O arguido que teve uma altercação com Battaglia ainda no aeroporto da Madeira após a derrota com o Marítimo e que, segundo a acusação, terá sido um dos principais operacionais na combinação via WhatsApp da ida à Academia. O arguido que até costuma ver os jogos na central, que nada vez no interior das instalações mas que tem consciência ter estado numa das páginas mais negras da história do Sporting. O arguido que quando viu os outros tirarem o cinto também o fez e atingiu Dost na cabeça, que podia ser outro jogador qualquer. O arguido que perguntou por mais do que uma vez se ia dar problemas, que só tapou a cara para não ser filmado, que nunca fez nada no interior para não ser reconhecido e que saiu quando ouviu a sirene tocar – e quando todos os outros já tinham entretanto deixado o espaço. Assim se resumiu a 32.ª sessão do julgamento do caso de Alcochete.

[O resumo da sessão 32 do julgamento do caso de Alcochete]

Dia 32 de Alcochete. Quatro idas à Academia, quatro destinos – com lágrimas, cintos, irritações com juíza e a carta para Musta

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Num dia em que a fase de instrução do processo de Tancos tinha mais holofotes do que o julgamento do caso de Alcochete (o facto de ambos decorrerem no Tribunal de Monsanto permite criar quase um barómetro de popularidade pelo alarido no exterior das entradas, com Tancos na porta mais à direita e Alcochete na porta mais à esquerda), a 33.ª sessão do episódio da invasão à Academia contava com mais cinco arguidos a falar (que no início até deveriam ser apenas quatro) e com mais versões diferentes da mesma situação mas com uma nuance com o seu peso na parte final da manhã, quando a juíza Sílvia Pires soltou a frase “Sim, já percebemos que não bateram em ninguém, que quem bateu são os que chegam e não querem falar ou os que não falam mesmo”. De forma indireta, esse acabou por ser quase um resumo do atual ponto do julgamento que terá o final da produção de prova na próxima semana: já se começa a ter noção de quem organizou e preparou tudo, quem mais incentivou e quem foram os primeiros a entrar no local e que bateram. E que não são os mesmos, como se vai percebendo.

Da renovação de Adrien em 2012/13 à invasão em 2017/18 (mesmo sem WhatsApp)

– Repito sempre a todos os arguidos a mesma coisa, não sei se já ouviu: só diz ao Tribunal o que quiser, só responde ao que entender porque é um direito seu. O que nos quer então dizer?, começou por referir Sílvia Pires
– Apesar de não ter batido em ninguém, quero mostrar o meu maior arrependimento por ter participado num dos momentos mais negros do desporto e pedir também desculpa aos jogadores e às suas famílias.

“O Sérgio Costa ligou-me, a perguntar se queria ir à Academia. Passou para me ir apanhar na Portela, fomos daí para o parque do Lidl no Montijo. A seguir fomos para um parque estacionamento de terra batida, já ao pé da Academia. Saí do carro, vi logo os jornalistas, que pareciam estar a entrar para a Academia, estavam à porta com as câmaras. Começo a ver toda a gente a tapar a cara e ponho o colete que tinha comigo. Porque tapei a cara? Tapei para não ser filmado nem fotografado. Começaram a correr, eu fico para trás. Não havia nenhum segurança à porta. Já tinha ido falar antes com os jogadores à Academia, da outra vez foi na época a seguir a perdemos a final da Taça de Portugal com a Académica [ou seja, época 2012/13]”, referiu Jorge Almeida, explicando depois o porquê dessa ida: “Nas outras vezes o portão estava fechado, esperámos pelo segurança e ele levou-nos. Foi no ano a seguir a essa final e juntámo-nos ali à porta antes de entrarmos. Era numa altura em que o Adrien Silva estava a pedir muito dinheiro para renovar e nós fomos lá para ele não pedir tanto…”.

