As mensagens trocadas entre os arguidos do caso Alcochete foram fundamentais para identificar e encontrar novos suspeitos, segundo um militar da GNR ouvido esta quinta-feira na sessão matinal do dia 3 do caso de Alcochete no Tribunal de Monsanto. José Monteiro garantiu que não houve mensagens enviadas ou reencaminhadas por nenhum dos invasores a Bruno de Carvalho. Ao longo do dia houve a audição de mais dois militares da GNR que estiveram de alguma forma ligados a tudo o que aconteceu durante e depois do ataque à Academia do Sporting, em Alcochete, num dia onde, às vezes quase de forma despercebida, se foram sabendo mais “novidades”.

Dia 2 do caso Alcochete: o auto da GNR que os advogados contestam, as imagens “desaparecidas” e a calma de Mathieu

José Monteiro, primeiro sargento da GNR, foi a primeira testemunha a ser ouvida. Como um dos subscritores do relatório final, teve um curto período de respostas às questões do Ministério Público onde explicou a criação de uma equipa mista entre a Unidade de Intervenção da PSP (ou mais concretamente dos vulgos spotters) e o Núcleo de Investigação Criminal da GNR do Montijo e, em paralelo, a forma como tinham chegado à identificação de todos os 43 indivíduos que entraram na Academia “porque a investigação foi então centrada para identificar todos os que entraram”, como fez questão de reforçar, a 15 de maio de 2018. “E foram todos”, disse.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em resumo, e além dos 23 indivíduos apanhados logo no dia em flagrante delito, a maior parte das identificações foi feita pela equipa da PSP, “que conhecia muito bem a claque”. “Há dois relatórios que fizeram onde consta essa mesma identificação desses suspeitos com as moradas, os números de telefone, os nomes pelos quais todos eles são conhecidos”, destacou o GNR, falando depois do cruzamento que foi feito das primeiras perícias aos telemóveis aos grupos de WhatsApp para consolidar a prova. “E ainda houve a inquirição de alguns indivíduos”, disse, antes de falar nos eventos de rede que permitiram localizar os telefones de todos os indivíduos no LIDL (onde a maioria ou todos se terão encontrado) e na Academia. “Houve uma equipa de analistas a avaliar todo o material”.

A partir daqui, começaram as perguntas dos muitos advogados que marcam presença neste julgamento do caso de Alcochete. José Monteiro explicou que desde início que foi fazendo peças e que, a partir de setembro, passou a ser ele a orientar as diligências que tinham de ser feitas sendo que “o processo teve total controlo da procuradora do DIAP de Lisboa, tendo a maioria das diligências sido feitas no DIAP”. Depois, e mais concretamente, disse que se consegui identificar os 43 indivíduos que entraram na Academia mas que não se sabe o que cada um vez através das imagens por não haver câmaras no balneário. “Desses 43, houve um que foi despronunciado. Era o arguido 39”, revelou, falando de Nuno Loureiro, que tinha já um mandado de detenção porque não estava a ser possível fazer a identificação até que, “através de outro arguido e da alcunha, lá se chegou. A PSP não o conhecia”.

As 94 mensagens que mostram como foi combinado o ataque à academia Alcochete. E as provas contra Bruno de Carvalho

A temática do bruto das imagens de vídeovigilância voltou à conversa, com a juíza a aproveitar para “brincar” um pouco com a situação – “Já vi, fiz uns cortes e tudo apesar de ser aqui a minha colega que percebe de informática, mas já vi que passam das 17h30”, referiu – e alguns advogados a quererem saber se todos os adeptos entraram pela porta principal (que o GNR confirmou, dizendo que daquilo que viu não houve ninguém a fugir saltando os muros) ou mesmo se afinal houve um total de 61 adeptos dentro da Academia nesse dia. “Não tinha a mínima noção de quem são das claques e a estratégia do Ministério Público passou por criar uma equipa mista com os denominados spotters porque eles conhecem-nos de ginjeira”, atirou quando instado sobre o ponto da identificação dos arguidos. “Não, nunca tinha feito uma investigação de crimes de terrorismo”, salientou pouco depois.

