Gezo Marques, brasileiro de gema, está há tantos anos em Portugal que já desistiu de contar. Com formação em comunicação social, trabalhou durante alguns anos como diretor de arte e diretor criativo em agências de publicidade. Em 2010, é no Bairro Alto que estabelece a sua oficina/loja/galeria que hoje partilha com o artista plástico José Aparício. “É um projeto que, mais do que um atelier, é um lugar onde materializamos histórias através dos objetos”, explica Gezo.

A oficina é “onde a gente lixa, corta, monta, cola”, explica. Segue-se a loja, onde colocam as suas peças à venda – e as de outros artistas – e o espaço expositivo, com montra para a rua, “é a nossa galeria de arte, o local onde apresentamos o nosso trabalho”, apresenta.

Chefs e coletores

A arte que lhes sai das mãos, vem carregada de caráter. É um puzzle de histórias trazidas por cada um dos pedaços de que é feita. “Quando transformamos um móvel, por exemplo, fazemos questão de não apagar todas as cicatrizes, pois os materiais que nós usamos já vêm com uma história. Alguns são apanhados na rua, na praia, no meio da cidade, em leilões, feiras ou lojas de velharias. Na verdade, somos coletores”, continua Gezo.

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Quando regressam ao atelier, dá-se início a um trabalho mais introspetivo. “É um exercício de criação, de concentração, de ver os materiais à disposição. Como numa cozinha, em que você tem os ingredientes todos à frente e começa a preparar. Quanto melhores forem os ingredientes, melhor vai ficar o prato. E, neste caso, tudo é ingrediente para fazer um trabalho”, garante.

Ciclos eternamente renovados

José Aparício acredita que esta vontade de contar histórias é universal. “Toda a gente se encanta por uma boa história. E nós somos bons contadores, somos bons ouvintes também. E isso tem feito com que muita gente venha ter connosco, para nos ouvir, para falar connosco e isso acaba por transformar as nossas peças e levá-las pelo mundo fora, desde o Dubai em que temos um cavalo em madeira ou hotéis em Paris”, revela, partilhando o percurso de alguns objetos. “Por exemplo: encontrámos umas maravilhosas latas de anchovas de uma fábrica do Algarve, que tinham uma imagem do São Jorge. Pegámos nelas e transformámos num pequeno quadro. Ou então, o caso das ilustrações do séc. XIX, que foram digitalizadas e trabalhadas em novos objetos”.

Tudo tem início no espanto, na procura, na aventura da descoberta. “Este processo criativo começa na saída da oficina, para encontrar as matérias primas. Segue-se um período de análise e de repouso – para que encontrem o seu sentido –, depois, é tempo de trabalhar e de as transformar. Quando expomos as peças na loja ou na galeria, é quase um fim de ciclo dessa primeira jornada e o começar de outra”, continua José Aparício.

Em eterno movimento

“Quando a peça está pronta, ela vai começar um outro ciclo…essa força, esse movimento vai para outros lugares, outros cantos, outros donos. É um exercício de desapego, de deixar fluir”, acrescenta Gezo. “O movimento faz parte do trabalho: é o movimento das peças que as pessoas já não querem e colocam, literalmente, a andar. É o movimento da nossa cabeça, dessa energia que move as coisas, para ter ideias. E é a confiança de que este movimento vai continuar, de que as peças vão ter outras histórias para contar, outras famílias das quais irão fazer parte. E isso é muito importante para nós”, garantem. Gezo Marques conclui: “como trabalhamos com materiais muito efémeros, o facto de materializar uma peça que dura no tempo, isso nos enche a alma”.

Vale a pena visitar e conhecer estas e outras histórias na Oficina Marques. Passe por lá, quer virtualmente, em www.oficinamarques.pt, quer presencialmente. Se não estiverem na Rua Luz Soriano, 71, em Lisboa, estarão em qualquer lugar para onde os objetos – quais sereias em alto mar – os tiverem chamado.

Saiba mais sobre este projecto em https://observador.pt/seccao/feeling-the-movement/