O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, deu a entender que não assinará o diploma do Prémio Camões concedido ao compositor e escritor Chico Buarque, cuja entrega formal está prevista para abril do próximo ano, em Portugal.
A informação é avançada pelo jornal Folha de São Paulo, que conta que, ao ser questionado sobre a assinatura do documento, Bolsonaro respondeu que a decisão era “segredo”, para em seguida acrescentar: “Até 31 de dezembro de 2026, eu assino”. A data referida por Jair Bolsonaro coincide com o final do um segundo mandato presidencial, caso fosse reeleito em 2022.
Chico Buarque é um apoiante do Partido dos Trabalhadores (PT), defensor do ex-Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e crítico do governo de Jair Bolsonaro. O cantor já reagiu, considerando que a eventual recusa de Bolsonaro em assinar o seu prémio equivalerá a “uma dupla distinção”.
“A não assinatura do Bolsonaro no diploma é para mim um segundo Prémio Camões”, escreveu o artista brasileiro na sua conta oficial da rede social Instagram.
À Rádio Observador, Clara Rowland, uma das juradas do Prémio Camões, afirma que esta é uma notícia “triste” para todos, porque “sugere uma leitura do prémio que se enquadra nas ações de censura à cultura que temos visto virem do Brasil”.
O Ministério da Cultura de Portugal garantiu entretanto que o Prémio Camões será entregue a Chico Buarque na altura que melhor convier à tutela e ao vencedor, estando já em curso o processo de marcação de data.
“A cerimónia de entrega do Prémio Camões a Chico Buarque realizar-se-á em Portugal, conforme ditam as regras, na data que for conveniente a quem entrega e a quem recebe o Prémio. Está em curso o processo para marcação da data”, disse fonte do Ministério da Cultura à agência Lusa. A posição do Ministério da Cultura foi assumida na sequência da notícia de que o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, poderia não assinar o diploma de atribuição do Prémio Camões ao compositor e escritor Chico Buarque.
O valor total do prémio é de 100 mil euros, divididos entre Brasil e Portugal. A parte que cabia ao governo foi paga em junho, e a assinatura do diploma é apenas uma formalidade, mas o documento poderá chegar às mãos do músico sem a assinatura do presidente do Brasil.
O assunto dividiu o governo de Bolsonaro, com alguns mais moderados a defender que este deveria cumprir a tradição de assinar o documento e evitar um constrangimento com Portugal, e outros, de mais próximos do presidente brasileiro, a considerar importante o “gesto político”, posicionando-se contra o uso de recursos públicos em ações que consideram não prioritárias, de acordo com a imprensa brasileira.
No passado dia 20 de setembro, a revista Veja, com sede em São Paulo, noticiou que o diploma assinado pelo Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, já se encontrava em Brasília, no gabinete do ministro da Cidadania, Osmar Terra, que tutela a Cultura, à espera da assinatura de Bolsonaro.
Chico Buarque foi anunciado vencedor do Prémio Camões 2019, no dia 21 de maio, após reunião do júri, na Biblioteca Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro. Buarque fora já distinguido duas vezes com o prémio Jabuti, o mais importante prémio literário no Brasil, pelo romance “Leite Derramado”, em 2010, obra com que também venceu o antigo Prémio Portugal Telecom de Literatura, e por “Budapeste”, em 2006.
Escritor, compositor e cantor, Francisco Buarque de Holanda nasceu em 19 de junho de 1944, no Rio de Janeiro. Estreou-se nas Letras com o romance “Estorvo”, publicado em 1991, a que se seguiram obras como “Benjamim”, “Tantas palavras” e “O Irmão Alemão”, publicado em 2014.
Em 2017, venceu em França o prémio Roger Caillois pelo conjunto da obra literária.
Chico Buarque é um dos nomes em destaque na edição deste ano do festival de cinema DocLisboa, com a exibição do filme “Chico: Artista Brasileiro”, de Miguel Faria Jr., no próximo dia 18, no cinema São Jorge, em Lisboa. O documentário, que retrata a vida e obra do músico e escritor, foi recentemente retirado do programa de um festival de cinema no Uruguai, por pressão do governo Bolsonaro e da embaixada brasileira naquele país.
O Prémio Camões de literatura em língua portuguesa foi instituído por Portugal e pelo Brasil em 1988, com o objetivo de distinguir um autor “cuja obra contribua para a projeção e reconhecimento do património literário e cultural da língua comum”. Foi atribuído pela primeira vez, em 1989, ao escritor Miguel Torga. Em 2018 o prémio distinguiu o escritor cabo-verdiano Germano Almeida, autor de “A ilha fantástica”, “Os dois irmãos” e “O testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo”, entre outras obras.
Atualizado às 19h00 com reação de Chico Buarque