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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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As contradições de Jacinto, o BMW azul em Monsanto e um ex-presidente "depauperado": o dia 1 de Alcochete

Bruno Jacinto foi o único a querer falar mas fugiu das mensagens Whatsapp (que o contradizem) num dia 1 do julgamento de Alcochete onde um carro, uma nova juíza e um antigo líder tornaram-se figuras.

O funcionário do Sporting que fazia desde março de 2017 (altura da reeleição de Bruno de Carvalho como número 1 do clube) a ligação entre adeptos e Direção e que deveria manter a PSP informada sobre as movimentações dos adeptos leoninos foi o único dos 44 arguidos que aceitou falar na primeira sessão do julgamento, que decorreu esta segunda-feira no Tribunal do Monsanto. Bruno Jacinto, no entanto, não falou sobre tudo. Por aconselhamento da própria defesa, já a meio das perguntas de outros advogados, recusou falar de alguns episódios que antecederam o 15 de maio de 2018, dia da invasão à academia de Alcochete. E sobre as mensagens de WhatsApp que o incriminam, nem uma palavra. Uma das provas principais do processo foi quase como se não tivesse existido.

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Bruno Jacinto, 42 anos, alegou sempre ao longo do processo que não participou na invasão à Academia e que só chegou lá quando tudo tinha já acontecido, e os adeptos estavam já a abandonar as instalações. E que só soube dos episódios de violência depois, em Alcochete e em conversas por lá ouvidas. Tentou também inviabilizar as mensagens que o incriminam, mas o juiz de instrução, Carlos Delca, não lhe deu qualquer hipótese.

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Em tribunal, Bruno Jacinto não falou dessas mensagens. E limitou-se a referir que no dia anterior ao ataque foi informado por Tiago Silva que iriam à Academia. Mais: que mal soube disso avisou o seu superior, o diretor geral da SAD André Geraldes, através de um telefonema. Tudo começou no dia antes, quando vinha no avião da Madeira, horas depois de já ter havido altercações entre adeptos e jogadores após a derrota contra o Marítimo, que levou a equipa a terminar o Campeonato no terceiro lugar e fora dos lugares de acesso à Liga dos Campeões.

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Na parte matinal do primeiro dia de julgamento, Bruno Jacinto alegou que soube pela comunicação social do que tinha acontecido no estádio e no aeroporto entre adeptos e jogadores. “Era do conhecimento de todos, não dei muita relevância”, referiu, recordando outras “quatro ou cinco vezes” desde que existe a Academia, em 2004, em que adeptos se deslocaram a Alcochete para manifestarem o seu descontentamento. Aliás, uma palavra tão usada na sessão que levou a juíza Sílvia Pires a soltar uma ironia: “Já percebi que havia muita gente descontentes. Estavam todos descontentes…” Mas como foram, afinal, as outras visitas de adeptos à academia? “Não fui em nenhuma nem estava no Sporting mas chegavam, diziam na portaria que queriam falar com os jogadores ou com a equipa técnica e conseguiam chegar à fala”. Sobre a véspera do ataque, antes do voo de regresso da Madeira para Lisboa ao início da tarde, o ex-Oficial de Ligação aos Adeptos explicou ainda a célebre frase “Façam o que quiserem”.

Bruno Jacinto, antigo Oficial de Ligação aos Adeptos, foi o único arguido a querer falar no início do julgamento

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“Numa conversa onde estava Nuno Mendes, Fernando Barata [Mendes] e o Tiago Silva, ou Bocas, ouvi o Nuno Mendes dizer que tinha falado com o presidente e que o Jesus não era o treinador. Faltavam poucos minutos para apanhar o avião, falava, nessa conversa do descontentamento dos adeptos e foi aí que ouvi isso, do ‘Façam o que quiserem’. Quem? Estavam várias pessoas… Percebi há pouco tempo o que era isso ao ler a acusação”, frisou, ao contrário do que tinha referido no primeiro interrogatório em que atribuiu essa frase a Nuno Mendes. Nessa mesma segunda-feira, véspera da ida a Alcochete, avisou André Geraldes sobre essa possibilidade.