Mostrando-se preparado para a inquirição e fazendo-se acompanhar de algumas folhas que pedia para consultar quando era necessário para confirmar alguns pormenores, José Monteiro foi-se debruçando depois sobre alguns dos arguidos em particular mediante as perguntas dos advogados. A começar por Bruno Jacinto, ex-Oficial de Ligação aos Adeptos. “Tenho conhecimento do que foi extraído, das declarações e do que tive conhecimento. Se são as 19 mensagens trocadas com Tiago Silva? Porque foram só essas? Se fossemos colocar tudo o que os telemóveis têm guardado 50.000 folhas não chegavam. Num primeiro contacto são os analistas, que sabem o que quer a investigação, que tratam disso e depois tenho acesso à informação que consta do relatório de análise que chega ao processo (…) E foi ele que transportou o Nuno Torres para ir buscar o carro”, disse. “Deve saber isso porque vê a CMTV, é  como todos nós”, retorquiu o advogado Paulo Camoesas.

Os ânimos aqueceram mais com o advogado Amândio Madaleno, que defende Elton Camará, ou Aleluia (um dos dois detidos em preventiva, a parte de Mustafá) e Sérgio Santos. “O senhor teve formação técnica para tratar crimes de terrorismo?”, começou por perguntar. “Oh senhor doutor, vamos a factos”, respondeu logo a abrir a juíza. O advogado colocou muito o enfoque em dois pontos: 1) saber se era ou não verdade que existiram dois grupos nesta invasão à Academia com propósitos diferentes; 2) saber o que cada um dos arguidos tinha feito depois no interior da Academia. “Você sabe o que fez o Elton [Camará]?”, perguntou. “A ideia que tenho é que não entrou no balneário”, respondeu o militar da GNR. “Então não estava no processo…”, ouviu-se.

As contradições de Jacinto, o BMW azul em Monsanto e um ex-presidente “depauperado”: o dia 1 de Alcochete

Entre variados avisos da juíza de que tinha um botão que permitia silenciar o microfone do advogado, ficou uma questão no ar: “Quando fez o relatório final, sabe porque uma ou duas horas depois uma vítima, o William Carvalho, ligou ao Elton?”. Antes, José Monteiro já tinha deixado também uma das frases fortes da manhã na inquirição enquanto testemunha: ““A história de terem ido dar apoio à equipa foi completamente desmontada”.

A seguir, foi Rocha Quintal, advogado do líder da Juventude Leonina, Nuno Mendes, que tomou a palavra. E José Monteiro voltou a revelar a lição bem estudada. “Também é conhecido por Mustafá, Musta ou Terror. Foi suspeito desde início porque os GOA são grupos organizados, é o líder, quem criou os três grupos de WhatsApp foram os seus braços direitos Valter Semedo e Tiago Silva, procurando encontraram-se mensagens em telefones de outros arguidos onde diziam que era preciso a sua autorização… Onde estava no dia 15? Pelo portão, não entrou”, disse, prosseguindo: “Foram feitas vigilâncias, a partir de setembro, que não revelaram interesse. Razão para que os seus telefones fossem intercetados? Foi requisitado pelo MP. O que resultou daí de relevante? Nada”.

Depois da discussão sobre os rendimentos financeiros e a “aparente riqueza” revelada, que levou mesmo a juíza a ter uma intervenção pelo meio (“Um carro de alta cilindrada, vive na Aroeira onde é só magistrados apesar de nunca lá ter estado, foram ao IRS e juntaram tudo, pronto”, rematou aí), o advogado fixou-se na questão das 15 gramas de cocaína encontradas numa busca à sede da Juve Leo. “Fiz parte da coordenação das equipas que foram aos locais mas não estava no terreno. Nuno Mendes foi detido na Charneca da Caparica e foi trazido para a sede”, referiu, antes de admitir que não foi feita prova de impressão digital do “frasco com arroz onde foi encontrada”.

