Marcel Keizer tem-se esforçado para garantir que o Sporting não depende de Bruno Fernandes – ainda que o médio seja o jogador em melhor momento de forma nos leões, tenha já 20 golos esta temporada e seja o principal responsável pelo adiar de uma crise iminente que o Sporting está a sentir a chegar desde que conquistou a Taça da Liga. Na antevisão da receção ao Villarreal, e depois de uma semana em que Bruno Fernandes marcou duas vezes ao Benfica e ainda bisou frente ao Feirense, o treinador leonino explicou que “entende a pergunta” mas recusou a premissa. “O Sporting não é Bruno Fernandes e mais 10. Mesmo os jogadores mais talentosos não fazem tudo sozinhos”, disse Keizer.

https://observador.pt/2019/02/14/sporting-villarreal-keizer-faz-sete-alteracoes-no-onze-e-da-a-titularidade-a-miguel-luis-e-jovane/

Ainda assim, na hora de escolher o onze inicial que iria jogar os 16 avos de final da Liga Europa, o técnico holandês deixou transparecer exatamente a ideia contrária. Depois de na mesma conferência de imprensa ter deixado claro que a prioridade do Sporting não é a competição europeia e que não é “obrigatório” os leões conseguirem o apuramento para os oitavos de final, Keizer fez aquilo que aparentou ser uma poupança e uma gestão de esforço e mudou mais de meia equipa. Bruno Fernandes, porém, o mais utilizado da equipa e o jogador com mais minutos nas pernas, manteve-se no onze. Face ao último jogo, a vitória fora frente ao Feirense, saíram Renan, Ristovski, Tiago Ilori, Borja, Gudelj, Wendel e Diaby; entraram Salin, Bruno Gaspar, André Pinto, Petrovic, Miguel Luís, Jovane e Raphinha. Contas feitas, somente Bruno Fernandes, Bas Dost, Coates e Acuña (ainda que este último tenha passado de extremo para lateral) resistiram à razia.

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Ficha de jogo

Sporting-Villarreal, 0-1

Primeira mão dos 16 avos de final da Liga Europa

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Clément Turpin (França)

Sporting: Salin, Bruno Gaspar (Ristovski, 27′), Coates, André Pinto, Acuña, Miguel Luís, Petrovic (Wendel, 70′), Raphinha, Bruno Fernandes, Jovane (Luiz Phellype, 70′), Bas Dost

Suplentes não utilizados: Renan Ribeiro, Tiago Ilori, Diaby, Gudelj

Treinador: Marcel Keizer

Villarreal: Andrés Fernández, Mário Gaspar, Álvaro, Funes Mori, Víctor Ruiz, Pablo Fornals (Iborra, 80′), Carlos Bacca, Manu Trigueros (Cáseres, 62′), Alfonso Pedraza, Javi Fuego, Samu Chukwueze (Raba, 74′)

Suplentes não utilizados: Asenjo, Ekambi, Santi Cazorla, Quintillà

Treinador: Javier Calleja

Golos: Alfonso Pedraza (3′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Acuña (6′ e segundo amarelo e vermelho aos 77′), a Miguel Luís (15′), Raphinha (45+2′), Bruno Fernandes (90+3′), Luiz Phellype (90+4′)

Do outro lado, aparentemente, estava um Villarreal à procura de motivos para sorrir. Os espanhóis estão na penúltima posição da Liga espanhola, com mais dois pontos do que o último, e não venciam há dez jogos consecutivos. Javier Calleja, despedido em dezembro devido aos maus resultados, regressou ao “Submarino Amarelo” apenas 50 dias depois e voltou a tentar recuperar uma equipa onde nada parece correr bem esta temporada. As competições europeias, onde o Villarreal ainda não perdeu, parecem ser o balão de oxigénio de uma segunda metade de época que será feita, inevitavelmente, a lutar pela manutenção no principal escalão do futebol espanhol. Mas para esse balão de oxigénio continuar a crescer, era preciso ser melhor do que o Sporting na eliminatória a duas mãos – algo que o Villarreal cedo mostrou que queria.

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Logo aos três minutos, numa altura em que ainda nenhuma das equipas tinha esboçado qualquer intenção mais ofensiva, Chukwueze rodou sobre Acuña na direita do ataque espanhol, venceu o argentino na velocidade e cruzou atrasado para uma grande área recheada de defesas às aranhas; a bola bateu em André Pinto, bateu em Coates e ficou redonda à espera de Alfonso Pedraza, que embalado a partir de trás rematou certeiro para a baliza de Salin. Três minutos de jogo e o Villarreal já ganhava em Alvalade, com um golo do extremo espanhol de 22 anos que marcou pela segunda vez esta temporada. O Sporting de Keizer entrava nas rondas a eliminar da Liga Europa praticamente a perder e era necessária uma reação.