– Os senhores estavam a ajudar na negociação do contrato, era isso?
– Não, não era ajudar, era só para falar…

“Achei muito estranho o portão nesse dia estar aberto, junto à casa do segurança estavam os jornalistas. Não estava lá nenhum segurança. Disse na rua para o jornalistas que eles só falavam mal do Sporting. Começo a correr, passo pelo mini campo de treinos e vamos para onde costumavam treinar. O mister Jorge Jesus estava sozinho no campo. Contorno, vou pelas arcadas que têm o toldo, começaram dizer ‘É aqui, é aqui’ e eu entrei. Não conhecia aquele edifício, tem uma porta lateral. Quando entrei não sabia o que ia encontrar, entrei só atrás dos outros. Entrei à procura de quê? Do resto dos arg… das pessoas que tinham entrado antes”, prosseguiu.

– Foi à procura deles?
– Não, fui atrás deles.
– Mas à procura do quê?
– Ia à procura para ver se havia ali jogadores…
– Mas ia fazer o que à Academia?
– Ia ver o treino.
– Ah, ia ver o treino… E costumava haver muitos treinos abertos?
– Ia ver, dar uma palavra de incentivo para a final da Taça, as coisas não estavam a correr bem…
– Com a cara tapa?
– Quando falei com o senhor Manuel Fernandes destapei a cara e destapei várias vezes lá dentro.
– Mas entrou no edifício de cara tapada?
– Não me lembro, não me lembro…

“À direita estava o Manuel Fernandes, havia muito fumo. Não chego a entrar, fico logo ali do lado lado esquerdo. Fiquei ao pé da porta que dá para o vestiário. Nem vi o balneário, estava fumo. Disse que no domingo era para ganhar. Fiquei só à porta, no lado esquerdo. Depois ouvi uns berros, a dizer ‘Domingo é para ganhar’ e ‘O Sporting somos nós’. O senhor Manuel Fernandes diz então ‘Isto não é o Sporting’. Já o tinha visto quando entrei, depois foi lá a essa parte. E eu disse a responder que de certeza que as palavras não eram para ele porque ele já não joga no Sporting. E depois saí, ouvi dizer ‘Vamos embora, vamos embora'”, descreveu Jorge Almeida.

– Então e o que é que lá foi fazer?
– Apoiar para domingo, ver o treino…
– Não achou estranho aquelas coisas todas?
– Era habitual encontrarmo-nos a caminho da Academia, no Freeport ou a seguir à Vasco da Gama…
– Mas não se treina no balneário, certo?
– Não…
– Então o que foi fazer para o balneário, porque é que não esperou?
– Se calhar foi para poder ver os jogadores que se idolatra…
– Mas já ouvi aqui dizer que idolatram é o símbolo da camisola… Também é viciado no Sporting?
– Não, não…
– Pronto, menos mau…

“Não vi nenhuma agressão, estava lá muito fumo. Não vi ninguém a bater em ninguém nem bati em ninguém, só disse aquilo ao senhor Manuel Fernandes. As tochas só as vi caídas no chão, vi fumo verde mas não vi nenhuma a ser aberta lá”, acrescentou, antes de confirmar que era o senhor a entrar na Academia e no balneário das páginas 634 do 3.º Volume. “Quando comecei a ver toda a gente a tapar a cara, tirei a t-shirt e também tapei”, frisou.

– Pronto, era só para confirmar, posso ser eu a interpretar mal ou outra coisa…
– Também posso ser eu que estou um bocadinho nervoso…

Fátima Almeida fez depois algumas questões, nomeadamente onde estava Sérgio Costa nesse momento em que viu pessoas a correr e foi também atrás deles. “Ficou ainda mais para trás de mim”, precisou.

– Então mas se iam ver o treino, porque deixou o seu amigo para trás?
– Porque os outros já lá iam e também fui atrás para ver…
– Ah, é como um senhor das finanças…

“Estava um bocado surpreendido com tudo aquilo, não sei. Não sei porque levaram tochas se iam ver o treino e incentivar. Sou sócio do Sporting desde 2013 e 2014, da Juve Leo não sou nem acompanho, o meu lugar é na bancada B, por cima deles. Quando estou ali, estou quase de frente para o Bas Dost, com uma pessoa do Sporting a agarrá-lo e com uma coisa já na cabeça. Posso ter olhado, posso ter visto pessoas com o equipamento do Sporting mas com aquele fumo não vi nada preciso. Quando cheguei a essa zona destapo-me para respirar um bocado, tinha estado uns 600 metros ou assim sempre a correr…”, detalhou no regresso à descrição feita.

