A Organização de Estados Americanos (OEA) publicou o relatório final sobre as eleições gerais da Bolívia de 20 de outubro, onde detalha que houve um total de “ações deliberadas que procuraram manipular os resultados das eleições” a favor do agora ex-Presidente Evo Morales e do seu partido, o Movimento Ao Socialismo (MAS).

Entre as doze “ações deliberadas”, encontra-se um conjunto de servidores “para os quais se desviou de maneira intencional o fluxo de informação do [Sistema de Transmissão de Resultados Preliminares]”. Estes servidores alternativos “registaram atividade” no momento em que a divulgação dos resultados foi alvo de um apagão numa altura em que, com 83,76% dos votos, Evo Morales tinha maioria mas seria obrigado a disputar uma segunda volta. A contagem voltou a ser pública já com 89,34% dos votos contabilizados e com Evo Morales em posição de vencer logo à primeira volta.

Os resultados finais, anunciados já no dia seguinte às eleições, colocaram Evo Morales e o Movimento Ao Socialismo (MAS) com 47,08% dos votos — e em posição de vemcer na primeira volta, já que, apesar de ter menos de 50%, tinha mais do que os necessários 10% de vantagem sobre o segundo classificado, Carlos Mesa (Comunidade Cidadã), a quem foram contabilizados 36,51% dos votos.

De acordo com a análise da OEA, estas contas não batem certo. “A análise estatística realizada revela que a vitória à primeira volta de Evo Morales foi estatisticamente improvável e que a sua proclamação se verificou por um aumento massivo e inexplicável dos votos do MAS nos 5% finais do cômputo”, lê-se naquele relatório.

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“Sem esse aumento, mesmo que o MAS tivesse conseguido a maioria dos votos, não teria obtido a diferença de 10% necessária para evitar a segunda volta. Este incremento deu-se a partir de quebras marcadas nas linhas de tendência de voto no oficialismo e na Comunidade Cidadã, a nível nacional e departamental. O tamanho das ruturas é extremamente incomum e coloca em dúvida a credibilidade do processo”, conclui o relatório da OEA.

Relatório preliminar já falava em “clara manipulação” e acelerou queda de Morales

O relatório da OEA sai depois de um relatório preliminar, divulgado a 10 de novembro de 2019, ter apontado para uma “clara manipulação” dos resultados eleitorais. Esse primeiro relatório surgiu numa altura em que a oposição a Evo Morales levava já várias semanas nas ruas a exigir-lhe a demissão.

Esta segunda-feira, ainda antes de o relatório final da OEA ter sido divulgado, o The Guardian publicou um abaixo-assinado, com as assinaturas de mais de 100 especialistas em economia e estatística, que dizia a conclusão principal do relatório preliminar daquela organização “não incluiu nenhumas provas”. referindo que “não é invulgar que os resultados eleitorais sejam desviados consoante a localidade” em que os votos são contados, aqueles epecialistas rejeitam ter havido fraude eleitoral e apontam que “as declarações enganadoras” da OEA foram “uma das ‘justificações’ mais usadas para o golpe militar”.

Depois do relatório preliminar da OEA, a polícia entrou em rebelião contra o então President, Evo Morales. A 12 de novembro, os militares seguiram o mesmo caminho, fazendo ao então Presidente uma “sugestão” para que se afastasse do poder. Dois dias depois, surgiu no México, país onde até agora permanece na condição de asilado político. Também a 12 de novembro, a então vice-presidente do Senado, Jeanine Añez, assumiu a presidência de forma interina após uma votação boicotada pelos deputados do MAS e que, por essa mesma razão, não teve quórum.

A nomeação de Jeanine Añez foi recebida com desagrado por parte dos apoiantes de Evo Morales, muitos deles indígenas, camponeses e cocaleros, que saíram para as ruas para protestar contra aquilo a que entendem ter sido um golpe de Estado, motivado por razões racistas. Estes, por sua vez, foram acusados de secessionismo por parte do governo interino, que aplicou  o decreto 4078, isentando de responsabilidades penais os militares que atuassem “em legítima defesa ou em estado de necessidade” nas violentas manifestações que se verificaram em várias partes da Bolívia e que levaram à morte de mais de 30 pessoas, a maior parte indígenas.

Os confrontos acabaram por acalmar, e os bloqueios feitos por manifestantes pró-Morales a cidades como a capital La Paz e Santa Cruz foram suspensos, depois de o MAS e o governo interino terem chegado a acordo — com a mediação da Igreja Católica, das Nações Unidas e da UE — para celebrar umas novas eleições no espaço de cinco meses. Nessas negociações, ficou estipulado que não vai poder concorrer nem Evo Morales nem o seu número dois, Álvaro garcía Linera, que também está no México.

Bolívia. “Agora sim, guerra civil”?