O alarme a soar, um cheiro intenso a fumo, tochas queimadas e vários objetos espalhados pelo chão. Foi assim que os dois militares da GNR, que esta segunda-feira já foram ouvidos no Tribunal do Monsanto, encontraram o balneário da academia do Sporting, em Alcochete, a 15 de maio, pouco depois de um grupo de adeptos ter entrado e agredido jogadores e equipa técnica.

Ao quarto dia de julgamento – com o ex-responsável pela Juve Leo a comparecer pela primeira vez para entregar comprovativos médicos que justificam a sua ausência – o militar do Núcleo de Investigação Criminal (NIC) da GNR do Montijo, João de Matos, lembrou que foi à academia acompanhado do cabo Santos, ambos à civil e num carro descaracterizado, próprio das suas funções de investigação criminal. Chegou lá pelas 17h40, enquanto outros colegas tentavam intercetar os suspeitos que se puseram em fuga.

À entrada estava um vigilante (que será ouvido quinta-feira) que lhes indicou onde tudo tinha acontecido, na ala profissional. O responsável pela segurança, Ricardo Gonçalves, levou os militares a todos os locais. Mais de um ano depois, o guarda recorda que a porta de acesso a esta ala, que deveria ser automática, estava a meio, como que avariada por ter sido forçada. O alarme estava a tocar e havia pingos de sangue no chão até chegar ao balneário. Aqui os militares depararam com várias peças de roupa de treino pelo chão, incluindo uma camisola do Sporting que estaria queimada na zona da barriga.

Havia também um garrafão de água de 25 litros no chão – que segundo o despacho de acusação foi usada para lançar contra Rodrigo Battaglia. O militar viu ainda garrafas mais pequenas, tochas queimadas e uma fivela de um cinto — o que, também de acordo com a acusação, foi usada para atingir Bas Dost, que sofreu ferimentos na cabeça.

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Tanto João de Matos como o colega que foi ouvido antes, Antero Vitoria, foram os primeiros dos oito militares que já foram ouvidos em Monsanto a afirmar que viram jogadores e equipa técnica com ferimentos. João de Matos lembra-se que Bas Dost sangrava da cabeça, que o então treinador Jorge Jesus tinha um “vermelhão na face”, e que havia ainda dois elementos da equipa técnica que tinham sofrido ferimentos, um na face outro na barriga.

Perante o cenário que encontraram, os militares perguntaram às vítimas se queriam avançar com queixa-crime e se queriam que chamasse uma ambulância. À primeira questão responderam afirmativamente, à segunda disseram claramente que não precisavam. Se fosse necessário que iriam pelos próprios meios.

João de Matos disse ainda, respondendo à procuradora do Ministério Público, que participou também na busca domiciliaria feita à casa do arguido Filipe Alegria, no Barreiro. Além da roupa que usava no dia do ataque, os militares encontraram dois potes de fumos numa caixa, dentro de um saco, no quarto que dividia com o irmão mais novo. Na sala foi apreendida uma tocha.

As buscas à Casinha

Antes de João de Matos foi Antero Vitória, também do NIC, quem falou. Além de ter estado na Academia e de ter encontrado um cenário semelhante ao do colega, Antero Vitória participou também em duas buscas feitas à Casinha, a sede da claque Juve Leo junto ao estádio de Alvalade.

O militar contou que, na primeira busca, dias depois do ataque, foram recebidos por Jojó, uma personagem já falada em julgamento por ser o porteiro da casinha. Desta vez encontraram tochas, um bastão em madeira e um bastão da PSP. Também encontraram haxixe escondido no esquentador.

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Já na segunda busca, além de Jojó estava o líder da Juve Leo, Nuno Mendes (mais conhecido por Mustafá) — a busca decorreu no dia em que foi detido em casa e levado à sede da claque.

Nesta segunda busca, a sede tinha já sido alvo de obras de reestruturação, e o militar conta que o que encontrou no botão foi um cenário “dantesco”, com tudo desarrumado. Foi ali que os militares encontraram cocaína num frasco de arroz, assim como sacos plásticos que, segundo suspeitam, seriam para acondicionar a droga para venda.

Mas o que é que isto está aqui a fazer?, perguntou Nuno Mendes

Isso não é meu, isso não é meu, insistiu Jojó.

A troca de palavras durou alguns minutos, segundo testemunhou o militar da GNR. E a propriedade da droga acabou imputada a Nuno Mendes, que é agora um dos 44 arguidos, um dos dois que permanece em prisão preventiva.

Ainda o sistema de videovigilância da Academia

Também na quarta sessão de julgamento as imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância da academia voltaram a ser questionadas pelo advogado de Bruno de Carvalho, Miguel A. Fonseca, que insiste que há imagens que não aparecem. O militar João Matos afirmou que pediu estas imagens ao responsável pela segurança, Ricardo Gonçalves, mas que um problema técnico impediu que elas fosse entregues de imediato. Estas imagens só chegaram á GNR já de madrugada.

— O diretor de segurança chamou os técnicos de Alvalade para dar assistência técnica e nós chamámos os nossos técnicos da GNR para acompanhar e salvaguardar a prova, disse o militar.

A testemunha foi também um dos militares que selecionou as imagens do sistema de videovigilância que constam no processo. O advogado do ex-presidente do Sporting quis saber se ele encontrou cortes ou partes escuras num dos vídeos. Ele disse que não.

A sessão foi interrompida para almoço, com Fernando Mendes a justificar aos jornalistas, à porta do tribunal, que se ausentou por motivos de doença, mas que foi convocado a comparecer. À juíza disse que não queria, por ora, prestar declarações. E entregou comprovativos da sua doença.

À tarde, o cabo Santos traria luz aquilo que foi uma falha do sistema de videovigilância. O militar contou que acompanhou Ricardo Gonçalves para ir buscar as imagens do sistema de videovigilância e que o vou admirado e surpreendido, quando percebeu que havia uma falha na gravação precisamente às 17h18, minutos antes do ataque — tendo ligado para Alvalade, onde o sistema é monitorizado, pedindo ajuda técnica. Daí só existirem imagens dos adeptos a entrar na academia. Nada mais.

“Fiquei com a suspeita de que não queriam mostrar as imagens”, acabou por dizer, repetindo-o ao advogado Pedro Madureira que lhe voltou a perguntar. “Mas isso é uma convicção da testemunha”, ressalvou a juíza presidente Sílvia Pires. Dada a falha no sistema, os militares chamaram técnicos da GNR ao local, para assistirem à recolha de prova e à sua preservação. As imagens foram entregues apenas às 5h. O Cabo Santos contou também que Ricardo Gonçalves admitiu ainda que pelos duas das câmaras do espaço não estavam a funcionar.

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O julgamento prossegue esta terça-feira com dois militares da GNR a serem ouvidos de manhã e dois elementos da PSP, que colaboraram na investigação, a prestarem declarações à tarde. Para quinta-feira, a sexta sessão, está marcado o último militar da GNR a ser ouvido, que assinou com outro o auto de notícia do ataque. Há ainda um militar por ouvir que se encontra em missão no estrangeiro. Na parte da tarde começam a ser ouvidos os funcionários do Sporting, mais concretamente o segurança da academia.

Os primeiros militares a serem ouvidos contaram como tomaram conhecimento do caso, a 15 de maio de 2018, e como começaram a investigar. Alguns advogados aproveitaram os depoimentos para pedir à juíza para anular o auto e notícia do caso.

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