O PSD agendou esta sexta-feira um debate de atualidade no parlamento sobre a isenção da RTP e que servirá para “censurar” o Governo pela alegada tentativa de “condicionar e bloquear” uma reportagem sobre o lítio. O pedido surgiu depois de o jornal i ter noticiado que a diretora de informação da RTP, Maria Flor Pedroso, estaria a ser acusada de boicote (novamente) pela jornalista Sandra Felgueiras, por alegadamente ter interferido numa reportagem sobre uma escola onde deu aulas.
O programa cancelou entretanto a emissão dessa reportagem sobre “suspeitas de corrupção” no Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM), noticia o Público.
O Observador contactou Maria Flor Pedroso, mas a diretora da RTP remeteu os esclarecimentos para o gabinete de comunicação do canal público. O Observador tentou contactar o gabinete de comunicação, mas sem sucesso. Entretanto, mais de 100 jornalistas subscrevem abaixo-assinado em defesa de Maria Flor Pedroso.
A notícia desta sexta-feira surge 10 dias depois de Sandra Felgueiras ter dito, no Parlamento, que “era possível” ter emitido o programa “Sexta às 9” a 13 de setembro com a investigação sobre o lítio, mas que a direção terá decidido suspender a emissão “em função da campanha eleitoral”.
A propósito desta polémica, o PSD marcou para a próxima quinta-feira um debate sobre “a RTP e serviço público“. O partido quer “censurar o comportamento do governo que, de forma direta ou indireta, ajudou a condicionar e a bloquear um programa [“Sexta às 9″] que lhe era desfavorável em plena período pré-eleitoral”, afirmou à Lusa o deputado social-democrata Paulo Rios. “Não é um comportamento admissível em democracia”, acusou.
O deputado sublinhou ainda que o tema “cresce de importância” com as notícias desta sexta-feira, no diário i, sobre um alegado boicote da direção de informação da RTP a uma reportagem sobre um instituto onde a diretora de informação, Maria Flor Pedroso, foi professora e que lança “o alarme” sobre o que se passa na televisão pública. Terá sido este caso que, segundo o jornal, levou o Conselho de Redação (CR) a convocar um plenário de trabalhadores para discutir o assunto na próxima segunda-feira.
Perante os factos graves que lhes foram transmitidos nos últimos dias – não se encontram reunidas as condições imprescindíveis para um desejável clima de tranquilidade e confiança entre todos os jornalistas da RTP”, diz o CR em comunicado citado pelo i.
Em causa estarão declarações de Sandra Felgueiras que, chamada a depor no CR, terá adiantado que Maria Flor Pedroso teria interferido num trabalho que estava a ser feito pelo programa a negócios de Regina Moreira, proprietária do Instituto Superior de Comunicação Empresarial (Iscem), onde a diretora de informação do canal público deu aulas. Segundo o i, a equipa do “Sexta às 9” investigava irregularidades como a venda do edifício e a alegada cobrança indevida de dinheiro aos alunos que iam para outras escolas, depois de o Iscem ter sido fechado pelo Ministério da Educação.
De acordo com o i, Regina Moreira ter-se-à recusado a dar entrevistas presenciais, argumentando que tinha sido Flor Pedroso a aconselhá-la a fazê-lo, dizendo ainda que soubera da investigação pela diretora de informação. O jornal acrescenta que Flor Pedroso terá dito ao CR que informou Regina Moreira da investigação em curso, e que não viu nisso nada de errado.
O jornal Público avança também que Maria Flor Pedroso nega ter influenciado Regina Moreira a não dar entrevistas. Pelo contrário, admitiu em ata do Conselho de Redação que recomendou a diretora do instituto, que respondesse às questões colocadas por escrito. Segundo o mesmo jornal, Maria Flor Pedroso, que já pediu desculpa, garantiu que apenas queria “ajudar” a investigação.
Debate da próxima quinta-feira será sobre o caso do lítio
Este assunto não foi, no entanto, abordado pelo deputado social-democrata que se cingiu ao caso do lítio. Paulo Rio lembrou as posições anteriores do seu partido, que pediu esclarecimentos e audições no parlamento sobre esta matéria, e a “estranheza” manifestada pela suspensão do programa quando se sabia que “era sobre o escândalo do lítio”, “um tema muito desconfortável para o PS e para o Governo”.