Julgamento do caso de Alcochete. Bruno de Carvalho pede dispensa das sessões por estar completamente “depauperado”

Miguel A. Fonseca, advogado de Bruno de Carvalho, questionou o porquê de dois elementos que estavam nos grupos do Whatsapp não terem sido investigados, perguntando se tinha havido alguma ordem para que Pedro Silveira e Diogo Amaral e Silva (o primeiro que chegou a pertencer à lista candidata de Frederico Varandas às eleições, tendo saído antes do sufrágio, o segundo ligado ao PS) não fossem incomodados – algo que foi negado –, referiu ainda que apareceram mais 19 apensos após a acusação (“Porque a análise de conteúdos é morosa”, explicou o GNR) e terminou com pontos mais concretos: “Há alguma mensagem enviada para Bruno de Carvalho? Não, não há. Há alguma mensagem reencaminha, enviada ou algum email? Não, não há. Desculpe senhora juíza, é que que em algum momento vou ter de perceber o porquê de o meu constituinte estar a ser julgado”.

Buscas na “Casinha”: haxixe no exaustor, cocaína no sótão e a camisola do Benfica

À tarde, uma surpresa. Para todos na sala, pelo menos: a primeira inquirição, ao cabo da GNR Rui Rolo, durou apenas 20 minutos. Aliás, da parte do Ministério Público, houve apenas o pedido de esclarecimento sobre todas as diligências que tinha feito no âmbito do caso. Rolo explicou que tinha estado nas detenções de Bruno de Carvalho, Joaquim Costa (conseguindo ainda recuperar a roupa com que foi à Academia) e Bruno Jacinto, de quem recolheu um relatório sobre o que se tinha passado no dia do ataque em Alcochete (e que, segundo o próprio antigo Oficial de Ligação aos Adeptos, tinha sido pedido por um vice da atual Direção em setembro ou outubro de 2018). Em paralelo, o militar fez também a inquirição de alguns jogadores e foi a Alvalade ver as imagens de vídeovigilância, onde viu alguns indivíduos chegarem à “Casinha” da Juventude Leonina no dia 15 de maio à noite.

Apesar da descrição, o facto que motivou mais perguntas posteriores por parte dos advogados acabou por ser a visualização de imagens dos minutos iniciais do Sporting-Benfica, em Alvalade, ocorrido dez dias antes do ataque. “Isso surgiu das inquirições das testemunhas, foi mencionada essa ocorrência. O vídeo que consta no processo? Fui ver o que tinha acontecido e foi o primeiro que encontrei”, disse, antes de explicar que não era propriamente um adepto de futebol como que prevendo mais algumas questões que seriam feitas por Miguel A. Fonseca. O advogado de Bruno de Carvalho colocaria em causa através de perguntas que davam em simultâneo as respostas o cenário referido sobre esse momento no dérbi, dizendo que Rui Patrício não fugiu para o meio-campo e estava na meia lua da área e não na baliza quando se deu o arremesso dos artefactos pirotécnicos.

Mais longa seria a inquirição do também cabo da GNR João Oliveira, sobretudo pelo Ministério Público e na parte em que especificou as duas buscas feitas à sede da claque Juventude Leonina, em Alvalade (já depois de cerca de dez minutos de explicação sobre as portas e acessos à ala profissional do futebol na Academia). “Na primeira busca encontrámos haxixe no exaustor da cozinha, paus espalhados, tochas debaixo do balcão da cozinha e t-shirts alusivas aos primeiros 23 detidos que foram apanhados em flagrante delito. Não havia jogo, não havia nada, o espaço estava fechado. Fomos a casa do senhor Jorge. ou Jojó como também é tratado, porque nos disseram que de vez em quando fazia umas obras lá. Disseram que não estava. Encontrava-se mesmo no interior da sede. Primeiro recusou-se a abrir a porta sem advogado, depois lá nos deixou entrar com o diálogo”, contou.

