Há fugas e fugas, mas só algumas delas inspiram os argumentistas de Hollywood. Neste caso, pode ter sido exatamente o contrário e ter sido uma comédia francesa, um filme de 1973, a inspirar a fuga de Carlos Ghosn, o empresário e antigo presidente da Renault-Nissan, que se encontrava em prisão domiciliária em Tóquio, a aguardar julgamento por evasão fiscal. Até à data, nenhum das teorias avançadas pela imprensa internacional foi confirmada, mas a mais repetida é a de que o empresário terá fugido escondido no interior da caixa de um instrumento musical.

Vamos por partes. Primeiro, a ficção: em 1973, “La Valise” (A mala), um filme de Georges Lautner, conta a história de Bloch, um agente secreto israelita que se refugia na embaixada francesa da Líbia e de onde é retirado dentro da mala diplomática para escapar a assassinos. Agora, a (alegada) realidade. Em 2019, uma banda de músicos atua na residência de Ghosn, de 65 anos, em Tóquio, onde este se encontra em prisão domiciliária. O empresário, que terá cerca de 1,70 metros, esconde-se dentro da caixa de um dos instrumentos musicais e é assim que consegue chegar até a um pequeno aeroporto onde um jato privado o leva até à Turquia e, depois, ao Líbano. Na verdade, o grupo não será composto por músicos, mas antes por antigos militares. Os detalhes são contados pela emissora libanesa MTV (Murr Television), que não cita fontes, e repetidos por vários media internacionais.

A mesma emissora, numa outra notícia em que cita fontes próximas de Ghosn, afirma que o empresário fugiu com a ajuda da mulher e da filha, não descartando a hipótese de o empresário viajar do Líbano para o Brasil para evitar constrangimentos diplomáticos entre aquele país e o Japão. Entre Beirute e Tóquio não há acordo de extradição e as autoridades libanesas afirmam que Ghosn entrou legalmente no país, com um passaporte francês, vindo da Turquia.

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No entanto, e segundo conta o Le Fígaro, à AFP o empresário garante que agiu sozinho: “As alegações da comunicação social de que a minha mulher Carole e outros membros da família estiveram envolvidos na minha partida do Japão são falsas e enganosas. Fui só eu quem organizou a minha saída. A minha família não teve qualquer papel nisso”, garantiu.

Carlos Ghosn nasceu em 1954 no Brasil, no seio de uma família libanesa, mas nos anos 1960 a sua mãe regressaria a Beirute levando-o consigo. Ghosn viveu ainda uma temporada em Paris, onde estudou. Até hoje, o empresário mantém três passaportes — brasileiro, libanês e francês — que estarão confiscados pela justiça japonesa para impedir a sua saída do país antes do julgamento por evasão fiscal o que, claramente, não travou a sua fuga.

Ex-presidente da Renault Nissan terá fugido do Japão antes de julgamento por fraude

O ponto em que várias teorias coincidem é que Carlos Ghosn saiu de Tóquio num jato privado em direção à Turquia. Dali terá seguido para o Líbano onde terá entrado com um passaporte falsificado.

O jornal francês Le Monde avança que foi Carole Ghosn, a mulher de Carlos, quem planeou toda a fuga, estando também a bordo da aeronave que levou o empresário para longe das fronteiras japonesas. A prisão domiciliária de Ghosn respondia a duras regras e uma delas impedia-o de entrar em contacto com Carole. A sua residência e todos os seus passos eram vigiados o que torna a sua fuga mais espetacular.

Já o The Wall Street Journal escreve, citando fontes familiares do empresário, que foram necessárias várias semanas para planear todos os detalhes da fuga.

No Japão, o jornal Asahi sugere que Ghosn partiu do aeroporto de Kansai, perto de Osaka, citando o ministro japonês dos Transportes que afirma que um jato particular saiu de Japão com destino a Istambul no dia 29 de dezembro. Para já, tudo são hipóteses e o que está garantido é que Carlos Ghosn está no Líbano, como o próprio já confirmou. Outra notícia já confirmada pelas autoridades turcas é de que sete pessoas foram detidas, entre elas quatro pilotos, por suspeita de ajuda à fuga do empresário. E o Líbano recebeu um mandado internacional da Interpol para deter Ghosn.

Líbano recebe mandado internacional da Interpol para deter Carlos Ghosn

“Deixei de ser refém”, diz antigo presidente da Renault-Nissan

“Estou no Líbano. Deixei de ser refém de um sistema judicial japonês parcial onde prevalece a presunção de culpa”, afirmou em comunicado, divulgado no último dia de 2019 pelos seus representantes. Ghosn diz não ter fugido à Justiça: libertou-se “da injustiça e da perseguição política” no Japão. “Finalmente, posso comunicar livremente com a imprensa, o que farei a partir da próxima semana”, acrescentou.

Ex-presidente da Renault-Nissan confirma que fugiu do Japão e está no Líbano

Quando se soube da fuga do empresário, o seu principal advogado mostrou-se surpreendido com a violação das condições da fiança: “É uma surpresa total. Estou perplexo”, disse aos jornalistas Junichiro Hironaka. O advogado sublinhou que o último contacto que estabeleceu com Ghosn foi a 25 de dezembro e que ainda tem na sua posse os três passaportes do empresário que tem tripla nacionalidade: brasileira, francesa e libanesa.

Carlos Ghosn foi detido pela primeira vez em 2018, por suspeitas de fraude fiscal e de uso de dinheiro e recursos da empresa para fins pessoais, na sequência de uma investigação ao grupo Renault—Nissan. Em março de 2019  foi libertado após pagar uma fiança de perto de 8 milhões de euros, a mais alta alguma vez aplicada no Japão. Em abril foi de novo detido, por alegadamente ter desviado 4,4 milhões de euros do grupo. No mesmo mês, foi libertado sob fiança e colocado sob prisão domiciliária. Carlos Ghosn nega todas as acusações feitas contra si.