É nestas alturas – em que é preciso reagir, recuperar, pressionar, criar – que o Sporting tem delegado em Bruno Fernandes a função de tudo fazer. O médio é normalmente o responsável por reagir, recuperar, pressionar e criar e, ainda que nem sempre esse esforço culmine em vitórias, tem pelo menos resultado no menor dos males. Mas esta quinta-feira, em que até foi dia de S. Valentim, Bruno esteve pouco apaixonado pela bola e ela também demonstrou pouco amor por ele: o médio português rematou e tentou assistir mas esteve longe dos habituais níveis exibicionais durante a primeira parte. Como não podia deixar de ser, ainda que Marcel Keizer não o admita, o Sporting ressentiu-se e esteve desligado da partida até faltarem dez minutos para o intervalo. Do outro lado, contudo, o Villarreal baixou linhas e juntou blocos logo depois do golo de Pedraza e ficou à espera da equipa portuguesa. Tirando arrancadas de Fornels e contra-ataques, os espanhóis nada mais fizeram até ao final do primeiro tempo e foram para o intervalo com apenas 39% de posse de bola e um remate enquadrado (o do golo).

O Sporting, que ainda antes da meia-hora foi obrigado a realizar uma substituição devido a uma lesão muscular de Bruno Gaspar (entrou Ristovski), tinha mais bola mas não conseguia transformar esse controlo em ocasiões de golo. Faltava ligação entre o meio-campo e o ataque, faltava critério no passe e faltava tentativa e objetivo – tudo isto apesar de Miguel Luís e Bruno Fernandes, que mesmo alguns pontos abaixo do normal continuava muitos pontos acima de todos os outros. O jovem médio português, que não jogava desde o dia 3 de janeiro, foi o elemento mais coerente e constante do primeiro tempo e venceu os cinco duelos aéreos que disputou: em comparação, Wendel, o habitual titular no meio-campo leonino desde que Keizer substituiu José Peseiro, ganhou apenas um durante toda a temporada. Os leões aceleraram nos últimos dez minutos da primeira parte e aproximaram-se da baliza de Fernández por intermédio de um cabeceamento de Petrovic e um remate de Jovane. Contudo, foram para o intervalo a perder em casa e com apenas um remate enquadrado feito à baliza adversária.

Na segunda parte, ao contrário daquilo que seria de esperar, o Villarreal voltou com mais vontade de fazer o segundo golo do que o Sporting de fazer o empate. Bruno Fernandes continuava apagado, Ristovski e Acuña não tinham influência suficiente nos corredores laterais, Raphinha cometia vários erros e Bas Dost permanecia perdido, como, aliás, tem estado nas últimas partidas. Jovane e Miguel Luís, os dois miúdos, eram os mais inconformados com o resultado negativo e, enquanto um segurava o meio-campo com muita certeza e acerto, o outro procurava fugir da ala para terrenos interiores e tentar remates de longe. Até aos 69 minutos, a melhor ocasião de golo do Sporting na segunda parte era uma arrancada do central Sebastián Coates pela direita do ataque, que terminou com um remate cruzado e rasteiro que Fernández aliviou para pontapé de canto.

Mas essa altura também serviu como aquilo que parecia ser uma espécie de ponto de viragem no jogo. O Sporting percebeu que tinha normalmente vantagem no duelo individual e que podia provocar o confronto direto e forçar entradas na grande área: aos 69 minutos, Raphinha teve a melhor ação desde o início do encontro e descobriu espaço na esquerda do ataque, cruzando para Bas Dost já no interior da área. O avançado holandês rematou de primeira para uma grande defesa de Fernández e Marcel Keizer reagiu com as entradas de Luiz Phellype e Wendel para as saídas de Petrovic e Jovane (que, quando saiu, liderava em remates, cruzamentos, dribles e passes). Os leões continuaram por cima, remeteram o Villarreal ao seu meio-campo defensivo, Raphinha ainda acertou no poste no seguimento de um canto mas Marcos Acuña foi o responsável por um segundo ponto de viragem.

Aos 77 minutos, com o Sporting com o controlo do jogo e mais perto do empate do que o Villarreal do segundo golo, Acuña fez uma falta imprudente e viu o segundo cartão amarelo – depois de ter visto o primeiro logo aos seis minutos, por protestos. O lateral argentino foi expulso e deixou a equipa de Alvalade reduzida a dez unidades e com necessidade de defender os últimos quinze minutos com André Pinto sozinho no meio e Wendel recuado para a esquerda, já que Coates passou o derradeiro quarto de hora na frente de ataque. Os esforços do central uruguaio, que se juntou a Dost, Luiz Phellype, Raphinha e Bruno Fernandes nas últimas tentativas desesperadas de chegar ao golo do empate, não foram suficientes para evitar a derrota caseira frente ao penúltimo classificado da Liga espanhola.

O Villarreal não vencia há dez jogos mas veio a Lisboa ganhar ao Sporting e marcar um importante golo fora que poderá ser decisivo para resolver a eliminatória. Os leões precisam de ganhar em Espanha, na segunda mão, para carimbar o apuramento para os oitavos de final da Liga Europa. Marcel Keizer continua sem querer admitir que o Sporting é “Bruno Fernandes e mais 10”. Mas a verdade é que, no dia em que o número 8 esteve menos inspirado, menos decidido, menos fraturante, o Sporting perdeu e nunca esteve realmente interessado em evitar esse resultado, saindo do relvado sob uma chuva de assobios e lenços brancos. O Submarino Amarelo, mesmo a afundar, foi mais forte do que o barco leonino que esta quarta-feira não teve marinheiro.