Ioiô

Dois discos unidos por um eixo e um fio enrolado. Se enquanto objeto o ioiô não tem grande ciência, o mesmo não se pode dizer das acrobacias e do estranho fascínio que já deixaram meio mundo de dedo esticado.

Não se sabe ao certo quem inventou este pequeno malabarista desafiador da gravidade. Há quem diga que o ioiô nasceu na China e chegou à Europa vindo do Oriente; outros defendem que tudo terá começado na Grécia antiga, onde há pelo menos 2500 anos os primórdios do ioiô eram feitos de madeira, metal e terracota e adornados com representações dos deuses (certamente uma inspiração para a Coca-Cola e restantes marcas que já aproveitaram as suas faces para fazer publicidade).

Uma coisa é certa: embora aparentemente só ande para cima e para baixo, o ioiô sempre foi viajado. Em França, por exemplo, já no século xviii era usado como antisstress, incluindo pelas tropas de Napoleão e como forma de relaxar antes das batalhas. Em Inglaterra ficou conhecido como Príncipe de Gales, por ter sido representado nas mãos do futuro rei George iv, um brinquedo da nobreza. Já nas Filipinas ganhou a designação que adotámos e que significa, na língua nativa, “volta-volta”. Foi também das Filipinas que chegou aos Estados Unidos, na década de 1920, onde se tornou um fenómeno. Em Portugal, o ioiô teve já vários períodos de hibernação e de popularidade. Ponha o dedo no ar quem não sonhou ter um da Russell na década de 80 e imitar as acrobacias que se faziam nos programas juvenis do Júlio Isidro. Pois, o dedo ainda está nostalgicamente preso ao cordel.

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Matraquilhos

Mais emocionante do que a bola negra ou aquele golo de roleta do guarda-redes, a invenção dos matraquilhos envolve papéis perdidos na guerra, uma perna ferida e patentes registadas em diferentes países, entre os anos 20 e 30 do século passado. É quase um campeonato europeu de quem chegou primeiro: o Reino Unido diz que a invenção pertence a Harold Searles Thorton, França reclama o feito para o inventor Lucien Rosengard, a Alemanha atira o nome de Broto Watcher e Espanha responde com Alejandro Finisterre. Dada a popularidade crescente que o futebol estava a alcançar na Europa nessa altura, não é de estranhar que a ideia de ter a versão do jogo à mão tenha passado pela cabeça de muita gente.

De todos, o espanhol Alejandro Finisterre tem uma história que faz com que no fundo estejamos a torcer para a taça ser dele: natural da Galiza, foi ferido numa perna durante a Guerra Civil espanhola e internado num hospital onde, para  entreter crianças igualmente feridas e que não podiam jogar à bola, terá feito ao futebol o mesmo que o pingue-pongue fez ao ténis: metê-lo numa mesa. Diz-se que a sua invenção foi patenteada em 1937, mas – finta do destino – o ativista perdeu os papéis da patente quando fugia ao regime fascista de Franco pelos Pirenéus. Já na América Latina e com a ajuda de um amigo carpinteiro, Finisterre continuou a aperfeiçoar a ideia e a sua versão do futbolín, ou metegol, é tida como a que mais se aproxima dos matraquilhos que conhecemos hoje: com componentes em metal e madeira e bonecos a recriarem jogadores de duas equipas (os alemães jogavam com triângulos, se calhar é daí que lhes vem o sangue-frio).

Com o sistema do ábaco ou um moderno placard eletrónico para contar os golos, moeda de 20 escudos ou um euro, os matraquilhos, tal como o próprio futebol, não mudaram muito e continuam a ser jogados em todo o mundo.

Pião

Do início, para não ficarmos tontos: o pião é um dos brinquedos mais antigos da Humanidade. Os primeiros exemplares terão começado a girar ainda por volta de 4000 a.C., feitos em argila, e terão girado tão bem que tiveram direito a representações em vasos gregos e a passagens na Ilíada de Homero e na Eneida de Virgílio. Aristófanes era fascinado pelo objeto, Platão usou-o como metáfora do movimento. Entre gente tão ilustre, o humilde pião só poderia estar destinado ao sucesso, em várias partes do mundo.

Durante muito tempo, foi um dos jogos tradicionais infantis mais populares em Portugal, como tantos outros só destronado por “modernices”. Era leve, era barato, cabia nos bolsos e os mais treinados não  o faziam girar só no chão mas também na palma das mãos.