– Mas não foi sempre a correr…
– Oh mas para mim aquilo era um sprint…

“O Jorge Jesus entrou e saiu, passou por mim. Foi até à porta do balneário e depois voltou. Se o vi no chão? Não. Estava um senhor careca ao pé dele, ali com umas pedras a ameaçar, a dizer vocês ‘Saiam daqui, saiam daqui’… Tiveram que ficar à minha espera porque tinha um problema na perna direita… Depois percebi que tinha sido um erro. Só me apercebi o que se tinha passado e o que tinha acontecido um tempo depois. Desde que o momento em que o portão da Academia estava aberto pensei que…”, referiu sobre o momento da fuga.

– Mas imagino que ia também mostrar algum descontentamento…
– Não, não, ia só incentivar…
– Ah, então era mesmo diferente dos outros…
– Sim, era só mesmo para incentivar!

Sílvia Pires tomou depois a palavra de Fátima Almeida para mais um comentário solto sobre o que tinha sido dito.

– Olhe, mas quando viu a cabeça do Bas Dost achava que se tinha magoado onde? No treino?
– Percebi aí que algo de errado tinha acontecido…
– E o que pensou depois de tudo isto?
– Que tinha cometido um grande erro, que tinha prejudicado o Sporting, os jogadores, o staff também, as famílias e os amigos dessas pessoas que tiveram de ver essas imagens. Na altura vivia muito o Sporting…
– Então mas se vivia tanto porque é que não se inscreveu numas aulas do clube por exemplo, têm bastantes…
– Pois…
– E sobre as tochas, nem aí achou estranho?
– Eu ia tapando e destapando a cara para respirar. Achei estranho aquela que estava debaixo do carro…

A terminar, Aníbal Pinto, advogado de defesa, fez apenas três questões para reforçar pontos que já pareciam ter sido assumidos pelo coletivo de juízes: por um lado, que Jorge Almeida não esteve em nenhum dos grupos do WhatsApp que prepararam a invasão; por outro, que não iria revelar quem mais ia consigo nesse dia; por fim, que ninguém lhe tinha falado de nada para tapar a cara e que, por isso, teve de tirar a t-shirt para se tapar.

Dois minutos, uma declaração, zero respostas (por conselho do advogado)

Seguiu-se Paulo Patarra, um dos arguidos que tem estado dispensado de comparecer no Tribunal de Monsanto por estar a trabalhar, que chegou à sala ao mesmo tempo que os restantes arguidos mas que, ao contrário de quem falou de manhã, prestou depoimento e voltou a deixar a sala. Também ao contrário de todos os outros, preferiu não responder a nenhuma questão do coletivo de juízas. “Quero só dizer ao meu cliente que faça uma declaração e que não responda nenhuma pergunta”, reforçou o advogado de defesa, Aníbal Pinto, logo no arranque.

“Quero pedir perdão ao Sporting, aos jogadores e ao staff pela mágoa que lhes causei, quero pedir desculpa ao tribunal e à minha família pelos danos que causei e pelo mau exemplo que foi dado. Nunca pensei e arrependo-me de não ter evitado o que aconteceu e de ter contribuído para o que aconteceu”, disse, com algumas partes de difícil compreensão no bloco onde se concentram os jornalistas por estar afastado do microfone e falar baixo.

Sílvia Pires ainda perguntou depois se era sócio do Sporting e também se tinha alguma proximidade aos casuals, até por estar identificado nas mensagens do Whatsapp como “Patarra Casual”. O arguido não respondeu.

– Não quer dizer mais nada? É que se não quiser terminamos já…
– Não quero dizer mais nada.
– Então terminamos já, obrigado e bom dia.
– Bom dia, com licença.

O miúdo que o médico viu crescer e que fugiu quando viu Dost em ombros

Seguiu-se Afonso Ferreira, à data com 19 anos que está dispensado de comparecer nesta fase do julgamento por ter voltado a estudar na faculdade (a cópia do cartão universitário foi inclusive anexado ao processo). Afonso Ferreira que, além das testemunhas abonatórias que foram passando pelo Tribunal de Monsanto, foi referido por um dos médicos do clube, neste caso o que acompanhou Dost na altura em que estava a levar pontos na Academia.

