Lisboa, Estádio da Luz, 2004. Um golo solitário de Charisteas roubou o sonho a Scolari e à Seleção Nacional, que começava a misturar uma nova geração com aquela que tinha sido de ouro, e deu à Grécia a vitória no Campeonato da Europa organizado em Portugal. Paris, Stade de France, 2016. Um golo solitário de Éder dá finalmente a primeira conquista à seleção portuguesa, que derrota a anfitriã França na final do Europeu. Porto, Estádio do Dragão, 2019. Um golo solitário de Gonçalo Guedes revalida a alegria de Paris e vinga e a frustração de há 15 anos.

Desde 2004, desde a final perdida frente à Grécia, resta Cristiano Ronaldo: dos convocados de Fernando Santos para a final four da Liga das Nações, só mesmo o atual capitão chorou no relvado da Luz ao receber a medalha de finalista vencido. Desde 2016, desde a final ganha em Paris que valeu o primeiro troféu da história da Seleção Nacional, o lote de resistentes é mais alargado. Para além de Ronaldo, também Rui Patrício, José Fonte, Pepe, Raphael Guerreiro, Danilo, João Moutinho, William e Rafa são campeões da Europa (e seis eram titulares este domingo).

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Ficha de jogo

Portugal-Holanda, 1-0

Final da Liga das Nações

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Undiano Mallenco (Espanha)

Portugal: Rui Patrício, Nélson Semedo, Rúben Dias, José Fonte, Raphael Guerreiro, Danilo (Rúben Neves, 90+3′), William, Bruno Fernandes (João Moutinho, 81′), Bernardo Silva, Gonçalo Guedes (Rafa, 75′), Cristiano Ronaldo

Suplentes não utilizados: José Sá, Beto, João Cancelo, Dyego Sousa, Diogo Jota, Mário Rui, Pizzi, João Félix

Treinador: Fernando Santos

Holanda: Cillessen, Dumfries, Blind, Van Dijk, De Ligt, De Roon (De Jong, 81′), De Jong, Wijnaldum, Babel (Promes, 45′), Bergwijn (Van de Beek, 60′), Memphis

Suplentes não utilizados: Vermeer, Bizot, Hateboer, Aké, Pröpper, Van Aanholt, De Vrij, Strootman, Vilhena

Treinador: Ronald Koeman

Golos: Gonçalo Guedes (60′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Dumfries (88′)

Depois de eliminarem Suíça e Inglaterra, Portugal e Holanda encontravam-se na primeira final da inédita Liga das Nações já depois de saberem que os ingleses tinham garantido o terceiro lugar da competição ao vencerem os suíços durante a tarde em Guimarães. Fernando Santos fazia três alterações face à equipa que na quarta-feira carimbou o passaporte para a final: José Fonte substituía o lesionado Pepe, que fraturou a omoplata num lance da meia-final, Danilo ocupava o lugar de Rúben Neves no meio-campo e Gonçalo Guedes entrava para a saída de João Félix. Mais do que nomes e jogadores, o selecionador nacional mudava de sistema tático, do 4x4x2 para o 4x3x3.

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Do outro lado, Ronald Koeman não mudava nada nos onze que na quinta-feira eliminaram a Inglaterra e a seleção holandesa repetia uma equipa titular pela primeira vez desde outubro de 2014. A final da Liga das Nações, para além de valer um troféu para uma das equipas no final dos 90 minutos, já valia três recordes logo no apito inicial: Rui Patrício superou Vítor Baía e tornou-se o guarda-redes mais internacional por Portugal (81 presenças); José Fonte e Cristiano Ronaldo ultrapassaram Pepe e tornaram os jogadores mais velhos a representar a Seleção Nacional numa final (o primeiro tem 35 anos, o segundo tem 34 e Pepe tinha 33 em Paris); e De Ligt tornou-se o jogador mais novo da história da Holanda a representar a seleção numa final (tem 19, Ernie Brandts tinha 22 na final do Mundial de 1978).

Os holandeses entraram em campo com mais bola mas com alguma dificuldade em entrar com perigo na zona mais recuada da seleção portuguesa, onde Rúben Dias e José Fonte fechavam muito bem os caminhos que podiam desembocar na baliza de Patrício. Portugal apresentava-se com Bernardo no corredor direito, Guedes na esquerda e Ronaldo sozinho na faixa central e o meio-campo preenchido por uma linha de três que tinha em Bruno Fernandes o elemento mais móvel e em William a peça mais recuada. A presença de Danilo ao lado de William no onze inicial era, desde logo, um bom augúrio para a Seleção Nacional: nos 12 jogos em que os médios do FC Porto e do Betis jogaram juntos, a Seleção nunca perdeu.

A Holanda guardou a posse de bola nos primeiros instantes e só foi surpreendida pelo primeiro remate de Bruno Fernandes, que saiu muito torto mas deixou uma aviso à defesa comandada por Van Dijk (9′). O médio do Sporting protagonizava a principal alteração de rendimento face ao jogo com a Suíça, já que estava muito mais embrenhado na partida e a aparecer em zonas de finalização constantemente, terminando mesmo a primeira parte enquanto elemento português mais rematador. A presença de Danilo numa área próxima à de Nélson Semedo, onde o médio do FC Porto podia fazer as dobras ao lateral, soltava não só o defesa do Barcelona como também o próprio Bruno Fernandes, que se via solto das obrigações defensivas que o prenderam na passada quarta-feira.

