“Senhora advogada, sabe porque é que o Filipe está atrasado? Bom, antes de começar, os senhores arguidos que se coloquem de pé. O tribunal exige um melhor comportamento, um comportamento adequado, porque quem se comporta assim e está em prisão domiciliária pode ver essa medida de coação agravada e vão ali para o outro lado. Relembro a medida de coação que têm, os factos, a pena em causa. Quem está a ser julgado por isto devia ter outro tipo de comportamento. Estou farta que me sejam reportados incidentes, com maior ou menos gravidade, e recordo que a medida de coação pode ser agravada para prisão preventiva. Só vou dizer isto uma vez”. Foi assim que começou o sexto dia de julgamento, ainda no rescaldo da detenção de um arguido no final da sessão vespertina de terça-feira. Mas a juíza Sílvia Rosa Pires não se ficou por aí e pormenorizou mais alguns casos que têm vindo a ocorrer no Tribunal de Monsanto.
[O resumo da sessão do dia 5]
Alcochete. Arguido levado para a esquadra teve “comportamentos impróprios” com os polícias
“Senhor Hugo Ribeiro? Vou averiguar se esteve ou não em casa. Recordo a todos que qualquer outro caminho que façam que não seja casa-tribunal e tribunal-casa necessita de autorização. Senhor Calixto? O Tribunal deu autorização para ver o seu avô mas doravante é assim: comunicam à PSP, esperam pelo que nós dizemos e depois podem ou não ir. Senhor Domingos? Houve um incidente, já estive a tentar perceber o que se passou e estão sempre a reportar o seu mau comportamento. Se continuar com esse comportamento, o Tribunal pode ter de agravar a sua medida de coação”, acrescentou. Cinco minutos depois, os “avisos” estavam todos feitos.
[O resumo do dia 4 do julgamento]
O estado de Bas Dost e Jesus, segundo o sargento Fábio Castro
Ainda antes da audição da primeira testemunha, Miguel Coutinho, advogado do Sporting, pediu para que as datas dos jogadores do Sporting em Monsanto fossem alteradas por questões laborais: como os leões jogam no domingo em Barcelos para o Campeonato e também com o Gil Vicente fora na quarta-feira para a Taça da Liga, ficando assim em estágio no Minho, foi pedido para que Wendel, Acuña, Battaglia, Luís Maximiano, Coates, Ristovski e Bruno Fernandes fossem dispensados de aparecer entre segunda e quarta-feira da semana seguinte, referindo ainda que João Rolin, secretário técnico, ou Paulo Cintrão, responsável da comunicação, podiam ocupar essas vagas na recalendarização. Miguel A. Fonseca, advogado de Bruno de Carvalho, mostrou-se contra a remarcação das audições dos jogadores do Sporting, falando da necessidade de haver prazos legais para serem cumpridos. A questão ficou adiada para a parte da tarde mas a juíza chegou a dizer que não faria sentido ouvir os atletas, que estariam em estágio com o restante plantel do Sporting, por Skype (até porque muitos outros jogadores terão de prestar assim o seu depoimento). Mais tarde, confirmou a remarcação das audiências.
Começou depois a ser ouvido o último militar da GNR entre as testemunhas do Ministério Público, o 1.º sargento Fábio Castro. Explicando que estava em serviço exterior na altura da primeira comunicação feita pelo Comandante do Posto, disse que esteve na interceção de uma das viaturas em fuga, neste caso o BMW X3, onde se encontravam oito arguidos, entre os quais dois na bagageiras. Foram também encontradas as balaclavas utilizadas na invasão, nenhuma delas ainda na cara dos presentes. “Coordenei o auto da notícia inicial e o relatório final. Toda a informação começou a ser centralizada e pela inerência das ocorrências iniciais assumi funções de coordenação dada a dispersão que se estavam a passar”, referiu. Depois de garantir que tudo estava devidamente tratado para levar os 23 arguidos apanhados em flagrante delito para o Posto, foi também para a Academia, onde chegou às 19h10, “mais concretamente” por volta das 19h18.
“Quando entrei na Academia, dirigi-me à ala profissional. Vi tochas deflagradas nas imediações do edifício, havia uma na zona de pasto, e tampas de tocha no corredor que dá acesso da ala profissional aos campos. Vi também impressões palmares numa das portas laterais. Os factos foram-me sendo explicados. Até ao balneário encontrava-se a testemunha Jorge Jesus, que tinha um edema na face, um avermelhado, que mais tarde vim a saber a causa. Desloquei-me para o balneário, havia uma porta danificada, e no interior vi tochas deflagradas, garrafas de água espalhadas, peças de vestuário e calçado dos jogadores, um garrafão de água disperso e um dos lavatórios apresentava uns químicos, onde parecia que tinha sido apagada uma tocha. Quando estava ali cruzei-me com Mário Pinto, que não tinha a camisola e apresentava um ferimento na zona abdominal pela projeção de uma tocha que chegou também ao pulso esquerdo. Vi também o Bas Dost e ele próprio exibiu o ferimento na cabeça que disse ter sofrido com um cinto”, pormenorizou.
