A JUUL, que é a mais importante fabricante de cigarros eletrónicos dos Estados Unidos e que está a ser investigada pelas autoridades americanas, vai entrar no mercado português já em outubro, anunciou esta quinta-feira a marca em conferência de imprensa. A empresa garante num comunicado que a sua “missão” é “melhorar a vida dos mil milhões de fumadores adultos em todo o mundo e, consequentemente, eliminar os cigarros”. Mas a notícia da entrada da JUUL no mercado português chega um dia depois de a administração Trump ter admitido que está a “finalizar legislação que vai retirar do mercado cigarros eletrónicos com sabores” na sequência do aumento do número de menores que, embora não fumasse cigarros tradicionais, começou a usar os cigarros eletrónicos.
Além disso, a indústria também está no centro de uma crise por causa de uma onda de problemas respiratórios diagnosticados em pessoas que começaram a usar estes produtos.
A JUUL chega a Portugal em outubro e os seus produtos serão distribuídos em quatro mil pontos de venda em todo o país. Segundo a empresa, estes cigarros eletrónicos serão vendidos “conforme a Diretiva de Produtos de Tabaco da União Europeia”, que exige uma concentração de nicotina nunca superior a 20 miligramas por mililitro. E serão vendidos com um valor entre 29,99 euros e 34,99 euros.
Por cá, a JUUL venderá dois tipos de cápsulas com diferentes concentrações — uma com 9 mg/ml e outra com 18 mg/ml — “de maneira a oferecer aos fumadores adultos uma possibilidade de escolha”, anunciou a marca. Essas cápsulas podem ter sabores de baunilha, menta, manga e tabaco. Uma recarga de quatro cápsulas custará 11,99 euros. E uma recarga de duas cápsulas vai custar 6,99 euros.
JUUL distancia-se da polémica com cigarros eletrónicos nos EUA
A polémica em torno dos cigarros eletrónicos nos Estados Unidos começou após ter sido registado um aumento no número de menores que passou a fumar cigarros eletrónicos, embora não consumisse cigarros tradicionais.
Entrevistado em julho, Kevin Burns, presidente executivo da JUUL, pediu “desculpa” pelo fenómeno. Questionado sobre o que diria aos pais de um adolescente viciado nos produtos da empresa, Kevin Burns respondeu: “Não é para eles. Espero que não tenhamos feito nada que os torne atraentes. Como pai de um jovem de 16 anos, sinto muito por eles e tenho empatia pelos desafios que estão a enfrentar”.
Isso foi em finais de 2017. Ano e meio depois, em julho de 2019, a epidemia prosseguia. E James Monsees, co-fundador da JUUL Labs e líder da equipa de desenvolvimento de produtos, era chamado para ser ouvido por um comité para apurar “o papel da JUUL na epidemia de nicotina entre jovens”.
O problema adensou-se ainda mais em agosto deste ano, quando uma pessoa morreu após ter usados cigarros eletrónicos com sabores e outras 200 ficarem doentes por causa do mesmo produto. Desde então, o número de vítimas mortais subiu para seis. E o número de doentes já se aproxima dos 500.
Mas, em conferência de imprensa em Lisboa, Grant Winterton, presidente da JUUL Labs para a Europa, Médio Oriente e África, distanciou-se da crise dos cigarros eletrónicos nos Estados Unidos: “Há duas coisas que gostava de dizer. Todos viram os relatórios das seis mortes nas últimas semanas. A CDC está a investigar essas mortes nos Estados Unidos. O comunicado deles diz que parecem estar relacionados com o THC, uma substância da canábis. Neste momento, a investigação não se direciona para os produtos com nicotina da JUUL”, começa por defender o empresário.
Além disso, Grant Winterton também sublinhou que “o conselho das autoridades nos Estados Unidos é a não utilizar produtos oficiais que não foram testados”: “Os nossos produtos foram testados. Não vemos sinais de termos contribuído estes danos. E na Europa nada se tornou aparente. Por isso, espero que a CDC continue a clarificar isto”. Para o presidente, essa polémica não vai prejudicar a chegada da JUUL a Portugal: “É mais justo compararmos a realidade portuguesa à que encontramos noutros países da Europa. E lá não temos tido problemas”.
“Não somos um produto para deixar o vício da nicotina”
Nesta quinta-feira, a JUUL apresentou-se como uma alternativa para os 1,6 milhões de fumadores adultos em Portugal, onde, de acordo com a Direção-Geral da Saúde, 10% das mortes são atribuídas a doenças provocadas pelo consumo de tabaco. Segundo o relatório da GFK Portugal, que inquiriu 2.204 pessoas, 17% dos fumadores em Portugal deixaria de fumar se houvesse “melhores alternativas” ao produto. É nesse mercado que a JUUL quer entrar, anunciou a marca.