No dia do ataque, entre as 14h e as 15h, o antigo Oficial de Ligação aos Adeptos encontrou-se com Tiago Silva no Multidesportivo. Assuntos? Final da Taça de Portugal, descontentamento com a equipa, outro assunto que surgira aí que tinha a ver com o processo Cashball, a tal ida à Academia. “Perguntei-lhe se sempre iam e ele confirmou que iam. A forma de como se ia passar, nunca imaginei. Pensei que seria como nas outras vezes. Número de pessoas? Não tinha noção. Tentei falar de novo como o diretor de diversas formas mas não respondeu”, disse. Do outro lado da rua, ao telefone, estava Fernando Mendes, antigo líder da Juventude Leonina. Que encontraria duas horas depois, em Alcochete, para onde foi após ligar ao diretor de segurança, Ricardo Gonçalves, dizendo que iam elementos da claque questionar a equipa, em sobretudo Acuña, Battaglia e Rui Patrício.

Quando foi feita uma busca domiciliária a Bruno Jacinto, que se alargou também ao gabinete que tinha no estádio, a polícia encontrou uma espécie de memorando onde o próprio descrevia o que aconteceu e qual a sua intervenção. E daqui uma novidade. Nesse documento, Jacinto referia que tinha sido contactado por um spotter da PSP à hora de almoço no dia do ataque que queria saber se alguém nesse dia ia à Academia. “Disse que não sabia porque não tinha factos concretos. Tinha contactos quase diários com a PSP, se soubesse que ia ser assim também tinha informado”, explicou em tribunal. Para depois detalhar que o fez a pedido de um vice-presidente da nova Direção do Sporting, em setembro ou outubro de 2018. Este documento foi lembrado em tribunal pelo advogado da própria SAD do Sporting, Miguel Coutinho. “Porque não disse à PSP que no dia antes lhe tinham dito que iam lá?”, insistiu. “Porque nunca pensei que fosse uma coisa violenta”, alegou o Oficial de Ligação aos Adeptos.

O que Jacinto não falou foi sobre as mensagens que trocou com um membro da Juventude Leonina, Tiago Silva, antes do ataque. E que mostram que o próprio era da opinião que os jogadores deviam ser “bem malhados”. Aliás, as mensagens contrariam o que disse em tribunal, quando afirmou que tinha a obrigação de dizer à Direção o que se passava, quando há uma mensagem em que Bruno Jacinto pergunta se sempre vão à Academia e Tiago Silva lhe responde afirmativamente, mas pede-lhe para nada dizer.

O coletivo de juízes e alguns advogados ainda tentaram confrontar Bruno Jacinto com este assunto das mensagens trocadas, mas o arguido – no seu direito – recusou sempre. “Eu já tentei, mas sobre o Whatsapp ele não fala”, respondeu a certa altura a juíza, Sílvia Pires. O advogado de Jacinto chegou mesmo a pedir a palavra para lembrar que o seu cliente só iria falar do dia 15. “Está bem, mas o dia 15 não caiu aqui de pára-quedas”, respondeu-lhe então a juíza, que pediu por várias vezes aos advogados para manterem a objetividade.

O BMW azul e a entrada no tribunal com tudo e todos

Como seria de esperar, a manhã desta segunda-feira à entrada no Tribunal de Monsanto teve a mais aquilo que havia a menos de rede nos telefones (sobretudo na sala de audiência, tendo em conta também os constrangimentos por ser um local próximo da prisão de alta segurança do Monsanto): muitas pessoas, confusão e aparato mediático. Tanto que os próprios utilizadores do autocarro 711 da Carris não conseguiam deixar de ficar a olhar para as dezenas de arguidos, familiares, amigos, advogados e jornalistas que concentravam no espaço, a andar de um lado para o outro da pequena estrada que por ali passa e por onde passou um BMW azul. Aquele BMW azul, o “misterioso” carro que entrou na Academia depois do ataque e que acabou por ser mais uma peça a juntar ao processo.