“Sou muito amigo da família, médico do bisavô, do avô, da mãe, do pai… Moraram 30 anos por baixo de mim, ele foi alguém que vi nascer. Não o vi lá. Fiquei surpreendido com o trauma causado naquela família, que são todos sócios desde que nasceram. Pessoas bem formadas, com quem tenho uma amizade extrema. Fiquei muito surpreendido com o que sofreram. O Afonso é alguém com boas notas, educado mas o futebol pode trazer também comportamentos desajustados. Às vezes cometemos erros, entramos em situações que não deveríamos entrar. Mas posso dizer que é uma família exemplar”, contou Virgílio Abreu na 12.ª sessão do julgamento do caso de Alcochete.

“Queria começar por relatar os factos de dia 15 de maio. Fui inserido num grupo [do WhatsApp], na véspera ou mesmo no dia. Pedi boleia, fomos em direção ao Lidl do Montijo e daí seguimos para a Academia. Íamos dar uma pressão aos jogadores, perguntar pelos resultados, falar da falta de compromisso de alguns atletas que não estavam a dar valor ao Sporting, tudo para ver se reagiam. Era uma pressão apenas verbal para ver se os jogadores reagiam perante os resultados, pelo pouco empenho. Mas era uma pressão verbal para ver se eles reagiam”, disse.

– No Lidl fiquei no carro e depois seguimos para a Academia…
– Quer dizer com quem foi?
– Não vou dizer…

“Estavam muitos carros, nem sabia quem era muita gente que estava ali. Não sei precisar quantos íamos. Coloquei uma balaclava, que era minha e levei-a comigo. Vi na diagonal que era para ir [à Academia], tinha umas 300 ou 400 mensagens, vi lá isso. Tentei acompanhar o grupo mas sou asmático, nunca tinha usado aquilo…”

– Se nunca tinha usado porque é que tinha?
– Foi do Carnaval ou de um fim de ano.
– Carnaval quanto muito, fim de ano…

“Fui a correr e a andar porque sou asmático. Fui atrás dos outros. Tinha a ideia de que era para ir ao treino. Vejo o Jorge Jesus, ignorei-o. Virei à esquerda, fiquei meio perdido porque nunca lá tinha ido, entrei na ala do edifício na ala profissional. Vejo o Manuel Fernandes, vi o Bas Dost com duas pessoas, entrei em pânico e fugi. Havia um treino que estava marcado para as cinco da tarde, o resto não sabia, nunca lá fui. A perceção que eu tinha era essa, que íamos pressionar os jogadores no treino. Fui atrás dos outros mas não ia em busca de nada, fui só atrás dos outros. Tenho ideia de ver tochas. Se era normal? Sim, tenho ideia que fosse normal”, contou.

“Entro então no edifício. Viro à esquerda, vejo o Manuel Fernandes, o Bas Dost estava aos ombros e entrei em pânico, queria sair dali porque nunca tinha ido lá para aquilo. Não me recordo se ainda tinha sangue, é possível. Não entrei no balneário, na zona do vestiário. Vi o Dost e saí. Fui em direção ao carro e depois fomos intercetados pela GNR, na altura da detenção…”, acrescentou a propósito da saída da Academia.

– Foi intercetado no Seat com o Sérgio Costa.
– Não vou falar de nomes.
– Sim mas pode dizer o carro…
– Sim, foi esse.
– Foi ver o jogo à Madeira?
– Sim.
– Tem alguma alcunha?
– Tenho, o Bucha.
– Quando disse que ia à Academia?
– Disse que ia no dia.
– Mas no dia 14, na véspera, à noite, já está a pedir boleia à “malta de Odivelas”, para ver se alguém o consegue apanhar.
– Se está aí assim foi, disse isso.
– O Afonso estava a estudar, tinha 19 anos… O que motiva um rapaz que anda na universidade a fazer uma coisa destas?
– Foi o maior erro da minha vida estar naquele dia, naquele local e àquela hora…

Passei noites sem dormir, noites sem comer, fraturei o dedo no estabelecimento. Só saí cinco meses depois numa diligência, não via pessoas, não via árvores, não via pessoas com mochilas… Foi uma lição de vida. Ver os meus pais a chorar visita após visita… Foi uma grande lição”, confidenciou.

