Há mãos que se fundem no barro, há a delicadeza dos pincéis, há o afago da cerâmica, e há a pintura de obras e de vidas. São 135 anos de aniversário de uma das fábricas mais emblemáticas do país, com direito a presente de Vhils, um dos artistas portugueses de arte urbana com maior expressão mundial. Tem paredes suas em muitos pedaços de Mundo, desde Nova Iorque a Xangai, mas foi o universo de Bordallo Pinheiro que pretendeu honrar neste convite.
Quimera é a terceira peça da coleção World Wide Bordallianos, que assinala os 135 anos da Fábrica Bordallo Pinheiro, apresentada esta terça-feira, 29 de outubro, nas Caldas da Rainha. Um prato de parede de grandes dimensões que recupera uma técnica secular aplicada nas primeiras peças produzidas pela Fábrica, no século XIX. Nesta obra, Alexandre Farto aka Vhils, expõe a essência do génio de Raphael Bordallo Pinheiro, o desenhador, o caricaturista, o ilustrador, o decorador, o jornalista e o professor que decidiu, em 1884, revolucionar as artes tradicionais da cerâmica, fundando a Fábrica das Faianças Artísticas Bordallo Pinheiro, num movimento de originalidade e irreverência, evocando o legado singular que o autor gravou na história da cerâmica portuguesa.
O artista desenvolve um exercício de aproximação entre o seu universo e o de Bordallo Pinheiro, através de um trabalho de experimentação e de partilha de conhecimento artístico com a fábrica. Desafia limites técnicos e artísticos, mas, sobretudo, rende uma homenagem a todos os trabalhadores da empresa, os de hoje e os de sempre.
Ao Observador, confessou o sentimento desta rara fusão artística. “Foi incrível trabalhar com os artesãos, muitos deles com décadas de serviço, que todos os dias continuam a aperfeiçoar técnicas especializadas de grande pormenor, cuidado e atenção”, refere. O acolhimento e a abertura de todos desde o primeiro dia marcaram o processo criativo da obra, durante quase dois anos, desde que lhe foi lançado o desafio. “Criou-se um intercâmbio de ideias muito interessante e alguns tiveram também oportunidade de visitar o meu estúdio”, revela.
Foram praticamente dois anos de trabalho, num processo que implicou várias fases e ajustes, com muita experimentação pelo meio. “No final, decidimos avançar com o uso do jato de areia que confere à peça um elevado grau de detalhe, e depois, chegámos à pintura com vidrados cerâmicos a pincel, que dada a sua imprevisibilidade, torna cada peça única e irrepetível”.
Também Nuno Barra, administrador da Bordallo Pinheiro, coloca o trabalho de Vhils num regresso às origens do seu fundador, para quem nada na arte era “impossível”.
Quanto à figura feminina de perfil da obra, Vhils explica que é um rosto anónimo, à imagem das caras que trabalha pelo mundo inteiro. “Pode ser qualquer um de nós, mas pode ser também qualquer um dos funcionários da fábrica, gerações de artesãos que continuam a trabalhar com a finalidade de levar para o futuro o legado de Bordallo Pinheiro”, ressalva, lembrando o desejo de que Quimera represente também o conceito de democratização da arte, sempre fiel à obra do mestre Raphael.
Na fábrica da Bordallo Pinheiro, com cães, gatos, lagostas e rãs
A coleção WWB da Bordallo Pinheiro prevê um lançamento anual com nomes nacionais e internacionais ligados às áreas criativas das artes plásticas, do design e da moda. Em 2017, Paula Rego criou Figo, seguindo-se Banana Prata Madeira, da autoria de Nini Andrade Silva. Quimera foi a de 2019, numa edição exclusiva limitada a 135 exemplares numerados.
A peça Quimera está disponível para subscrição nas lojas Bordallo Pinheiro e Vista Alegre. Custa 3900 euros.