“A JUUL não contém tabaco nem gera combustão e, portanto, não produz monóxido de carbono ou qualquer um dos mais de sete mil componentes nocivos presentes no tabaco”, argumenta a marca. Quanto à nicotina, uma substância viciante que entra na composição destes cigarros, a empresa responde que “não está associada aos múltiplos problemas de saúde causados pelos cigarros”.
Na conferência de imprensa desta manhã, Nelson Patrício, diretor-geral da JUUL Labs em Portugal, admitiu que a empresa “quer mover-se na direção de ajudar as pessoas a deixarem o vício do tabaco”. Questionado pelo Observador sobre o motivo pelo qual não têm, então, concentrações de nicotina ainda mais baixas — talvez até cápsulas sem essa substância para quem tem apenas o vício do gesto —, Nelson Patrício responde que essas alternativas “não provaram ser eficazes nos testes”. Quem as usava, voltava a fumar cigarros tradicionais.
Mas Grant Wonterton é mais cauteloso no posicionamento da marca sobre esta questão: “Não podemos dizer que somos uma empresa com um produto que ajuda na cessação da dependência da nicotina. Queremos ser a porta de saída do mundo do tabaco e, se possível, da nicotina também. Mas não nos podemos posicionar assim porque não sabemos quantas pessoas deixaram e quantas não deixaram de estar viciadas na nicotina depois de utilizarem a JUUL”.
Uma alternativa “menos nociva”?
Numa carta publicada na segunda-feira, a FDA acusa a JUUL de ter “rotulado ilegalmente os produtos como sendo mais seguros que os cigarros normais”: “A lei é clara. Antes de comercializar produtos de tabaco com risco reduzido, as empresas devem demonstrar com provas científicas que o produto específico realmente representa menos risco e é menos prejudicial. A JUUL ignorou a lei e fez algumas dessas declarações”, acusa a organização.
Até agora, a JUUL reagiu com diplomacia e respondia apenas que estava a “colaborar” com as autoridades de saúde. No anúncio da entrada no mercado português, no entanto, Grant Winterton foi mais longe: “O ideal é não fumar de todo, mas há estudos independentes no Reino Unido e na Alemanha que comprovam que somos uma alternativa menos nociva. E esses são dos países que mais têm investido no esforço para acabar com o consumo do tabaco”.
Grant Winterton está a falar, por exemplo, dos resultados de um estudo da Public Health England, um departamento do Ministério da Saúde do Reino Unido, que em 2015 afirmava que “os cigarros eletrónicos são cerca de 95% menos prejudiciais que os cigarros tradicionais”: “Os cigarros eletrónicos não são completamente isentos de riscos, mas quando comparados ao cigarro tradicional, as evidências mostram que provocam apenas uma fração dos danos”, diz o comunicado da instituição.
De resto, o departamento de saúde britânico também afirma que os cigarros eletrónicos podem ser um auxílio para quem quer deixar de fumar: “As evidências sugerem que algumas das taxas de abandono bem sucedidas mais altas agora são vistas entre os fumadores que utilizaram o cigarro eletrónico e que também recebem apoio adicional dos seus serviços locais com o objetivo de parar de fumar”.
Isso vai ao encontro de uma das missões anunciadas pela JUUL para o mercado português: ajudar os fumadores adultos a deixarem o vício, uma vez que 38% deles nunca conseguiu e 17% nunca sequer o tentou, mas consideraria fazê-lo se “houvesse alternativas melhores do que as existentes”. “As terapias de substituição de nicotina, como os adesivos de nicotina e goma, são menos eficazes do que os cigarros eletrónicos”, argumenta a marca. Segundo a empresa, que cita um estudo do The New England Journal of Medicine, “18% dos utilizadores de cigarros eletrónicos não fumam passado um ano, enquanto nas terapias de substituição apenas 9,9% deixam a nicotina”.
Quanto à resposta das autoridades de saúde portuguesas, Nelson Patrício afirma que encontrou “abertura para falar da redução dos riscos do consumo de cigarros”. “Demo-nos a apresentar e a reação foi positiva”, garante.
Mas a Sociedade Portuguesa de Pneumologia coloca reservas ao sucesso dos cigarros eletrónicos no abandono do hábito de fumar: “Não há dados científicos suficientes para recomendar o cigarro eletrónico na cessação tabágica”, argumenta a instituição. E prossegue: “A comunidade médica não deve recomendar aos seus doentes o uso complacente de cigarros ou de dispositivos eletrónicos de dispensa de nicotina”.