Os números mostram bem as discrepâncias. No dia 24 de julho de 2017, quando 743 bombeiros se encontravam no terreno a combater fogos foi pedido o pagamento de 2755 pequenos-almoços. A história repete-se a 23 de junho de 2017. Nesse dia, foram apresentadas 1184 faturas de jantares, mais 675 do que o número de operacionais no combate às chamas. Estes números surgiram durante uma investigação da IGAI — Inspeção Geral da Administração Interna e apontam para uma fraude generalizada com refeições de bombeiros. Segundo a notícia avançada pelo Público e pelo Jornal de Notícias, a IGAI considera haver “contornos criminais” com “prejuízo para o Estado português” e pede a intervenção do Ministério Público.
Há muitos anos, escreve o Público, que a questão das eventuais fraudes com as refeições cobradas pelos bombeiros é falada na Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), organismo a quem são apresentados os pedidos de ressarcimento de refeições, mas até à data nenhuma situação concreta tinha sido detetada.
Agora, a IGAI verificou “diversas discrepâncias” entre o número de refeições apresentadas para pagamento à ANPC pelos bombeiros e o número de operacionais no terreno durante a investigação aos incêndios de Mação, entre os dias 23 e 27 de Julho de 2017. Para aquela inspeção-geral “o caso deve ser investigado criminalmente pelo Ministério Público” e a ANPC “deve proceder a investigação também para apuramento de eventuais prejuízos e responsabilidades disciplinares”.
Há suspeitas de comportamento padrão
A IGAI admite mesmo que este comportamento pode ocorrer em todas as situações de incêndios florestais. “A falta de conferência e verificação dos pedidos de ressarcimento de refeições dirigidos à ANPC pelas corporações de bombeiros, com os dados na posse daquela entidade, aponta para um comportamento padronizado em todas as ocorrências de incêndios florestais, que cumpre ser devidamente analisado em sede de processo de auditoria e/ou inquérito”, diz o relatório da investigação, citado pelo jornal Público.
Confrontado pela IGAI, o então diretor de Serviços de Recursos Humanos e Financeiros da ANPC “veio dizer que os dados respeitantes aos montantes a pagar aos corpos de bombeiros são apurados pelos respetivos Codis (Comandante Distrital de Operações de Socorro), no caso em apreço de Santarém, Castelo Branco e Porto, mediante o preenchimento pelos corpos de bombeiros de impresso próprio, com base nos Relatórios de Ocorrência”.
E conclui que só o Codis pode conferir os dados. “É totalmente impossível proceder à conferência desses dados por qualquer outro elemento que não esteja afeto aos distritos onde houve a ocorrência, quer no que respeita à validação do número de operacionais quer ainda no respeitante ao número e tipo de refeições fornecidas.”
Por tudo isto, a IGAI afirma: “Esta conclusão merece seguramente uma análise detalhada, mas que escapa necessariamente ao objeto do presente inquérito. Assinale-se apenas que as referidas discrepâncias assumem particular relevo, com o eventual prejuízo para o Estado Português.”