[O resumo do dia 3 do julgamento]
De seguida, em resposta ao Ministério Público, Fábio Martins explicou também alguns factos mais burocráticos entre outros que já tinham sido ouvidas por outras testemunhas: que as imagens do sistema de videovigilância só chegaram às 5h do dia 16, que houve recolha das imagens nos parques de estacionamento do Lidl e do Aki do Montijo onde os arguidos se concentraram antes, que houve cruzamento de dados utilizado também os perfis do Facebook. Em resposta às perguntas feitas pelos advogados, o GNR acrescentou pormenores novos ou menos falados no processo, como o facto de alguns dos arguidos terem trocado de roupa entre eles. Mas era nos horários de chegada e entrada na Academia que se iam prendendo as questões.
– Já sei onde é que o doutor que chegar…
– Não sabe, não sabe…
Sandra Martins, que representa vários arguidos neste processo, quis saber o que queria dizer a frase “tivemos de alterar a estratégia de investigação”. Fábio Martins explicou que isso tinha a ver com a fase do primeiro interrogatório, por ter percebido que os telemóveis não tinham sido apreendidos e que podiam conter provas relevantes. Em paralelo, disse desconhecer a informação que houve nessa noite de que teriam de ser libertados. Mais tarde, o advogado de Ricardo Neves pediu a nulidade da prova das indumentárias do seu arguido, recolhidas apenas no dia 17. “Oh senhores doutores, isto tem de ter lógica ou a notícia era que os arguidos tinham ficado de cuecas nos calabouços”, respondeu a juíza presidente, Sílvia Rosa Pires. Amândio Madaleno começou depois a fazer as suas perguntas (como se seria possível alguém ter entrado e saído pelos muros) até um momento de maior exaltação da juíza perante a pergunta “Sabe de que cor era o tal cinto?”.
– Isto não é uma risota, não é uma brincadeira, é um julgamento sério. Vai para o palanque, faz o espetáculo, os seus vão-se rindo… Não vamos dar menos dignidade a isto”, atirou.
[O resumo do dia 2 do julgamento]
Na parte final de uma inquirição de cerca de três horas antes da interrupção para almoço neste sexto dia de julgamento, Fábio Castro assumiu que se via bem tratar-se de uma invasão organizada. “A entrada foi organizada, lá dentro aí sim andaram dispersos, depois voltar a agrupar-se na saída. Não sei se houve indicações concretas de alguém, sei que atearam em grupo e estiveram sempre coordenados”, salientou, antes de ser confrontado com uma disparidade entre a hora em que o conteúdo dos telemóveis no Núcleo de Coimbra começou a ser analisado (29 de maio, 22h) e a conclusão da promoção do Ministério Público (30 de maio, 15h55). “Houve uma ordem verbal e no dia seguinte entendeu dar esse despacho. Mas isso nada influencia a sua legitimidade”, defendeu o 1.º´sargento da GNR a propósito de uma das maiores provas que existem no processo: as conversas entre os arguidos em três grupos do WhatsApp.
Rocha Quintal e Miguel A. Fonseca foram os dois últimos advogados a intervir. O primeiro, que defende Nuno Mendes, líder da Juventude Leonina, quis saber mais sobre as ações de vigilância ao arguido e a detenção. “Não foram feitas rotinas na sede da Juve Leo antes da detenção, não tenho essa informação. Se algum agente da GNR acompanhou Nuno Mendes ao estrangeiro? Desconheço por completo. Houve intercepções telefónicas mas nada de relevante. Não falámos com o proprietário do imóvel onde ele vive”, respondeu Fábio Castro. “Esta testemunha assina um relatório final que depois deu origem à acusação”, destacou Rocha Quintal, voltando a referir a inexistência de provas diretas que liguem Musta às 15.6 gramas de cocaína encontrada na sede. Já o advogado de Bruno de Carvalho voltou a perguntar o porquê de Pedro Silveira, que esteve na lista de Frederico Varandas nas eleições (acabando por sair antes), estar no grupo de WhatsApp e não ter sido investigado. “Se não foi é porque considerámos que não era pertinente”, frisou Fábio Castro.
Segurança de Alcochete foi avisado mas achou “que era a gozar”
A sessão vespertina, também com um ligeiro atraso em relação às 15h30 inicialmente marcadas, começou com o pedido por parte de Rocha Quintal para que a medida de coação de Nuno Mendes, um dos dois arguidos em prisão preventiva (o outro é Elton Camará, por ter violado a prisão domiciliária), fosse revista, alegando que não existe qualquer prova de que a droga existente na Casinha da Juventude Leonina (as tais 15 gramas de cocaína, num frasco com arroz) lhe pertencesse. De acordo com o advogado, os vários militares da GNR ouvidos nas primeiras sessões, que estiveram ligados a buscas e vigilâncias, não apresentaram qualquer evidência “a não ser o facto de ser presidente da Associação Juventude Leonina”. “Pela mitigação de todos os pressupostos da acusação de tráfico de droga, peço uma medida não privativa da liberdade”, rematou.