O verdadeiro pião português, manda a tradição, deve ser feito de madeira e terminar num bico de metal. Essencial para o fazer girar é o cordão de enrolar à volta, também conhecido como baraça, guita, faniqueira, fieira ou trena (haja riqueza vocabular). Para os mais inocentes, jogar ao pião é simplesmente tentar lançá-lo ao chão, de forma a que ele fique a rodopiar o maior tempo possível. Para os profissionais, só se anda à roda dentro da roda, isto é, primeiro é necessário desenhar um círculo no chão e só depois se pode lançar o pião. Objetivo: garantir não só que ele aterra na área delimitada como ainda consegue expulsar, qual furacão, outros que lá tenham ficado da jogada anterior.

Pato de borracha

Usado no banho, colecionado aos milhares e seguido por cientistas. A popularidade do pequeno pato de borracha é inversamente proporcional ao seu tamanho.

Curiosamente, os primeiros não boiavam. Criados ainda no final do século xix, eram feitos de borracha vulcanizada e, como iam ao fundo, eram antes usados como mordedores.

Mais do que um objeto para a banheira, a versão moderna, amarela e flutuante, tornou-se um ícone da cultura ocidental, com direito a uma rede de lojas especializadas na Europa, incluindo em Lisboa. Nas Duck Stores a única coisa à venda são patos de borracha, às centenas. O amarelo predomina mas há-os de todas as cores, a recriar profissões, países, animais e celebridades. Segundo o Livro de Recordes do Guinness, a maior coleção privada deste brinquedo inclui 5631 modelos diferentes.

Porquê tamanha popularidade? O manifesto de Florentijn Hofman dá uma ajuda: “O pato de borracha não conhece fronteiras, não discrimina pessoas e não tem conotação política. É suave, amigável e adequado para todas as idades.” Hofman é um artista holandês que nos últimos anos se tem dedicado a fazer esculturas gigantes de brinquedos com formas de animais, colocando-as no espaço público. A mais famosa é a do já  chamado “Duckzilla”, um pato de borracha flutuante com 32 metros de altura que desde 2007 já atracou em duas dezenas de cidades.

Mais viajados só os patos envolvidos no célebre naufrágio que em 1992 espalhou 28 mil brinquedos flutuantes no Pacífico e deram origem ao livro Moby-Duck. Ao lado de tartarugas azuis, sapos verdes e castores vermelhos, os patinhos amarelos andaram milhares de quilómetros à deriva, sobreviveram ao frio do Ártico e tornaram-se um objeto de estudo para cientistas – uma espécie insólita, mas fundamental, para perceber melhor as correntes oceânicas.

Cubo Mágico

Não usa cartola nem serra pessoas, mas desde cedo ficou conhecido como Cubo Mágico. Foi inventado em 1974 pelo húngaro Ernö Rubik  e, na verdade, começou por ser um exercício para uma aula – ele queria um modelo que explicasse aos seus alunos o conceito de geometria tridimensional. Na altura com 29 anos, teve a ideia de pegar em cubos de madeira, colar papel de várias cores em todos os lados, uni-los com uma corda elástica e começar a torcê-los. Estaria longe de imaginar que a sua invenção viria a tornar-se um símbolo da década de 80 e um dos brinquedos mais vendidos de sempre.

O desafio de deixar uma só cor em cada face não é fácil, e o próprio Rubik admitiu que demorou cerca de um mês a resolver o quebra-cabeças. Se a maior parte acaba por desistir, entre aqueles que conseguem dominar o Cubo Mágico existem craques a fazer proezas incríveis. É o caso do português João Abreu, que resolveu o Cubo durante um salto em queda livre  (em menos de 30 segundos) e também debaixo de água. Quadradão só no formato, o Cubo tem sido alvo de competições por todo o mundo, incluindo em Portugal, onde existe uma comunidade de cubing que segue as regras da World Cube Association, a associação que regula as provas em todo o mundo. Mais rápido do que enumerar as suas seis cores – branco, amarelo, laranja, vermelho, verde e azul – o recorde mundial para o Cubo tradicional 3x3x3 pertence atualmente a Yusheng Du, jovem chinês que o resolveu nuns supersónicos 3,47 segundos – menos 0,75 do que o anterior campeão, o australiano Feliks Zemdegs. Outros recordes oficiais incluem resolver o cubo com uma mão (em 6,88 segundos), com os pés (16,96) e até de olhos vendados (16,55).

Quanto a Ernö Rubik , continuou a idealizar e a batizar novos puzzles, como o Rubik 360, criado em 2009 e cujo objetivo é alinhar seis bolas coloridas em três esferas. Nenhum até hoje teve a mesma magia.

Artigo publicado originalmente na revista Observador Lifestyle nº 3 (março de 2019).