Seria ainda assim a segunda busca aquela que levaria mais tempo a ser explicada, até pelas questões do advogado de Nuno Mendes, ou Mustafá, Rocha Quintal. “Quando chegámos tivemos de controlar a zona porque, por ser dia de jogo, tinha muita gente. Foi ao final da tarde que entrámos na sede da Juve Leo e todas as pessoas que estavam lá foram revistadas e identificadas, sendo que naquelas que tinham por exemplo estupefacientes foram feitos autos, enquanto os outros foram à vida deles. Quando Nuno Mendes chegou, ainda não tinha começado mesmo a busca porque estávamos a tirar as pessoas de lá. Algumas pessoas conseguiram desfazer-se de algumas coisas, apesar de já termos elementos dentro da sede para controlar o espaço. A esposa do senhor Nuno [Mendes] e outra senhora estavam no escritório. Começámos pelo espaço geral, um salão grande mas dividido com uma parte mais reservada para sócios, depois fomos à casa de banho, escritório e sótão”. E foi daí que veio a “surpresa”.

“Encontrámos 15 gramas de cocaína no sótão e haxixe e liamba no escritório, em pequena quantidade. Tivemos de arrombar a porta do sótão porque, numa fase inicial, por haver a necessidade de entrar rapidamente por questões de segurança, teve de ser assim. Era um espaço de arrumos, com trapos, toalhas, vi uma camisola do Benfica, uma TV velha, um sistema de aparelhagem desatualizado mas tudo muito desarrumado. Encontrámos esse frasco com as 15 gramas de cocaína e o Musta, que estava a acompanhar-nos nas buscas, disse que não era dele. Depois o Jojó, que também estava nesse dia, disse que também não era dele, o Musta disse que não era, o Jojó disse que não era até que se calou. Encontrámos as chaves da entrada em cima do frigorífico”, pormenorizou, antes de revelar também que foi encontrada alguma droga no chão. “Tochas nesse dia não encontrámos”, disse.

Tribunal quer ouvir 27 jogadores entre 52 testemunhas ligadas ao Sporting. Mas onde andam eles agora?

Foi nesse momento que Rocha Quintal começou a fazer perguntas mais concretamente sobre Mustafá, tentando perceber com João Oliveira o porquê de ter sido feita a ligação da droga encontrada ao líder de Juventude Leonina (que está também acusado de tráfico de droga). “Na primeira busca à sede não sei se esteve porque eu não estava lá, na segunda busca sei que foi porque é o líder, não sei se quis estar ou não. Já andava a ser controlado antes. Se esteve nas 48 horas anteriores na ‘Casinha’? Não lhe sei dizer, sei que nesse dia tinha almoçado na Margem Sul e ainda não tinha ido lá”, explicou, dizendo que não sabia se tinha ou não estado fora do país nessa semana. “O que liga então o Nuno Mendes à droga? Fizeram algum despiste, apuraram isso de quem eram as 15 gramas de droga?”, questionou Rocha Quintal. “Olhe minha é que não era, o resto não sei… Só sei que estavam num espaço fechado que pertence à Juve Leo”, disse o cabo da GNR. “Portanto, não conseguiram identificar mas a verdade é que o Nuno Mendes está acusado de tráfico de droga”, lamentou o advogado a fechar.

A sessão de quinta-feira terminou com o fim do testemunho de João Oliveira, “um bocadinho mais cedo” como disse a juíza presidente Sílvia Rosa Pires. A próxima sessão, a quarta, está marcada para a segunda-feira, às 9h30, com mais alguns militares da GNR a serem ouvidos. De recordar que, como explicou ontem o Observador, o segundo dia terminou com um pedido da juíza presidente para que o advogado do Sporting, Miguel Coutinho, fizesse um levantamento de quantas das 52 testemunhas arroladas pelo Ministério Público estão no clube e poderão ser notificados na Academia. Ao todo, 20 desses elementos estão agora fora do país.