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Ao volante, na primeira passagem, Nuno Torres, proprietário do carro e também ele arguido, não evitou soltar uma pequena buzinadela antes de ir dar a volta e estacionar o BMW onde estavam muitos outros, numa espécie de parque improvisado. Apesar de ter sido um dos primeiros a chegar, foi um dos últimos a entrar pelo acesso por onde passaram todos os arguidos, a comunicação social e os familiares e amigos. Alguns com o capuz na cabeça por causa do frio, muitos de camisa e um de fato, os arguidos foram-se juntando na porta que abriu às 9h31, hora em que chegou também o antigo presidente do Sporting, Bruno de Carvalho – que para fugir também aos jornalistas acabou por ficar na linha da frente na entrada mas que acabaria por ser dos últimos a passar, ficando sozinho na última fila do bloco destinado aos arguidos (só faltou Fernando Mendes, por motivos de saúde).

Bruno de Carvalho, antigo presidente do Sporting, foi um dos últimos a chegar (e também um dos últimos arguidos a entrar)

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Pouco antes das 10h30, os 44 arguidos começaram a ser chamados um a um para identificação, dando o nome, estado civil, nomes dos pais, data e local de nascimento e morada antes da pergunta “antes de ser detido, o que é que fazia?”. Para quem estudava, a juíza perguntava sempre o quê; para outros que trabalhavam e perderam essa condição, a questão começava com “o que é que fazia ou faz agora?”. Bruno de Carvalho, que na fase da instrução dizia estar desempregado, respondeu agora “Faço comentários desportivos”, sendo o último a ser chamado nesta fase antes de todos recusarem falar nesta fase do processo à exceção de Bruno Jacinto.

De manhã, as movimentações não foram muitas na sala onde se concentravam todos os arguidos. No tribunal do Monsanto, criado para julgar as FP25, existem três salas separadas por vidros que nos permitem ver entre elas. Uma onde se sentam os magistrados de frente para os advogados, atrás destes uma central onde se sentam os arguidos e, por fim, uma sala para o público, que pode ver tudo através de um vidro e um ouvir (nem sempre bem) por uma coluna. Bruno de Carvalho, em menos de duas horas, pediu duas vezes para se levantar.

Também Nuno Torres se levantou a certa altura para falar com a advogada Mónica Anjos. Fê-lo mal ouviu Bruno Jacinto referir o seu nome — para dizer às três juízas que deu boleia a Nuno Torres na academia, no dia do ataque, para ele ir buscar o carro ao Montijo (onde por acaso foi o ponto de encontro dos atacantes da academia) e regressar para ir buscar os restantes responsáveis pela Juve Leo.

O BMW azul que entrou na Academia depois do ataque esteve em Monsanto – e foi alvo de conversa no interior do tribunal

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“Identifiquei-me no segurança da Academia, avancei e vi ao longe um grupo de pessoas. Quando me aproximo, eram cinco elementos da Juventude Leonina a falar com o William Carvalho: Fernando Mendes, Nuno Torres, Joaquim Costa, Sérgio Santos e o Aleluia [Elton Camará]. Estavam a falar com ele, depois apareceram o Cintrão, o Rolin, mais dois elementos da Academia e oiço um a dizer ‘Abriram a cabeça ao Bas [Dost]’. Foi aí que percebo o que se passou e que começo a inteirar da situação. Comecei a ver vídeos do balneário, no telemóvel, o Tiago Fernandes [n.d.r. então técnico dos juniores] mostra-me o vídeo do interior da Academia. Abordei esses cinco elementos e disse ao Fernando que, como ex-líder, aquilo nunca podia ter acontecido”, referiu, prosseguindo: “Falei uns 30/40 minutos, passaram duas carrinhas da GNR que nada fizeram, o Ricardo Gonçalves… Disseram que eram de cara descoberta e que tinham ficado para trás… Quando ia sair, Nuno Torres pergunta se lhe posso dar boleia porque tinha o carro no Montijo. Questionei mas dei e a seguir expliquei-lhe que não tinha autorização para ele entrar na Academia, liguei para o Ricardo Vaz para lhe pedir isso na portaria”.