“Doutora Cátia [no Tribunal em representação do Sporting], queria pedir as minhas mais sinceras desculpas aos adeptos e aos sócios do Sporting porque eles são o Sporting. Queria pedir desculpa aos jogadores e também às suas famílias pelo que fiz, que foi hediondo. E tenho de pedir desculpa aos meus pais por tudo aquilo que eles sofreram com esta situação”, prosseguiu, numa parte mais emotiva do depoimento.

– É sócio do Sporting?
– Sou sócio há 21 anos, desde que nasci.
– Tem alguma ligação a alguma claque?
– Não.
– E aos casuais?
– Tenho amigos em comum mas não pertenço.
– Então porque está no grupo como “Afonso Casual”?
– Não sei.
– O que é um casual?
– Não sei, não pertenço. Tenho amigos mas não sei.
– E não viu o que estava nas mensagens do grupo?
– Vi algumas na diagonal… Foi a maior estupidez da minha vida.
– Mas aquilo era mais do que ir mandar bocas…
– Podiam ser desabafos, no Facebook também se vê isso. Pensava que não era para levar à letra, agredir jogadores do Sporting foi uma coisa que nunca me passou pela cabeça…
– Mas é estranho entrar logo a correr, de forma organizada…
– Não fazia ideia o que era muita ou pouca organização, não sei…

Em resposta a Fátima Albuquerque, Afonso Ferreira explicou que nunca tinha falado com ninguém para ir com aquele propósito e que pediu boleia por “não ter carta de condução nem veículo”.

“Não me apercebi de ninguém que tentasse travar, que me tenha apercebido. Ricardo Gonçalves? Desconheço tal pessoa. Vi o Jorge Jesus, à minha direita. Ninguém se dirigiu para o campo, fui atrás dos outros. Estava ali perdido, pensei que fosse para ir em direção ao campo de treinos. Quando me dirijo ao edifício entrou logo no hall, não estava ninguém, viro à esquerda e vi o Manuel Fernandes mal viro. Vou mais um pouco, penso que faz uma espécie de um ‘S’ e vejo o Bas Dost apoiado nos ombros de outros dois. Quando estou a sair o Jorge Jesus passa por mim, ao pé das últimas portas para o exterior, estava a gritar atrás de alguém, não me recordo do quê. Não me recordo, só queria sair dali. Não vi o Jorge jesus no chão, só queria sair dali”, acrescentou.

– A ideia era que eles reagissem aos resultados…
– Mas quais maus resultados?
– Terem perdido na Madeira, terem ficado fora da Champions…
– Qual é o lema do Sporting, sabe?
– Esforço, dedicação, devoção e glória.
– E qual desses desrespeitou nesse dia?
– Eu? Todos.
– Em sua casa também fazem pressão para ter boas notas assim, de cara tapada?
– Nada disso, é normal. A violência não é desculpa para nada. Foi o maior disparate que fiz nada vida…
– Vocês são demasiados novos para dizer que foi o maior disparate porque têm muito tempo para fazer disparates, esperemos sim é que tenha sido o último…
– Pois, nada na vida é garantido, infelizmente.
– Nada mesmo…
– Estava muito verde, a cadeia deu para amadurecer bastante. Uma realidade que não sabia que existia, lidar com gente que não sabia que existia, foi uma boa lição de vida…

Miguel Matias, advogado de defesa, fez depois algumas questões. Sobre o caso, através da juíza presidente, Sílvia Pires; as pessoais, com a possibilidade de ser diretamente ao seu constituinte. O depoimento estava quase a acabar.

