Jorge Jesus tem “saudades” de treinar. O português, antigo treinador de Benfica e Sporting, deixou o Al-Hilal no final de janeiro e já está em pulgas para regressar ao ativo. A grande preferência é Portugal e Jorge Jesus não descarta até treinar outro clube além dos “três grandes”. Foi o próprio treinador que o disse, à margem de um encontro de treinadores de futebol no Algarve.
Admito um regresso a Portugal. Posso querer regressar a Portugal porque quero voltar ao meu país devido à componente familiar, descurando a componente económica. Por dinheiro tinha ficado na Arábia Saudita e se calhar era o treinador mais bem pago do mundo. Três grandes? A minha paixão pelo futebol é mais importante do que qualquer outra coisa”, apontou Jorge Jesus, citado pelo Diário de Notícias.
O treinador piscou ainda o olho ao Sporting de Braga — que já treinou –, elogiando o crescimento recente do clube bracarense em resultados e infra-estruturas. Jorge Jesus admitiu que hoje as suas opções “são diferentes” face ao período em que treinava o Benfica, porque agora está “livre”, isto é, sem clube. “Vou aguardar até que apareça um clube com o qual me identifique. Quando treinava o Benfica tive várias equipas que me convidaram e pensei que não ia dar um grande salto. Neste momento estou livre, por isso as minhas opções são diferentes”.
A língua para mim já não é problema. Estive num país árabe e entendi-os, [a escolha] terá que ver com o projeto. Espero voltar a trabalhar em maio ou em junho”, referiu ainda.
Félix “mais fácil de anular” do que Bruno Fernandes
Um dos temas com os quais Jorge Jesus seria inevitavelmente confrontado era o derby desta quarta-feira, que opõe Benfica a Sporting no Estádio José Alvalade. O treinador português já orientou as duas equipas e conhece bem alguns dos jogadores que vão atuar. Bruno Fernandes é um deles, até porque chegou a Alvalade com o selo de aprovação do treinador português, que deu aval à contratação.
Para Jorge Jesus, quer Bruno Fernandes quer João Félix são “grandes jogadores”. “São diferentes, mas neste momento o Bruno tem sido mais importante para o Sporting. O Sporting não está tão forte coletivamente e isso faz notar a sua importância”, apontou.
O João Félix é diferente: joga mais perto do golo, tem movimentações diferentes e é mais fácil de marcar e anular. Mas o João Félix é um jovem que vai ter um futuro muito risonho pela frente. Vai ser um dos grandes craques do futebol português dos próximos anos, mas não nos podemos esquecer que só tem 19 anos”, acrescentou o técnico.
“Estamos mais à frente, é por isso que os outros nos copiam”
Há muito que Jorge Jesus tem por hábito enaltecer as qualidades dos treinadores de futebol portugueses, de diferentes gerações. O técnico chegou a compará-los no passado — pela audácia e capacidade de vingar no mundo — aos navegadores portugueses da época dos Descobrimentos. Desta vez, no fórum de treinadores no Algarve, Jorge Jesus insistiu na ideia: “A diferença dos portugueses para os outros começa aqui, no partilhar de ideias. Estamos mais à frente e é por isso, pela dedicação ao treino, que os outros nos copiam. A identidade dos treinadores é importante, quer a coletiva, quer a individual, que vamos moldando e adaptando”, afirmou, citado pelo jornal A Bola.
O mais importante num treinador de futebol é ter “criatividade e ideias próprias”, entende o antigo treinador de Benfica e Sporting. Revendo o seu percurso, Jesus admitiu que foi evoluindo “com erros e virtudes”:
Não sou o mesmo treinador hoje que era quando comecei no Amora, fui evoluindo com os meus erros e virtudes. Fui sempre criando os meus treinos em função das minhas ideias. Hoje é mais fácil ser treinador do que era quando eu comecei, porque há mais ferramentas proporcionadas pelas tecnologias e pela extensão das equipas técnicas», disse ainda.
Os jogadores que adormeceram e os parabéns a Rui Vitória
O treinador aproveitou esta ida ao Algarve para voltar a contar uma história envolvendo futebolistas que orientou na Arábia Saudita e os efeitos das “rezas diárias dos muçulmanos” no seu rendimento em campo.
