Morreu Eduardo Nascimento, o cantor do grupo Os Rocks que representou Portugal no Festival Eurovisão da Canção com a música “O Vento Mudou”. Tinha 76 anos. Angolano nascido em Luanda, foi dos primeiros artistas com raízes africanas a representar um país europeu naquele evento musical. Aconteceu em 1967, apenas um ano antes de Milly Scott ter entrado para a história da Eurovisão como o primeiro africano a pisar aquele palco. A notícia foi confirmada ao Observador por Nuno Nazareth Fernandes, compositor que assinou a música do tema “O Vento Mudou”.
A canção valeu o 12º lugar a Portugal na Eurovisão de 1967, o mesmo ano em que Eduardo Nascimento gravou o primeiro EP com Os Rocks — “Decca Pep 1173”. Ainda gravou mais um disco com o grupo, “Decca Pep 1233”, antes de ter regressado a Angola em 1969 e ter abandonado a carreira musical. Depois disso, trabalhou na TAP, ajudou a abrir a transportadora angolana TAAG, depois a companhia aérea cabo-verdiana TACV, e passou pela EuroAtlantic Airways.
Ainda este ano, Eduardo Nascimento regressou aos palcos para atuar no Festival da Canção e repetir a performance de “O Vento Mudou”, desta vez ao lado dos Cais Sodré Funk Connection.
Numa entrevista ao Diário Notícias no ano passado, contou que regressou a Angola por saudades do Jardim de Miramar. Depois voltou a Lisboa e morava em Linda-A-Velha há 46 anos. Na vida que estabeleceu nas companhias áreas, conheceu José Saramago e Manoel de Oliveira em viagens de avião, contou ao Diário de Notícias: “São estes os homens, aquilo que transmitem na sua obra é o que transmitem como pessoas, o trabalho deles tem cheiro, tem som, as palavras mexem-se”.
A entrada no mundo da música fez-se com três amigos, Fernando, Luís e João, todos irmãos; e Filipe de Andrade, um português que foi para Luanda pelo serviço militar e que, por cá, atuava no grupo Os Dois Rapazes. “Ouvíamos música de manhã à noite”, contou Eduardo nessa entrevista, que se inspirava na música em inglês — sobretudo de Elvis, Bill Haley e B.B. King — para criar folclore angolano.
O grupo viajou para Portugal pela primeira vez num avião da Força Aérea que levava a equipa da Académica para Lisboa. Ficaram numa pensão, atuaram no Monte Estoril e só voltaram quatro meses depois, quando as férias acabaram. Com a ajuda de jornalistas como Charula de Azevedo, diretor do Notícia, Acácio Barradas e Adelino Tavares da Silva, Eduardo e os amigos compraram instrumentos e materiais para a banda. Até àquele momento, as duas guitarras e a bateria tinham sido feitos à mão.
Eduardo Nascimento e Os Rocks voltariam a Lisboa pouco depois. Tinham vencido uma fase do Concurso Ié-Ié em Angola e iriam à final em Portugal. Foi nessa ocasião que conheceu Nuno Nazareth Fernandes e João Magalhães Pereira, compositor e letrista de “O Vento Mudou”. A música estava pronta. Só faltava quem lhe desse voz e, para Nuno e João, a de Eduardo Nascimento era a ideal: “Queríamos que tu que levasses isto ao Festival da Canção”, recordou ele numa entrevista ao DN em 2018.
A partir daí, “O Vento Mudou” foi interpretada pelos UHF, pelos Delfins e por Adelaide Ferreira, por exemplo. Não ganhou — ficou em 12º lugar. Porquê? “Até ao ano passado, com o Salvador Sobral, a RTP nunca quis ganhar o festival. Porque era um trabalho desgraçado, Portugal não estava preparado para isso. Não investiam. Eu fui com cinco pessoas, incluindo dois da Valentim de Carvalho e o maestro Tavares Bello. A Sandie Shaw ia com 30 pessoas e faziam programas em direto para toda a Commonwealth”, analisou ele ao DN.
Na equipa de Eduardo Nascimento ia um membro da PIDE, recordou o cantor, por causa da ligação dele ao MPLA de Angola, defensor da independência do país. Quando regressou a Portugal, entregou o passaporte que lhe tinham passado para as mãos para ir a Viena e pouco depois regressou às raízes. Em 1973, tornou-se diretor da TAP em Angola — estava no aeroporto em Luanda a 11 de novembro de 1975, o dia da independência. Desde então que, especialista em pontes aéreas, foi chamado a abrir companhias aéreos em África.