– Como é que convive com os resultados, com as derrotas mas também com as vitórias?
– Sim, ainda ontem ganhámos…
– Sim mas o Afonso teve aqui testemunhas que disseram que nem dormia quando o Sporting perdia… Olhe, está a ver, falou-se de Sporting e até se riu…
– Estou nervosíssimo… Tento desvalorizar, o foco da minha vida não está no Sporting. Vou ser do Sporting até morrer mas o meu foco está nos estudos e na minha vida profissional.
– Muito bem, pode sentar-se lá atrás.
– Obrigado, um resto de bom dia.

Dost pré-agressão e a camisola de William: Ferrão foi dos primeiros a entrar

Miguel Ferrão seria o último arguido a falar na parte da manhã, já depois de ter estado com o seu advogado na zona do segundo bloco do Tribunal de Monsanto dedicada para o efeito. O início do depoimento teve muitos pontos de contacto com os primeiros mas, no interior das instalações, o cenário foi diferente e o arguido assumiu que tinha estado naquele grupo de “seis elementos” que entrou primeiro no balneário segundo Bas Dost.

“Fui inserido num grupo de WhatsApp. O objetivo e a intenção era só falar jogadores, fazer uma pressão, ir até à Academia, em direção do campo e parar o treino. O objetivo era esse, parar o treino. Pelo menos o meu objetivo era esse, parar o treino. Fui para lá de boleia. Estavam lá muitos carros, não tinha noção. Parámos no parque de terra batida e saí do carro. Fui a correr. De cara tapada? Sim, de cara tapada. Tapei a cara com uma balaclava que era minha, levava-a comigo para lá”, começou por referir Miguel Ferrão. Seguiu-se a entrada na Academia.

“Nunca lá tinha estado, não conheço o espaço. O portão estava aberto, não tive essa perceção de ser proibido. Fui para o campo de treinos e só estava lá o senhor Jorge jesus. Não vi jogadore e fui atrás de algumas pessoas. A intenção era falar com os jogadores. Tochas? Não me lembro de serem deflagradas tochas. Fui pelas arcadas, até entrar por aquela porta de vidro, e virei à esquerda. Vi o Bas Dost, estava à minha direita. Ainda não estava magoado. Entrei na zona dos cacifos e dirigi-me ao William Carvalho. Estavam alguns jogadores, ele foi o primeiro com quem falei. Agarrei-lhe no braço e disse que não era digno de vestir a camisola do Sporting. O Coates tocou em mim e falou comigo. Disse-lhe o que se passava, estava mais ou menos assustado”, continuou.

– Estava lá mais gente de cara tapada, continuou a entrar gente.
– Já havia agressões?
– Não vou falar de mais ninguém.
– Mas viu?
– Houve uns empurrões…

“O Coates agarrou-me, estava a falar com ele. Quando acabou o William disse ‘Vou dar-te a camisola, vou só ali falar com o Valter’. Disse que ia tirar a camisola e depois me ia dar. Estive sempre no mesmo registo, a falar normal. Se calhar a balaclava era para criar um impacto maior nos jogadores. Estava uma grande confusão, havia fumo naquela zona. Estava de costas, virei à direita no balneário e estava de costas para o resto. O alarme de incêndio também estava a tocar E no meio da confusão decidir sair. Não me lembro da expressão, alguém disse qualquer coisa do género ‘Correu mal’ e saí. Falei depois com o Manuel Fernandes, uma conversa curta de segundos. Posso ter-me cruzado com o Jorge Jesus mas na confusão não me recordo”, prosseguiu, explicando ainda que não tinha estado no jogo com o Marítimo na Madeira nem nas garagens de Alvalade.

– E as coisas que disse do William na conversa?
– Admito que tenha dito foi uma parvoíce. Não tinha focos em específico, no grupo disse isso. Culpava a equipa no geral. A balaclava já a tinha há alguns anos, achei graça porque era alusiva ao Sporting mas não a usava.

Fátima Almeida, uma das outras juízas, quis saber depois mais pormenores sobre a invasão em si e sobre o que fez o diretor de segurança do espaço, Ricardo Gonçalves, um dos nomes mais falados nas primeiras sessões.