Mas, e de forma um pouco irracional, foi dos pés do médio do Sporting que surgiu o erro que criou a principal ocasião de perigo da Holanda no primeiro tempo. Bruno atrasou mal e ofereceu o contra-ataque a Bergwijn, que só foi travado mesmo à entrada da grande área por uma enorme intervenção de Rúben Dias (17′). Seguiu-se uma fase mais morna do jogo que só foi quebrada por um cabeceamento de José Fonte depois de um canto que aterrou nas mãos de Cillessen (29′) e mais um remate de Bruno Fernandes (30′), que também foi parado pelo guarda-redes que esteve perto de reforçar o Benfica já neste mercado de verão. O médio do Sporting andava à procura do golo e já não escondia a frustração sempre que (mais) uma tentativa saía gorada. Voltou a ficar perto do primeiro já perto do intervalo, com um remate de longe que passou a rasar a trave (39′), mas a primeira parte iria mesmo terminar sem golos.

No final do primeiro tempo, a Holanda tinha mais bola mas não tinha remates e Portugal ia liderando nesse capítulo, já que foi para o balneário com 12 remates, quatro deles enquadrados (todos por intermédio de Bruno Fernandes). Faltava eficácia à seleção portuguesa, onde Danilo ia justificando a titularidade com uma exibição muito segura, Ronaldo ainda procurava uma verdadeira oportunidade (só rematou com perigo uma vez, cruzado e para as mãos de Cillessen), Bernardo mantinha a qualidade já demonstrada contra a Suíça e Rúben Dias era o destaque no setor defensivo.

No início da segunda parte, Koeman tirou Babel, que pouco ou nada fez no primeiro tempo, e lançou Promes, um dos destaques da seleção holandesa no jogo da meia-final com a Inglaterra. Fernando Santos manteve os mesmos onze em campo e a lógica a que o Dragão havia assistido durante 45 minutos manteve-se: mais bola para a Holanda, mais perigo para Portugal. Rui Patrício defendeu aquele que seria a primeira oportunidade dos holandeses, por intermédio de Wijnaldum, mas o lance acabou por ser anulado por fora de jogo do médio do Liverpool (51′).

A seleção portuguesa mantinha-se com as linhas muito subidas e com uma pressão alta e eficaz na altura da perda da bola e não permitia grandes aventuras aos holandeses, onde Depay permanecia muito isolado no meio de Dias e Fonte, mesmo com o apoio de Promes e Bergwijn nos corredores. A Seleção Nacional acabou por chegar à vantagem num lance de transição rápida, tal como vinha a fazer desde o início da partida: Bernardo conduziu a descair na esquerda, assistiu Gonçalo Guedes na faixa central e o avançado do Valencia, à entrada da área de Cillessen, atirou certeiro para inaugurar o marcador (60′). O guarda-redes do Barcelona ainda tocou na bola mas estava feito o primeiro na final da Liga das Nações.

A Holanda cresceu com o golo sofrido e obrigou Rui Patrício à defesa da noite, numa jogada em que o guarda-redes do Wolverhampton teve de se aplicar para parar um cabeceamento de Depay (65′). A seleção portuguesa desceu as linhas a partir do momento em que ficou em vantagem e passou a jogar atrás da bola, à espera das investidas adversárias e de eventuais erros que pudessem proporcionar lances rápidos de contra-ataque. Ronaldo, entre De Ligt e Van Dijk, era nesta altura o único elemento português que jogava para lá do meio-campo.

Foi exatamente na linha de pensamento das arrancadas velozes que Fernando Santos fez a primeira substituição do jogo, ao lançar Rafa no lugar de Gonçalo Guedes — o jogador do Benfica ficou a atuar na zona do terreno que era de Guedes até então mas virava costas à defesa assim que Portugal recuperava a bola, para se lançar em velocidade e galgar metros até à área holandesa. Nesta altura, a Holanda ia procurando um jogo rendilhado, sem nunca perder muito a cabeça em passes em profundidade ou jogo pelo ar, mas raramente conseguia chegar com verdadeiro perigo perto da baliza de Rui Patrício. Portugal segurou a vantagem até ao final, garantindo o meio-campo com a entrada de João Moutinho já nos 10 minutos finais, e sobreviveu às últimas balas da Holanda, ficando até perto de marcar o segundo golo num lance onde Raphael Guerreiro teve demasiada parcimónia à entrada da área.

Portugal venceu a Holanda na primeira final da Liga das Nações e festejou em casa pela primeira vez na história depois da desilusão de 2004 com a Grécia. Depois do Campeonato da Europa em 2016, a Seleção Nacional conquista o segundo troféu internacional do seu palmarés e soma duas vitórias em duas finais em menos de três anos. Ronaldo esteve em três finais, Rui Patrício, Fonte, Pepe, Raphael Guerreiro, Danilo, Moutinho, William e Rafa viram duas e todos os outros que este domingo festejaram no Dragão foram quota parte de uma. Mas todos, desde os vencidos de 2004 até aos vitoriosos de 2016 e 2019, encarnam a frase que se ouve antes de todos os jogos da Seleção Nacional: são heróis, nobres, valentes e imortais.