O Ministério Público ordenou o arquivamento do processo movido contra a Câmara do Porto que levou ao embargo de uma obra na Arrábida e no qual pedia a condenação da autarquia à demolição da construção por “nulidade” dos licenciamentos.
A “conclusão” do Ministério Público (MP), que a Lusa consultou esta quarta-feira no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP), refere uma “fotografia aérea de 1933”, onde é “perfeitamente visível” uma construção “anterior a 1951” que, “segundo o diretor municipal dos Serviços Jurídicos, foi demolida com autorização da câmara para dar lugar à construção do prédio” atual, junto à ponte da Arrábida.
“Os atos administrativos praticados pela Câmara do Porto não estão feridos de nulidade […] uma vez que, sendo privada a parcela […], tais atos não tinham de ser precedidos de parecer da APA [Agência Portuguesa do Ambiente] ou da APDL”, justifica o MP na decisão de 3 de junho. “Ordeno o arquivamento dos presentes autos”, acrescenta o Procurador.
De acordo com fonte judicial ouvida pela Lusa, a juíza titular do processo ainda tem de ser pronunciar sobre a conclusão do MP.
O TAFP determinou o embargo da empreitada em janeiro, dias depois de o MP iniciar a ação em que pedia a condenação da autarquia “a demolir, a suas expensas, as obras efetuadas em violação da lei”.
O MP considerava nulas, por ausência de consulta à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e à APDL, as várias autorizações dadas pela câmara à obra desde 2009.
Agora, o MP cita a “lei 54/2005” e uma “alteração” a esta legislação, pela “lei 34/2014”, para concluir que o imóvel “não está a ser construído em parcela do Domínio Público Hídrico (DPH)”.
De acordo com o MP, o terreno cumpre os três pressupostos exigidos legalmente: “está numa zona urbana consolidada; está fora do risco de erosão ou invasão” e foi “ocupado por construção anterior a 1951”.
Uma parte dos terrenos registado em nome da empresa Arcada, atual titular da propriedade, foi em 1996 registada por usucapião por um casal que alegou nunca ter formalizado a compra feita 20 anos antes “por desconhecer o paradeiro dos vendedores”.
De acordo com documentos que a Lusa consultou num cartório de Vila Nova de Gaia, o casal invocou “usucapião” [direito à propriedade pelo uso] de cerca de quatro mil metros quadrados e, em 1997, “retificou” o registo dizendo que adquiriu a propriedade a “José Pereira Zagallo”, o empreiteiro da ponte da Arrábida, construída entre 1957 e 1963. Em 1998, o casal vendeu o terreno à empresa Imoloc.
Segundo o cadastro da Conservatória do Porto, em dezembro de 1996, o mesmo casal permutou com a Imoloc outra das parcelas de terreno, com uma área de 7.390 metros quadrados, também integrante da obra da Arcada.
A ação judicial do TAFP foi iniciada após uma denúncia feita em 2018 pela APDL por não se ter pronunciado sobre as autorizações à obra situada em DPH. Já este ano, a APDL constatou serem seus 5.418 metros quadrados de terreno registados em nome da Arcada (quase metade do total de 10.157 metros quadrados da área inscrita em nome da empresa).
Em maio, o gabinete da ministra do Mar revelou que a APDL estava a preparar uma ação judicial para devolver ao Estado os 5.418 metros quadrados de terrenos.
Contactada esta quarta-feira pela Lusa, a ADPL não se quis pronunciar sobre este caso. A Lusa tentou obter uma reação da Câmara do Porto, sem sucesso até ao momento.
Situada a jusante da Ponte da Arrábida, classificada em 2013 como Monumento Nacional, a empreitada tem alvará de obra emitido em fevereiro de 2018 à Arcada. Nessa altura começaram os trabalhos da primeira fase, relativa a um prédio de 10 pisos e 38 fogos.
Uma segunda fase, respeitante ao edifício poente, prevê 16 pisos e 43 fogos.