Rui Falcão foi a única testemunha do Ministério Público chamada na parte da tarde. Segurança na portaria da Academia há quase dez anos, num regime de trabalho dois dias das 8h às 20h e dois dias de folga, explicou o processo de entrada e registo de matrículas: os funcionários e atletas estão autorizados, depois há pessoas que vão para reuniões e entram quando for confirmado, os pais de jovens que jogam na formação. “Normalmente as pessoas vêm de carro e desde que tenham autorização, os carros entram”, resumiu.
Em paralelo, o vigilante confirmou que já aconteceu, “umas duas outro três vezes” desde que exerce funções, outras presenças de adeptos em dias de treino, um grupo com cerca de 20 elementos. “Devido aos resultados, quando são maus. Dessas vezes, disseram que queriam falar com os atletas, ligava ao diretor de segurança e o Ricardo Gonçalves acompanhava-os para isso. Chegaram-me a avisar antes ‘Olha, vai chegar aqui um grupo de adeptos’ porque o diretor de segurança já sabia. A entrar a correr ou de caras tapadas? Não”, contou, dizendo que, no dia da invasão, ninguém o informou previamente de que iria acontecer.
[O resumo do dia 1 do julgamento]
“Só estavam os jornalistas e de repente veio esse grupo. Tinha entrado uma viatura do Ecoponto a dizer que vinha aí um grupo de gajos vestidos de preto mas achava que estava a gozar, que era um indivíduo do Benfica a gozar comigo. Por isso, não acreditei”, admitiu, antes de recordar os momentos da invasão. “Estava a falar com o pai de um atleta cá fora, vi os jornalistas a correrem para dentro e começou a entrar o grupo, com um dos primeiros a dizer também por gestos para estar sossegado. Era impossível meter-me à frente deles. Por isso, liguei ao Ricardo Gonçalves, avisei-o do que se passava, ouviu e desligou logo, sem fazer mais nenhuma referência. Fiquei a ver o que se passava pelas câmaras, depois vi um segundo grupo a entrar mas esse nem disse nada, e depois vi-os a correr, a saírem pela porta”, salientou, dizendo que Ricardo Gonçalves lhe ligara para que transmitisse à GNR que todos os elementos já tinham saído do espaço.
Rui Falcão falou também do BMW azul que entrou depois da invasão à Academia, referindo que foi Ricardo Vaz, do Gabinete de Apoio de Atleta, que lhe ligou dando autorização para que o carro passasse, algo confirmado com o chefe de segurança, Ricardo Gonçalves. Sabia apenas que era para ir buscar algumas pessoas que estavam no lado da formação, embora o seu companheiro de segurança tivesse comentado que eram das claques”. “Senti o medo normal, de quem vê um grupo daqueles entrar com as caras tapadas”, acrescentou, antes de ir junto da juíza com vários advogados mostrar os ângulos de cada uma das câmaras e explicar que estavam todas a funcionar – à exceção daquelas que não chegam à zona da portaria. E ainda houve mais uma reprimenda da juíza Sílvia Rosa Pires ao advogado Amândio Madaleno, por uma questão sobre os jornalistas que estavam desde manhã nesse dia à porta da Academia. “Não está a fazer perguntas, não está. Faz isso constantemente e daqui a pouco corto-lhe a palavra”, atirou. Não foi necessário. E a sessão terminou pouco depois, com perguntas de Miguel A. Fonseca.
– Não acha estranho que os jornalistas não estivessem assustados?
– Eu acho que estavam, entraram de rompante, deviam estar…
– Mas se estavam não deviam ter começado a correr?
– Pois, não sei… Sei que entraram de rompante e ficaram ali à direita.
– Olhe, eu se visse um animal selvagem ele tinha de correr muito para me apanhar…
O sexto dia de julgamento fechou com a agenda da próxima semana. A juíza anuiu a que os jogadores do Sporting não viessem por estarem em estágio em Barcelos entre os jogos do Campeonato (domingo) e da Taça da Liga (quarta-feira), marcando apenas para o dia 2 (segunda-feira, de manhã e à tarde) o chefe de segurança da Academia, Ricardo Gonçalves, e ficando para os restantes dias João Rollin (secretário técnico, dia 3 de manhã), Manuel Fernandes (na altura chefe do departamento de scouting, dia 3 de manhã), Paulo Cintrão (responsável da comunicação, dia 3 à tarde), Raúl José (ex-adjunto de Jorge Jesus, dia 4 de manhã), Miguel Quaresma (ex-adjunto de Jorge Jesus, dia 4 de manhã) e Nelson Pereira (atual coordenador do gabinete de guarda-redes, dia 4 à tarde).
Em relação aos jogadores, ficaram marcados para dia 9 (Luís Maximiano de manhã, Wendel e Mathieu à tarde), dia 10 (Ristovski e Bruno Fernandes à tarde), dia 17 (Acuña e Battaglia à tarde) e dia 19 (Coates).