Tiago Correia, autor e encenador da peça “Turismo”, da companhia A Turma, cuja folha de sala não foi distribuída por decisão da direção do Teatro Municipal do Porto (TMP), afirmou esta terça-feira que não concordou com a decisão, ao contrário do que o diretor do TMP, Tiago Guedes, afirmou. “Aquilo a que o Tiago Guedes chama ‘concordar’, eu chamo de censura, chantagem emocional, coação, ameaça e abuso de poder”, começa por explicar a nota de esclarecimento enviada ao Observador.

O encenador esclarece que quando recebeu a chamada do diretor foi “totalmente apanhado de surpresa”, uma vez que, segundo ele, tinha reunido com antecedência com o gabinete de comunicação do teatro, apresentado a folha de sala, falado da apresentação do livro com o texto do espetáculo e o prefácio de Regina Guimarães. Desta forma, reforça que a estratégia de comunicação para o espetáculo foi “combinada, aceite e articulada” com o teatro “desde o início”.

A dois dias da estreia, o encenador conta que recebeu uma chamada do diretor Tiago Guedes a tentar convencê-lo a retirar a folha de sala que “insultava a honra de um morto”, neste caso o antigo vereador Paulo Cunha e Silva. “Tentou também convencer-me que eu estava a ser instrumentalizado pela Regina Guimarães para um ataque político. Isto é absurdo. Eu nunca entendi o texto da Regina desta maneira, texto que muito me honra e ao meu trabalho, tanto que o usei como prefácio do meu livro, na altura já publicado pelas Edições Húmus.”

Uma nota de rodapé

Tiago Guedes referiu ao Observador que “a produção dos conteúdos de comunicação da peça é contratualmente da exclusiva responsabilidade da equipa de comunicação do teatro”, onde as folhas de sala se inserem. Quando há estreias é pedida uma atualização de textos e neste caso a folha de sala foi uma encomenda do encenador à escritora Regina Guimarães, um texto que Tiago Guedes considera “válido”, dado o tema do espetáculo.

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O motivo do telefonema prendeu-se apenas com a nota de rodapé do próprio texto que apelida os discursos do antigo vereador da cultura da Câmara Municipal do Porto, Paulo Cunha e Silva (que morreu em novembro de 2015), de “delirantes”, falando de “ignorância ou descarada mentira” por parte do antigo vereador. “Conhecendo o Tiago Correia como conheço, achei estranho ler aquilo e pedi apenas que revissem essa opção e pensassem sobre ela”, afirma o diretor artístico do TMP.

Na referida nota, a escritora Regina Guimarães, que acusou na segunda-feira a direção do TMP de censura, afirmou que o antigo vereador inundou os portuenses “de discursos delirantes acerca da ‘cidade líquida inspirada em Zygmunt Bauman’, no intuito de legitimar teoricamente as escolhas políticas na sua área de atuação, positivando, por ignorância ou descarada mentira, uma noção que, para o sociólogo inventor do conceito, consubstancia o horror contemporâneo da perda de laços”.

E acrescentou que “significativamente, o erro — propositado ou involuntário — de Paulo Cunha e Silva — nunca foi publicamente denunciado pelos sociólogos da cidade e da sua academia”.

Dramaturga Regina Guimarães acusa de censura direção do Teatro Municipal do Porto

Após o telefonema, Tiago Correia terá pedido “cinco minutos” para falar com a sua equipa. Tiago Guedes conta ao Observador que pouco tempo depois lhe devolveu a chamada, “concordando com a não publicação do texto”. “Pensei que ele ia demorar uma hora, mas não. Ligou-me passado uns três minutos a dizer que tinha falado com a sua equipa e que também não se sentia confortável com o texto e por isso concordava em não publicá-lo.

No entanto, o encenador esclarece por escrito que a sua intenção durante esses “cinco minutos” era falar com a autora, Regina Guimarães, o que não aconteceu pelo facto de esta se encontrar no Conselho Municipal. “Eles sabiam que ela estava ocupada e fizeram isto nas costas dela. Nesse momento, eu não concordei com a opinião do Tiago Guedes, apenas deixei a questão ao seu critério.

Confrontado com esta questão, o diretor do TMP fala em “teoria da conspiração” e garante que caso lhe tivessem pedido mais tempo o teria permitido.

Sobre o alegado pedido de desculpas, o encenador nega-o. “Não lhe pedi desculpa, isso é absolutamente uma deturpação de tudo, apenas lhe disse que não fiz nada com o intuito de o ofender ou contra o TMP, mas é claro que o que ele queria era poder usar este argumento em sua defesa e é por isso que todos os contactos ao longo da semana foram realizados através de chamadas telefónicas, para que não houvesse qualquer registo.”

Após finalmente conseguir falar com a escritora, o encenador acordou com Regina Guimarães que não iriam insistir na publicação da folha de sala, deixando essa decisão ao critério do teatro.