Rui Rio, presidente do partido, chegou mesmo a dizer, a 5 de dezembro, que o adiamento do programa da RTP “Sexta às 9” sobre lítio se deveu a “razões políticas”. Dois dias antes, em 3 de dezembro, numa audição parlamentar que se realizou a pedido do PSD, a jornalista da RTP Sandra Felgueiras afirmou que “era possível” ter emitido o programa “Sexta às 9” em 13 de setembro com o tema do lítio, acrescentando que antes o programa nunca tinha sido suspenso durante campanhas eleitorais.
Já a diretora de informação da RTP, Maria Flor Pedroso, afirmou no parlamento que “não chegou a informação de que havia notícia” sobre o lítio à direção da estação, referindo-se ao adiamento do programa “Sexta às 9”.
Lítio. Diretora de informação da RTP diz que “não chegou informação que havia notícia”
A investigação contou com o depoimento do antigo presidente da Câmara do Porto, Nuno Cardoso, que disse ter avisado, em reunião, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, e o secretário de Estado João Galamba das alegadas ilegalidades decorrentes da concessão da exploração de lítio a uma empresa que tinha sido recentemente criada.
Dois dias após o encontro, João Galamba assinou o contrato para a construção da refinaria de lítio, um negócio, segundo a investigação de Sandra Felgueiras, avaliado em, pelo menos, 350 milhões de euros. Paralelamente, o episódio do “Sexta às 9” avançou ainda que o antigo secretário de Estado Jorge Costa Oliveira estava também ligado ao negócio, como consultor financeiro.
Mais de 100 jornalistas subscrevem abaixo-assinado em defesa de Maria Flor Pedroso
Até este sábado, 113 jornalistas subscreveram um abaixo-assinado em defesa da jornalista Maria Flor Pedroso. Entre eles contam-se Adelino Gomes, Ana Sousa Dias, Anselmo Crespo, António Borga, Carlos Andrade, Cesário Borga, Cristina Ferreira, Fernando Alves, Francisco Sena Santos, Goulart Machado, Henrique Monteiro, João Garcia, João Paulo Guerra, José Carlos Vasconcelos, José Mário Costa, José Pedro Castanheira, José Silva Pinto, Luísa Meireles, Nicolau Santos, Ricardo Costa, Rui Pêgo, São José Almeida e Sérgio Figueiredo
“Confrontados com o grave ataque público à integridade profissional da jornalista Maria Flor Pedroso, os jornalistas abaixo-assinados não podem deixar de tomar posição em sua defesa, independentemente das questões internas da empresa onde é diretora de informação, que manifestamente nos ultrapassam”, referem os 55 jornalistas que subscrevem o documento.
No abaixo assinado, com quatro pontos, os jornalistas – de várias redações – apontam que “Maria Flor Pedroso é jornalista há mais de 30 anos, sem mácula”, uma “jornalista exemplar” e “reconhecida e respeitada pelos pares”. Os subscritores defendem que a diretora de informação da RTP “é uma das mais sérias profissionais do jornalismo português”, tendo chegado “por mérito ao cargo que atualmente ocupa”.
Maria Flor Pedroso é “defensora irredutível do jornalismo livre, rigoroso”, “sem cedências ao mediatismo, a investigações incompletas, ou à pressão de poderes de qualquer natureza”, sublinham no abaixo-assinado.
Recordam ainda que a profissional “foi escolhida pelos pares para presidir à Comissão Organizadora do 4.° Congresso dos Jornalistas Portugueses, uma iniciativa que se revelou um marco na discussão dos problemas da profissão”. Maria Flor Pedroso “é frontal”, “rejeita favores” e “nunca foi acusada de mentir”, salientam no seu abaixo-assinado.
[Atualizado dia 15 de dezembro, às 09h50 com a informação de que mais de 100 jornalistas subscrevem abaixo-assinado em defesa de Maria Flor Pedroso]