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Ministério Público investiga abuso sexual em creche da Igreja no concelho de Almada

Este artigo tem mais de 5 anos

Queixa foi feita em janeiro e, dois meses depois, as autoridades ainda não ouviram os pais nem a vítima de 5 anos. Bispo informou entretanto o MP que na paróquia há uma suspeita contra o padre.

O crime terá acontecido na creche de um centro paroquial do concelho de Almada
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O crime terá acontecido na creche de um centro paroquial do concelho de Almada

LUSA

O crime terá acontecido na creche de um centro paroquial do concelho de Almada

LUSA

O Ministério Público tem em mãos, desde finais de janeiro, uma investigação sobre um alegado crime de abuso sexual ocorrido numa creche da Igreja Católica no concelho de Almada. O caso foi comunicado à PSP pela mãe da vítima — uma criança de cinco anos — que, até agora, não foi chamada a prestar qualquer esclarecimento às autoridades. Mas uma informação entregue recentemente ao Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Almada pelo bispo de Setúbal poderá acelerar o caso. Segundo essa informação, prestada pela diocese ao DIAP, a mãe da vítima acusa o padre responsável pelo centro paroquial que gere a creche onde terá ocorrido o crime.

Os pais da vítima decidiram ir ao hospital Garcia de Orta a 17 de janeiro, depois de perceberem que uma lesão que a criança apresentava não era normal. A médica acabou por ouvir a criança longe dos pais e por lhe fazer um exame clínico. Naquela altura, a lesão estava quase cicatrizada. Ao Observador, fonte oficial do hospital Garcia de Orta disse que não se pronuncia “sobre nenhum caso concreto” sem um “pedido formal dos pais nesse sentido”, mas assegurou “que o registo clínico foi atento e minucioso e que a orientação comunicada aos pais seguiu as propostas do Instituto de Medicina Legal de Lisboa, consultado no contexto deste episódio”. A família, no entanto, alega que não recebeu qualquer orientação concreta sobre o que deveria fazer.

Desorientada, no dia seguinte aos exames médicos, a mãe foi à creche falar com a coordenadora, que lhe pediu para ter calma. Ao final desse dia, porém, a família acabou por ser incentivada por amigos a ir à PSP apresentar queixa por abuso sexual. E uma semana depois, com a ajuda da Comissão de Proteção de Menores, mudaram a criança de escola.

Por esta altura, a única suspeita que tinham era de um abuso sexual ocorrido na creche. O suspeito podia ser qualquer funcionário ou familiar das crianças que ali estão:

“Falei com a coordenadora e com a professora. A professora começou a chorar, porque sabe que o meu filho é uma criança que não mente. Mas disseram-me para não fazer nada. Acabei por tirar o meu filho da creche e, até hoje, ninguém me disse nada”, assegura a mãe ao Observador.

Abuso terá acontecido na casa de banho. “Foi o homem mau”

Nos dias que se seguiram à queixa, Ana, a mãe da criança, ficou confusa com o que devia fazer. A sentir-se consumida pela espera e pela falta de um contacto por parte das autoridades, começou a tentar perceber quem poderia ter sido o homem que, segundo o relato da criança, o tinha abordado na casa de banho da creche, magoando-o. Por um lado, sabia que não podia sugestionar a criança, fazendo-lhe perguntas; por outro, estava demasiado ansiosa em procurar o responsável.

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Um dia, conseguiu que o filho lhe dissesse que o abusador tinha óculos e juntou essa informação à de uma amiga, que lhe tinha dito que o responsável pelo centro paroquial — o padre — usava óculos. A pensar que podia chegar à verdade, aproveitou um momento de calma da criança e começou a mostrar-lhe fotografias de vários homens com óculos, entre eles o sacerdote. Até que, quando chegou a ele, a criança reagiu: “É o homem mau”.

A PSP passou o caso à Polícia Judiciária de Setúbal cerca de uma semana depois da queixa que Ana apresentou em 18 de janeiro. E, ao que o Observador apurou, foi atribuído a uma inspetora que estaria de férias. A 31 de janeiro, no entanto, a PJ remetia o processo ao Ministério Público, com vários pedidos de investigação. Os inspetores queriam que fosse ordenada uma audição da vítima para memória futura. Era importante que a criança fosse ouvida rapidamente e se percebesse se estaria a dizer a verdade. Também era importante que o tempo não corresse e que a criança não voltasse a ser ouvida depois, porque sofreria novamente o que viveu. E porque a memória podia trai-lo.

Processo preso no Ministério Público

A PJ pediu ainda que fossem feitos exames físicos e ficou à espera das respostas do Ministério Público. Até esta segunda-feira, 8 de abril, o processo, com essas respostas, ainda não tinha voltado para as mãos dos inspetores. E até 19 de março, dia em que o bispo de Setúbal, D. José Ornelas, fez chegar a informação ao DIAP, não constava também no processo qualquer referência às suspeitas levantadas por Ana sobre o padre — porque ninguém chamou a criança, os pais ou os responsáveis da creche para prestarem declarações.

Com a informação enviada pelo bispo de Setúbal, chegou este dado novo ao processo: a mãe da alegada vítima suspeitava do padre. Essa informação já tinha chegado à diocese por via das perguntas do Observador sobre este caso. Contudo, sem outros indícios e sem o testemunho de Ana à diocese, o bispo entendeu que não havia sustentação para lançar uma investigação interna na Igreja — posição que, até agora, mantém.

