Border! pic.twitter.com/ws6LYhKcKl
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) December 21, 2018
A design of our Steel Slat Barrier which is totally effective while at the same time beautiful! pic.twitter.com/sGltXh0cu9
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) December 21, 2018
A gestão desta crise, que pode culminar na paralisação de parte dos serviços federais norte-americanos, acontece numa altura em que a Câmara dos Representantes está prestes a mudar de configuração: a partir de janeiro a maioria daquela câmara passa para os democratas, que a recuperaram nas eleições de novembro, enquanto os republicanos reforçaram a maioria no senado.