“O Ricardo Gonçalves estava a tentar fazer com que parássemos. Estava atrás de mim, depois ao lado, andava ali. Ninguém decidiu ir para o balneário, vi alguns a irem e fui atrás deles, ninguém deu uma ordem. Se calhar havia pessoas que já lá tinham estado, a ver jogos. Como tinha a balaclava o campo de visão é menor. Tentei abrir uma porta de vidro mas nem sei o que estava do outro lado, não abriu. O Manuel Fernandes não me lembro de o ter visto à entrada, só à saída. O Bas Dost estava à entrada do balneário. Passei por ele mas não fui eu que lhe fiz o ok, como ele disse. Quando cheguei já estava aberta. Quando entrei vi o William à direita, agarrei-o no braço, na zona do cotovelo. Não lhe bati no peito, só pedi a camisola. Disse que não era digno de vestir, era um ato simbólico. O Coates tocou-me e virei-me para ele. Ninguém bateu ao Coates, eu também não bati em ninguém. Ele pergunta o que se está a passar e expliquei que o meu objetivo não era estar ali, era estar no treino. Se fui eu que torci o braço ao William? Não fui eu que lhe torci o braço, isso não. Nem vi quem fez”, repetiu.

– E depois fica ali a falar calmamente com o Coates à espera da camisola…
– Ele disse depois só, antes tinha de ir falar com o Valter
– Então quem bateu foi os que não falam, é isso? Ninguém bateu, não nada, à excepção do Rúben…
– Estou a dizer o que vi…
– Como é que consegue ter uma conversa no meio de tanta confusão e barulho?
– Podemos ter levantado a voz para nos fazer ouvir…
– E foi um dos últimos a sair do balneário…
– Fiquei ali naquela zona da porta.
– Então viu o William.
– Não, não o vi mais.
– E o Coentrão?
– Também não. Não vi mais ninguém. Quando saio é que vi o Manuel Fernandes.
– E o que lhe disse?
– Que os jogadores tinham de ir embora, não mereciam vestir a camisola.
– Porquê?
– Porque achava que era alguém para dizer isso…
– E quem jogava depois, era o senhor?

“Não me recordo de ver nem passar outra vez com o Jorge Jesus. Depois fomos embora. Achei que foi um exagero enorme, nunca pensei que tinha causado esse dano psicológico aos jogadores e queria pedir desculpa aos jogadores por isso… Naquele momento pensei logo que tinha sido um erro enorme em ir e participar. O que fiz mal? Eu não sou ninguém no Sporting para chegar ao William e dizer isso”, destacou Miguel Ferrão.

– Nem no Sporting nem em lado nenhum!
– Sim, em lado nenhum.
– Mas qual era o grande mau resultado?
– Agora que ponho a mão na consciência não devia ter acontecido…
– Em março não estavam piores? Porquê nesta altura, com a final da Taça?
– Tínhamos perdido o acesso à Liga dos Campeões e era uma forma de demonstrar que a final da Taça era para ser ganha mas não devíamos ter feito…
– Faziam isto antes das outras finais?
– Não, isto nunca aconteceu…
– O que quer fazer da vida?
– Tenho os meus objetivos.
– Quais?
– Acabar a carta, estou a trabalhar. Quero construir a minha família com a minha namorada, quero a minha casa…
– E se não atingir como vai reagir?
– De forma diferente, já tive a minha aprendizagem…
– Mas antes de chegar ao vermelho tem de perceber os amarelos, aqui neste estampou-se completamente…

Contando que conhecia William de vista fora do Sporting, por ser vizinho do tio e ver o antigo médio leonino “várias vezes a passear com os cães”, Miguel Ferrão terminou o depoimento a pedir desculpa e a recordar os momentos que passou na prisão. “Tenho consciência de que foi um erro enorme ter participado e ir à Academia, nunca devia ter acontecido algo parecido sequer. Não tinha noção dos danos psicológicos que causámos aos jogadores. Não tinha percebido que o impacto fosse tão grande ainda hoje. Por isso, quero pedir aos jogadores desculpa pela pressão psicológica, nunca foi minha intenção que ainda hoje sofressem”, disse.