D. José Ornelas, enviou ao Ministério Público informações sobre o caso (Fotografia: Facebook da Diocese de Setúbal)

No entanto, depois de uma reunião mais recente entre os técnicos do centro paroquial e os pais das restantes crianças, começou a circular entre os pais a informação de que Ana dizia que tinha sido o padre a abusar do seu filho. E, como a informação se disseminou, o bispo de Setúbal decidiu informar o Ministério Público.

Contactado pelo Observador, o Ministério Público confirmou a existência do inquérito em Almada, que não tem arguidos constituídos e no qual o MP está a ser coadjuvado pela PJ de Setúbal. Porém, o Ministério Público não deu detalhes sobre o caso nem respondeu às várias perguntas do Observador sobre os motivos para a demora no desenrolar do processo e para a demora em ouvir o testemunho da criança. O MP também não explicou qual o efeito que a entrega, por parte do bispo de Setúbal, da informação relativa ao padre teve no avanço da investigação.

Um responsável da PJ disse ao Observador que é natural que a família, nestes casos, queira uma justiça rápida e procure fazer investigação própria. No entanto, lembra, a “lei não tem os mesmos tempos das pessoas”. Mais. “A mãe pode ter pensado que estava a fazer bem ao mostrar as fotografias, mas pode ter posto em causa a investigação. Ela não tem as técnicas de entrevista de um polícia ou de um psicólogo e em vez de estar a ajudar pode estar a induzir a criança a apontar um suspeito. Nestes casos deve esperar-se pela polícia”, disse a mesma fonte. Com especial cuidado num caso em que o suspeito continua a lidar diariamente com as crianças. “Para ser detido tem que haver prova. E o que esta mãe fez vale zero em termos de prova.”

Do lado da creche, sabe-se apenas que terão sido tomadas algumas medidas de segurança. Numa primeira conversa com o Observador em meados de março, o próprio padre, que é responsável pelo centro paroquial que gere a creche onde terá ocorrido o crime, informou que foi instalado um sistema de videovigilância nas instalações frequentadas pelas crianças e que os pais passaram a registar a entrada e a saída dos seus filhos. Mais: as crianças passaram a ter que ir acompanhadas à casa de banho.

Também nesse contacto, e ainda sem saber que a mãe o apontava como suspeito, o padre reagiu de forma ríspida. Por que razão não tinha reportado à polícia suspeitas de que poderia ter acontecido um crime público dentro da instituição que ele próprio gere? “Não fiz queixa à polícia, só posso fazer queixa quando é detetado no meu centro, pelas minhas técnicas, eu não tenho provas”, disse. “Não tenho que comunicar porque é a palavra da mãe, eu tenho que perceber se houve ou não, no seu tempo a polícia há de pedir informações ao centro. A conversa acaba por aqui, não lhe vou dar mais informação.”

Agora, contactado novamente e já com a informação de que é apontado pela mãe como suspeito, o padre recusou reagir às suspeitas que a diocese onde está integrado transmitiu ao Ministério Público. “Isso tem de perguntar a quem entregou a carta”, disse, referindo-se à informação enviada pela diocese. “Sobre este caso, não lhe vou responder a nada”, acrescentou, remetendo qualquer comentário para o departamento de comunicação da diocese de Setúbal.

O encontro com a Igreja que nunca aconteceu

Entre contactos com a polícia e o tribunal, para tentar fazer chegar ao processo as suspeitas levantadas pelo filho contra o padre, Ana acabou por contactar a diocese de Setúbal a 8 de março. Pretendia com esse contacto que o padre fosse afastado do serviço até se concluir a investigação. O vigário geral da diocese de Setúbal, padre José Lobato, que lhe atendeu o telemóvel, quis que Ana se deslocasse a Setúbal de imediato para lhe contar tudo o que estava em causa. Ana ainda marcou encontro, mas acabou por ter que receber acompanhamento médico e falhou o encontro. Não voltou a contactar a Igreja, nem a Igreja a ela. E esse encontro nunca aconteceu.

Este não foi, porém, o primeiro contacto da diocese de Setúbal com este caso. Segundo explicou ao Observador fonte oficial do gabinete do bispo, o centro paroquial “foi informado que terá acontecido, alegadamente, em janeiro de 2019, uma situação de abuso sexual de um menor num equipamento de infância daquela instituição e que o mesmo já teria sido comunicado às autoridades competentes”.

“Estando já a decorrer um processo de investigação [nas autoridades civis], a Diocese de Setúbal acompanha a situação, deixando que siga o seu normal desenvolvimento, disponibilizando-se para cooperar com as entidades envolvidas, em todas as circunstâncias”, explicou a mesma fonte.

A diocese de Setúbal explicou ainda ao Observador que o centro paroquial em questão “disponibilizou-se, de imediato, a colaborar com as autoridades competentes, prestando todas as informações necessárias”. Mesmo não tendo apresentado queixa e mesmo não tendo sido ainda contactado por qualquer autoridade, apenas pela Comissão de Proteção de Menores para uma questão técnica relativamente ao menor em causa.

Ana levou o filho ao hospital a 17 de janeiro e apresentou queixa um dia depois. Acredita que o filho possa ter sido abusado uma outra vez, em dezembro, quando também chegou a casa com uma outra “lesão estranha”. Mais de dois meses e meio depois da queixa, continua sem ser chamada por qualquer autoridade. O filho foi, entretanto, ouvido por uma pedopsiquiatra, depois da sua insistência junto da Comissão de Proteção de Menores. Está noutra escola, mas tem mostrado algumas dificuldades em ir à casa de banho. A mãe espera que se descubra, afinal, tudo o que aconteceu.

*O nome da mãe é fictício, para proteger a sua identidade

Em silêncio

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