O “mestre da tática”, como chegou a ser chamado, estava habituado “a trabalhar de manhã”, orientando treinos ao início do dia. Porém, houve um dia em que sugeriu “trabalho de descontração no ginásio”. Os níveis de descontração chegaram a um ponto a que Jesus não esperava, contudo:
No último exercício que fizemos, de relaxamento, cinco jogadores não se mexeram. Adormeceram. Comecei a perceber que não podia treinar de manhã por causa das horas de sono deles, têm hábitos diferentes. O jogador saudita não gosta de trabalhar, nem gosta de compromisso. Tive de me adaptar a isso”, referiu.
Houve outro treinador de futebol a quem Jorge Jesus não deixou uma mensagem por entregar: Rui Vitória, antigo rival dos tempos de Jorge Jesus no Sporting, que tal como o anterior técnico dos leões seguiu do campeonato português para a Arábia Saudita. “Quando o Rui Vitória chegou, o Al Nassr estava a três pontos [da equipa de Jesus, Al-Hilal]. Depois, joguei fora e ganhei 5-1 e ele perdeu com a equipa do Pedro Emanuel e ficou a seis, mas entretanto saí nessa semana e ele fez uma recuperação espetacular”.
Para Jesus, Rui Vitória tem neste momento “80 por cento de hipóteses de ser campeão” na Arábia Saudita e merece felicitações: “Está de parabéns. para o futebol português e para os treinadores portugueses acho que é muito bom”.
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Show de táctica e os primeiros anos “a jogar com três centrais”
No Fórum de Treinadores em Portimão, em que Jesus esteve presente para falar no painel “Treino em Contextos Diversos”, o técnico aproveitou para rever a sua carreira e falar de sistemas táticos.
Antigamente não apenas aficionado mas também promotor de um sistema de jogo com “três centrais”, Jesus recordou que utilizou “o 3x4x3 e o 3x5x2” durante “os primeiros dez anos” que treinou. “Hoje, mudei para outro sistema. Para mim, a evolução do futebol vai partir para isso: para que os treinadores e os jogadores, no próprio jogador, mude de sistema. É como no andebol, o desporto onde há mais alterações no sistema tático ao longo do jogo”. Apesar de ter hoje como sistema tático preferencial o 4x4x2, Jorge Jesus chegou a utilizar uma tática com três defesas e dois alas ainda no Sporting, em alguns jogos. Fê-lo também na Arábia Saudita, como agora recordou:
Jogar com três jogadores a partir de trás é mais difícil, de ensinar e de jogar. A maior parte dos jogadores não começa a jogar com três mas sim com um quarteto defensivo. São formados com uma ideia de jogo diferente. É um sistema que me apaixona. Na Arábia joguei assim algumas vezes. E quando voltar ao trabalho, vou tentar novamente que a minha equipa conheça mais um sistema. Isto é um trabalho diário, tem de haver uma evolução da ideia de jogo, tanto a defender como a atacar”.
Jorge Jesus destacou ainda alguns exemplos de equipas internacionais que tiveram ou estão a ter sucesso com um sistema de três defesas, como o Wolverhampton de Nuno Espírito Santo — que “está a fazer um grande trabalho — e o antigo Chelsea de Conti, que “foi campeão assim”.
O técnico que já passou por três dos atuais primeiros quatro classificados do futebol português aproveitou ainda para falar de futebol e de princípios basilares de jogo, independentes do sistema tático em que se atue: “Olhamos para o jogo e a primeira fase de construção é importantíssima para criares desequilíbrios. O desporto e o futebol são isto: ganhares vantagens numéricas para que a posse de bola tenha mais vantagem para criar espaço para o golo. Damas jogava com os pés como muitos jogadores de campo não o faziam. Se Damas jogasse hoje, era o melhor. Preocupo-me muito com a fase de construção. Procura criar a superioridade de 3 jogadores, uma vez com o médio, outra com o guarda-redes, situações de risco. Mas não é uma ideia 100 por cento eficaz de olhar para o jogo”, vincou, citado pelo Record.