Nunca se tinha visto Paredes de Coura assim, sobretudo num primeiro dia de festival: colina à pinha e a rebentar de gente até ao cimo, a ponto de ter sido quase impossível ver os cabeças de cartaz The National para quem chegou tarde e não tentou “furar” até à exaustão o aglomerado (gigante) de gente. No lançamento do festival, em declarações ao Observador, o diretor do Vodafone Paredes de Coura, João Carvalho, confirmou que esta é a maior enchente em 27 edições: “Nos últimos sete ou oito anos, o festival não parou de crescer. Esta edição é histórica”.

O sonho continua. Há uma brincadeira entre sócios que é: lá vai o João dizer que é a melhor edição de sempre. Mas é verdade, há oito anos que temos a melhor a edição de sempre. Esta é a maior enchente de sempre, o espaço é o mais bonito de sempre, o campismo está absolutamente genial e é um campismo que dá quase tanto trabalho — se não mais trabalho — quanto montar todo o festival”, apontou o organizador João Carvalho.

Depois de 26 edições consecutivas, resistindo e assistindo ao nascimento de novos festivais de música pelo país como cogumelos, qual é o segredo para Paredes de Coura se manter atrativo? Há um evidente: um cartaz (desta 27ª edição) abrangente que mistura artistas que atraem um público mais veterano, como Patti Smith, New Order e até Suede e Spiritualized, com artistas que também apelam a um público mais jovem, como Father John Misty, The National e Capitão Fausto. Para se compor um cartaz deste e esgotar os passes gerais e os bilhetes diários, porém, é preciso “cuidar das pessoas, sentir-me no lugar delas”, explicou João Carvalho. “E se eu viesse, o que gostava de ter e ver? O que gostava de fazer?”

Detalhando que a organização de um festival “reparte-se por várias fases”, João Carvalho revelou que a “contratação” de artistas é a que o deixa mais entusiasmado: “Quando começas a adivinhar a felicidade nas pessoas, quando começas a fechar os nomes interessantes que sabes que vão deixar os amantes do festival satisfeitos…”. Depois há a parte mais logística, que passa por olhar para o recinto e avaliá-lo criticamente: “Não tenho de fazer alterações todos os anos no recinto, porque os estudos dizem todos que o nível de satisfação está em 9.5 de 0 a 10. Portanto, é perfeito”, referiu.

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Todos os anos fazemos alterações, todos os anos mexemos no terreno. Somos bonitos a esconder o feio. O feio não é a natureza, a natureza é bonita e este é um festival que respira natureza. Mas depois há estruturas [de festivais] que são feias e nós somos bonitos a esconder o feio. É um festival que se renova de ano para ano, que tem uma história de 27 anos. É a nossa história de amor”, explica.

Esta será também uma edição simbólica por se ligar diretamente à história de quase três décadas do festival de música de Paredes de Coura. Desde logo, a presença dos Suede — que encerrarão os concertos no palco principal do festival, na madrugada de sábado para domingo — evoca a vinda do grupo britânico de bripop a Paredes de Coura em 1999, numa edição decisiva para o caminho trilhado neste século pela organização: “Foi um ano super importante. Foi a primeira grande enchente. Lembro-me de começarem a chegar camionetas de pessoas de uma forma não organizada, porque não éramos nós que tratávamos dos transportes — hoje sim, temos parcerias com empresas de camionagem — e não sabíamos muito bem [o que esperar]. Não havia redes sociais, não havia internet como há hoje, de repente foi uma surpresa chegarem pessoas às centenas”.

Dessa edição de 1999, o diretor do festival recorda-se de ter “ido falar com os proprietários dos campos e em cima da hora pedir mais um alugado para conseguirmos albergar toda a gente. Depois tinha medo que as pessoas não entrassem no recinto. Foi um ano importante porque foi o que nos mostrou que os festivais podem ser uma coisa num ano e outra coisa no seguinte. Ensinou-nos a sermos empresários. Em 1999 tivemos pela primeira vez lucro a sério”, aponta.

Quando os Suede vieram a Portugal há 20 anos, os organizadores do festival ra ainda eram “quase adolescentes”, recordou João Carvalho. No ano seguinte, uma edição com menos sucesso originou “um prejuízo brutal”, mas depois “o festival não parou de crescer”, mesmo com alguns percalços pelo meio, como uma edição de 2004 em que “choveu torrencialmente e ponderámos seriamente acabar”. Não o fizeram e em 2005 montaram “uma super edição” que levou a Portugal Foo Fighters, Kaiser Chiefs, !!!, Death From Above 1979, Pixies, Queens of The Stone Age, The Roots, Nick Cave & the Bad Seeds, Vincent Gallo e — pela primeira vez — The National e Arcade Fire.

A história continua agora, 15 anos depois. Após um dia inaugural em que os cabeças de cartaz foram os norte-americanos The National, até sábado haverá ainda concertos de Car Seat Headrest, New Order, Deerhunter, Spiritualized, Father John Misty, Patti Smith & Her Band, Freddie Gibbs & Madlib e Suede, entre outros.

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