Mais de metade dos obstetras do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, já entregaram pedidos de escusa de responsabilidade em caso de eventuais falhas e complicações com grávidas ou bebés durante o mês de Agosto. A informação é avançada esta quinta-feira pelo jornal Público, que revela que, até quarta-feira, 15 dos 28 médicos deste hospital subscreveram as minutas.

Esta é mais uma resposta dos obstetras da região de Lisboa e Vale do Tejo no já longo braço de ferro que mantêm com o Estado. Alegando que as escalas previstas para o mês de agosto não cumprem os mínimos aconselháveis e colocam os profissionais de obstetrícia da capital a trabalhar em condições que não são indignas a nível de segurança, mais de metade destes médicos do Hospital de Santa Maria decidiu recorrer à entrega destas minutas de desresponsabilização. Estes documentos preveem que  a responsabilidade passe para a tutela caso algo aconteça a alguma grávida ou a algum bebé.

Esta era uma ferramenta que estava ao dispor dos profissionais desde o início mas que ainda não tinha sido utilizada. Tanto o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) como a própria Ordem dos Médicos (OM) já tinham sugerido a sua utilização. O bastonário da OM, em declarações ao Observador, tinha anunciado na quarta-feira que iria entrar em contacto com os obstetras para disponibilizar estas declarações. “A Ordem dos Médicos irá obviamente contactar os médicos do Hospital de Santa Maria e vai-lhes entregar as declarações. Não são declarações para os desresponsabilizar mas sim para passar para a tutela a responsabilidade caso algo corra mal”, disse Miguel Guimarães. “Não é minimamente aceitável trabalhar nestas circunstâncias. Não é possível”, acrescentou.

O exemplo do Hospital de Santa Maria entrou na ordem do dia depois de o Sindicato Independente dos Médicos ter emitido um comunicado para denunciar a falta de condições de trabalho e de segurança a que estão sujeitos os médicos obstetras da região de Lisboa. Em junho, chegou a ser avançada a possibilidade de se recorrer ao fecho rotativo das quatro urgências obstétricas da capital durante o verão: a Maternidade Alfredo da Costa,  e os serviços dos hospitais de Santa Maria, S. Francisco Xavier, a Amadora-Sintra. Mas a solução encontrada em julho, e que se prevê que se mantenha em agosto e setembro, foi a de “pedir um esforço complementar a estes profissionais“, como admitiu o presidente da Administração Regional de Saúde (ARS) Lisboa e Vale do Tejo, Luís Pisco, à Rádio Observador.

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Nessas declarações ao Observador, Luís Pisco explicou que em julho os serviços funcionaram dentro da “normalidade”. Essa é, aliás, a expectativa para o que ainda resta de verão. “Houve normalidade em julho e vai manter-se em agosto”, assegurou. No entanto, e como o próprio reconheceu, os recursos humanos do Estado não foram suficientes per se para fazer face a todas as ocorrências. “Nos casos em que não foi suficiente fez-se contratação externa“, adiantou.

O presidente da ARS de Lisboa e Vale do Tejo afirma ainda que a solução de julho, que passou por pedir “um esforço complementar aos profissionais” vai ser repetida em agosto. “Só temos de salientar essa disponibilidade dos profissionais”, entende Luís Pisco.

Mas este cenário de normalidade é contraditório com aquele que o Sindicato Independente dos Médicos traça. Ao Observador, o secretário-geral do sindicato revela que há escalas “que não garantem os mínimos aconselháveis”. E dá o exemplo do Hospital de Santa Maria: “O mínimo aconselhável é a existência de cinco médicos especialistas [por dia] mas há dias com apenas três profissionais, dos quais apenas dois são especialistas“, revela Jorge Roque da Cunha.

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Assim, e na tentativa de evitar que os profissionais fiquem excessivamente sobrecarregados, o sindicalista apela “ao Ministério da Saúde para não tapar o sol com a peneira” e para avançar para a contratação de mais profissionais.

Sindicato acusa Governo de “hostilizar” médicos

No comunicado divulgado na quarta-feira, o SIM acusava o Governo de “hostilizar” os médicos e de querer “forçá-los a trabalhar em condições indignas e sem segurança”. A queixa surgiu na véspera do início de agosto e pretendia denunciar a “desorganização sobre a assistência médica na urgência e emergência Obstétrica na Região de Lisboa”.

Depois da polémica com o eventual encerramento das urgências de Obstetrícia em que o Governo assumiu que tudo estaria ultrapassado, os Conselhos de Administração têm ordens diretas do Governo para não encerrar nenhuma urgência em nenhum dia, independentemente do número de recursos humanos existentes”, lê-se na nota disponibilizada no site do SIM.

Perante a falta de pessoal — no Hospital de Santa Maria, por exemplo, a respetiva escala de cinco dias é feita com três médicos, dos quais apenas dois são especialistas, adianta o sindicato –, o comunicado revela a preocupação dos profissionais pela “maximização” da possibilidade de erro “com prejuízo para a saúde dos doentes e para vida profissional dos médicos”. Em causa estão ainda os “crescentes sinais de fadiga” capazes de afetar os “padrões de qualidade e segurança dos cuidados prestados”.

A atual situação de carência extrema de médicos Obstetras na região de Lisboa, para além de outras especialidades como a Anestesiologia e Pediatria em vários hospitais, leva a que se ultrapassem os limites mínimos de segurança aceitáveis para o tratamento das grávidas e doentes críticos que diariamente a eles recorrem”, lê-se também.

Por isso mesmo, o Sindicato Independente dos Médicos aconselhava “os seus associados do Hospital de Santa Maria a apresentarem minutas de desresponsabilização em todos os casos em que a urgência obstétrica esteja abaixo dos cinco elementos, cabendo ao Conselho de Administração a responsabilização pelos problemas ocorridos por esse motivo”. Um conselho que se destinava apenas aos profissionais sindicalizados mas que podia servir de sinal para os restantes médicos.

Feitas as queixas, o sindicato deixava ainda uma lista de exigências à administração do Hospital de Santa Maria, que passam pela “contratação imediata de médicos especialistas” e o “encerramento da urgência externa sempre que os mínimos não estejam assegurados”.

Os números dados como exemplo pelo SIM tanto no comunicado como nas declarações ao Observador não foram confirmados nem desmentidos pelo presidente da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, que, confrontado com o caso exposto pelo sindicato não quis revelar o número de profissionais escalados.