“Vi os meus pais a chorar, a minha irmã a chorar, foi uma situação muito marcante. Não ver o meu sobrinho que é como se fosse meu filho… Também lhes quero pedir desculpa. E desculpa também à família dos jogadores porque compreendo que para alguns não foi fácil, alguns estão noutros continentes a ver estas notícias todas. Sofreram muito, eu no lugar deles também sofreria. Não estava habituado a esta questão da prisão, nunca houve nada assim na minha família. Foi um impacto grande, uma aprendizagem, não é positivo para ninguém. Os maiores prejudicados sem dúvida que foram os jogadores porque são eles as vítimas. Queria só mais uma vez pedir desculpa aos jogadores. Sei que são as verdadeiras vítimas porque o balneário é o seu local sagrado, o seu local seguro. Não o digo da boca para fora, quero pedir imensas desculpas”, concluiu.

A ausência de Musta e a discordância de Bruno com as idas à Academia

Na parte da tarde, Miguel Maia, capitão do voleibol do Sporting, foi a penúltima testemunha chamada pela defesa de Bruno de Carvalho. “Era um presidente fora do normal. Estava presente e apoiava, era muito participativo. Tínhamos uma boa relação. Era uma pessoa que queria ajudar. Se nos sentíamos pressionados para ganhar. Não, felizmente ganhávamos quase sempre”, referiu em cerca de cinco minutos de conversa, como já tinha acontecido com outros jogadores ou atletas da modalidade que passaram por Monsanto. “Foi uma honra falar consigo, um capitão do Sporting e campeão nacional”, atirou no final Miguel A. Fonseca, citado pelo Record.

Seguiu-se o depoimento de Emanuel Calças, arguido que tinha passado antes do departamento de comunicação do Sporting – e que, pouco tempo depois do dia da invasão à Academia, deveria voltar e não a fazer só um estágio. “Soube da hora do treino através de um funcionário do Sporting”, confidenciou, sendo que, depois de esse ponto se ter tornado público no seguimento do processo, acabou por ser afastado pelo clube. “O ‘Academia Amanhã’ foi criado para pressionar os jogadores, o nosso intuito era chegar a meio ou ao final do treino e pedir justificações”, acrescentou o arguido, que está dispensado de assistir às sessões do julgamento.

“Eram uns 6/7 carros. Estacionámos numa zona de terra batida e quando saímos as coisas estavam descontroladas, uns correram, outros ficaram… Eu ia de cara tapada. Se esperava o Nuno Mendes (Mustafá)? Só me apercebi que o Musta não ia já na Academia. Tinham-me dito que ele ia. Se falei com ele? Não, depois dos jogos que correm mal é normal ele desligar o telemóvel. Se ele tivesse ido de certeza que não havia aquele descontrolo. No balneário vi o William, o Patrício, o Podence, o Rafael Leão, o Bruno Fernandes… Mas estava fumo. Depois no corredor estava o Jorge Jesus, a dizer que alguém o tinha agredido. Ia no encalço de alguém”, contou.

“No futebol há sempre o diz que faz, mas nunca acontece nada. É normal”, comentou sobre as ameaças de agredir jogadores que escreveu por mais do que uma vez no grupo do WhatsApp, antes de confidenciar que, antes da ida à Academia, esteve para ir à Casinha buscar tochas, algo que não aconteceu por não estar presente a pessoa que tinha a chave das instalações. “Quem era? Prefiro não revelar, mas não é nenhum dos arguidos”, acrescentou.

Em paralelo, Emanuel Calças falou também da reunião em abril com o antigo presidente Bruno de Carvalho. “O presidente disse que ia ter mais cuidado na parte da comunicação. A reunião acabou com ele a cumprimentar-nos a todos”, referiu, antes de recordar uma outra ida à Academia no Natal de 2016, já com Jorge Jesus no comando da equipa. “Bruno de Carvalho era contra as nossas idas à Academia. Foi o que ele demonstrou sempre”, frisou. “Quero demonstrar o meu arrependimento e pedir desculpas ao Sporting, aos jogadores e ao staff“, concluiu, num depoimento com menos de uma hora que fechou a sessão desta sexta-feira, antes de uma semana onde serão ouvidos mais arguidos entre os quais Nuno Mendes, ou Musta, líder da Juventude Leonina, e Bruno de Carvalho, antigo presidente do Sporting, que será o último a falar antes das alegações finais.