Teatro Municipal do Porto rejeita censura a texto de Regina Guimarães

Durante o processo, o diretor do TMP relatou ao presidente da Câmara Municipal do Porto e atual vereador da cultura, Rui Moreira, “a complexidade” da nota de rodapé em causa. De acordo com o responsável, apesar de o presidente da autarquia ter dito que “se aquele era o texto que a companhia queria” devia ser publicado, Tiago Guedes entendeu não o fazer, até porque havia já um entendimento com o diretor da companhia de teatro no sentido de não publicar a folha de sala. “No limite, fui contra a decisão do presidente porque tinha a anuência da companhia”, afirma ao Observador.

Um livro

O autor e encenador da peça que passou pelo Teatro do Campo Alegre adianta que na mesma conversa telefónica, Tiago Guedes acusou-o de ter publicado um livro, com o mesmo prefácio, sem o seu consentimento, o que considerava “gravíssimo”.

“Expliquei-lhe que era do conhecimento dele que tínhamos um e-mail do TMP a dizer que fariam uma publicação sobre o lançamento do livro (…) expliquei-lhe também que o livro era uma publicação independente da Húmus e que não tinha nada a ver com esta coprodução.”

Foi precisamente nesse telefonema que o diretor do TMP ficou a saber que o mesmo texto que integrava a folha de sala, com a nota de rodapé dedicada a Paulo Cunha e Silva incluída, fazia parte de um livro. “A companhia não nos informou, talvez não o tivesse que fazer”, concordou Tiago Guedes, em declarações ao Observador.

O livro em questão iria ser vendido, com a autorização do TMP, no foyer do teatro durante os dias do espetáculo, algo que Tiago Guedes considerou posteriormente “incoerente”, uma vez que o texto era o mesmo e a companhia já tinha concordado em não divulgá-lo. No entanto, a versão do encenador é bem diferente.

Segundo Tiago Correia, no dia da estreia, foi “intimidado insistentemente” a ligar ao diretor do TMP, porque este estaria incomodado com a venda do livro. Ao responder afirmativamente sobre a permanência do prefácio da Regina Guimarães, a resposta de Tiago Guedes terá subido de tom: “Então achas que nós podemos permitir a venda do livro? Um bocadinho de bom senso! Um livro que chama mentiroso ao homem que te permitiu por exemplo estares aqui agora a fazer este espetáculo!”, escreve o encenador, recordando o que diz serem as palavras do diretor do TMP.

O autor da peça recusou cancelar a venda e desafiou Tiago Guedes a assumir a proibição. “Ele disse que estava fora de questão vender o livro. Aí, perguntei-lhe porque é que a minha entrevista foi retirada e porque é que o espetáculo não estava a ser divulgado, ao que ele me desligou o telefone na cara.

Uma estratégia de comunicação

Tiago Correia garante na mesma nota de esclarecimento que existiu um “boicote” à comunicação e divulgação do espetáculo, afirmando que a adesão do público, que durante os dois dias de apresentações encheu a sala, não foi fruto do trabalho de comunicação do TMP, “que se tinha comprometido a partilhar os nossos seis teasers, uma entrevista vídeo (que nunca saiu), e os vários artigos que se espalharam pela imprensa nessa semana”.

O encenador adianta ainda que recebeu a informação de que “teria que alterar as nossas notas de imprensa”, retirando das mesmas o parágrafo que referia a Regina Guimarães e as suas palavras e fosse também eliminada expressão ‘despejo criminoso’. “Ou seja, a palavra ‘criminoso’ não podia constar da nota de imprensa.”

Para o diretor do TMP, a estratégia de comunicação foi articulada pela agência de comunicação que a companhia contratou. A nota de imprensa enviada aos jornalistas por e-mail e dada em formato físico durante o ensaio inclui não só a expressão “despejo criminoso” como o parágrafo escrito pela escritora Regina Guimarães.

Um ensaio

Outra das críticas apontadas pelo encenador da peça “Turismo” remete para o dia de ensaio de imprensa, que decorreu no dia 29 de janeiro, onde alegadamente o diretor do TMP o informou que enviaria a sua comitiva para assistir ao ensaio “para verificar o conteúdo do espetáculo”. “Esta comitiva esteve ao meu lado em todas as entrevistas que dei, sem intervirem, mas criando um ambiente hostil no teatro, num dia em que eu já estava em polvorosa”, refere.

Ao Observador, o diretor do teatro rejeitou esta teoria e garantiu ser “normal e frequente” a equipa de produção assistir aos ensaios. Desta vez, Tiago Guedes estava em Paris e, segundo o próprio, o encenador comentou consigo que teria pena que não tivesse ainda visto a peça. “Disse-lhe para não se preocupar, que a minha equipa iria estar presente para o que ele precisasse”, argumentou.