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Pouco depois, Nuno Torres voltaria à Academia no tal BMW azul, de onde sairia com os restantes quatro elementos com quem estivera antes. No entanto, nas primeiras declarações que tinha feito quando o carro em questão foi começando a aparecer no espaço mediático, o agora arguido explicara que tinha ido à Academia apenas porque lhe tinham ligado a pedir boleia, não tendo nada a ver com o ataque por ter chegado depois.

Do raspanete nas idas ao WC ao pedido: “Continuem a trabalhar e a estudar”

“Senhor advogado, isto não tem nada a ver com futebol. Isto é um processo-crime, não estamos cá para jogar à bola”. Sobretudo na sessão vespertina do primeiro dia do julgamento, a juíza Sílvia Pires quis quase “pautar o ritmo” do encontro que se começou esta segunda-feira a ser disputado no Tribunal de Monsanto e, além de pedir para que os advogados lhe colocassem as questões a si para depois fazê-las a Bruno Jacinto, foi restringindo ainda algumas perguntas ou por considerar desnecessárias ou por já terem tido resposta. “Comentar notícias? Desculpem, notícias aqui não me interessam nada. Aqui são factos, só quero factos. Estamos a falar português, quando cá tiver a testemunha pode fazer essa pergunta à vontade das notícias, agora aqui são os factos”, chegou a dizer.

Tudo correu de forma calma e ordeira, havendo apenas um pequeno momento de maior ruído numa altura em que um dos arguidos, ao ver recusada a possibilidade de ir à casa de banho pelas forças policiais e explicando por gestos que se não fosse estava em risco de fazer no seu lugar, se levantou a fazer gestos pedindo a atenção da juíza. “Vou dizer isto só uma vez: vai um de cada vez à casa de banho e quando os senhores polícias virem que é possível. E não quero nenhuma má educação nem com eles nem com funcionários. Não quero dizer mais nenhuma vez, estamos entendidos?”, atirou Sílvia Pires. Um aviso que deixou todos os arguidos em sentido. Tudo acabou por serenar e, pouco depois, restituiu-se a normal ida ao WC de todos os arguidos, um a um. Nuno Mendes e Elton Camará, os dois únicos em prisão preventiva, nunca saíram dos seus lugares, nem de manhã, nem à tarde.

Arguidos foram chegando entre as 9h e as 9h30 a Monsanto, ou sozinhos com os advogados ou em pequenos grupos

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O coletivo de juízes já tinha autorizado alguns arguidos em prisão domiciliária a trabalhar e a estudar mas, já no final da sessão, os advogados pediram mesmo que os arguidos que o façam sejam dispensados de comparecer em julgamento. Por exemplo, o advogado de Bruno de Carvalho, Miguel A. Fonseca, pediu dispensa do ex-presidente do Sporting por três razões muito concretas: “Por não ter meio próprio para se deslocar, por trabalhar duas horas de manhã e duas à tarde e por estar completamente depauperado neste processo”.

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Aliás, trabalho, estudos e condições económicas foi o que alegaram a maior parte dos arguidos para pedirem dispensa de comparecer no julgamento que tem datas marcadas até final de janeiro. A juíza decidiu, então, que o trabalho ou os estudos não devem ser prejudicados, embora os arguidos que se encontrem em domiciliária devam cumprir “escrupulosamente” os seus deveres, sob pena de recuar na decisão. Assim 18 arguidos foram dispensados de comparecerem em julgamento, devendo estar presentes apenas nas alegações finais. Só os restantes continuam a ser obrigados a assistir ao julgamento que decorre no tribunal do Monsanto… caso entretanto não comecem a trabalhar ou estudar, numa espécie quase de “pedido” deixado pela juíza.

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