(Artigo em atualização)
Nuno Mendes, também conhecido como Mustafá ou Musta, líder da Juventude Leonina, foi o último a falar à tarde na 34.ª sessão do julgamento do caso de Alcochete. Foi o último pela ordem, foi o primeiro pelo peso que teve no que disse. Se dúvidas ainda existissem, as suas declarações voltaram a demonstrar como um momento de clivagem entre fações distintas da Juventude Leonina e dos tão falados (e questionados) casuais também ajuda a explicar a invasão à Academia. Antes, sobrou o sentimento de injustiça. E não demorou a manifestar o mesmo pela medida de coação de prisão preventiva, tendo no último bloco onde estão também os jornalistas cerca de 20 pessoas como nunca antes se tinha visto neste julgamento à exceção talvez da primeira sessão no Tribunal de Monsanto. “Antes de mais quero dizer que não me revejo nesta confusão. O que aconteceu aqui é uma vergonha. Desculpe, são nove meses, muita coisa… Desde o primeiro interrogatório os indícios são sempre os mesmos…”, arrancou.
– Não vá por aí, até percebo o que diz mas está aqui para falar dos factos… Melhor ou pior, todos têm a sua medida de coação…
– Mas quais factos?
– Os factos que estão na acusação…
– Sim, é por causa disso estou aqui…
“Sou presidente da Associação Juventude Leonina desde 2011, sempre com o Daniel Samico como vice. Fernando Mendes? Tinha um bom relacionamento mas não tinha nada a ver com o staff nem com a direção, só com o merchandising da marca. Depois o Gustavo Tavares era a pessoa que estava à frente do material, da parte do merchandising e também fazia parte do staff. O Tiago Silva [Bocas] também era do staff, tinha a parte da bilhética. O Valter Semedo estava ali, andava ali mais com a gente, mais comigo, ajudava nas coreografias, era uma pessoa próxima de mim. O Emanuel Calças era chefe de núcleo de Leiria e ajudava no staff do material, faixas, bandeiras”, explicou sobre alguns dos arguidos do caso e a ligação que os mesmos tinham à claque.
– Não esteve na Academia.
– Antes estivesse…
– Sabia desta deslocação?
– Não.
– Está no grupo Exército Invencível, no grupo dos chefes de núcleos… Aí começava a ser comentada já com alguma agressividade a questão dos resultados…
– Não li, não reparei nem tive acesso a isso. Não me apercebi porque não fui ao jogo da Madeira. Até vou contar o que se passou
– …
– Há dez anos que vou à Madeira. Estava a jogar à moeda, no café. Fiquei no café. A única vez que vejo o Fernando, o Tiago e o Valter é por causa dos bilhetes para esse jogo. Aliás, ainda bem que o Valter se lembrou porque o William ainda não pagou esses tais quatro bilhetes que queria para a final da Taça…
– Mas isso agora não interessa…
– Já tinha bebido um pouco a mais, já vinha da noite anterior. Acabou o jogo, cheguei ao meu apartamento, fiquei sem bateria. O que apareceu na TV, no aeroporto, não teve o impacto naquela altura que teve três dias depois, quando se viu. Senhora doutora, foi o que vi. No dia a seguir, na segunda-feira, passei pelo mercado para ir buscar uns maracujás, vou para o aeroporto e é aí que vejo o Fernando [Mendes], o Bruno Jacinto, o presidente da Mesa, o…
– Mas vamos a factos, vá lá…
– O Fernando Mendes disse-me que o Acuña lhe tinha faltado respeito, que a mãe dele tinha morrido há pouco tempo. Para mim era uma coisa pessoal, quando entramos no avião aquilo morreu para mim, completamente.
– E falou com o presidente Bruno de Carvalho?
– Isso não tem pés nem cabeça, essa coisa de ele me ter dito o façam o que quiserem…
– E soube da ida às garagens nessa noite do jogo?
– Ouvi falar depois, sim. Mas só depois.
– Mas há aqui uma mensagem do Samico a dizer ‘Carga’ num grupo…
– Senhora doutora, se está aí… Não sei precisar, veja lá que nem tinha ideia dessa mensagem… O líder da Juventude Leonina não teve conhecimento nem deu ordens. Nem percebo isso.
– Tem de me ouvir, há muita gente a envolver o seu nome, se não fosse assim o senhor não estava aí…
– Não vejo razão nenhuma para essas mensagens, nada do que se passou é normal. Não é normal, em dez anos com o Samico concentrávamo-nos, falávamos como uma direção e era sempre assim, como uma Associação. Por isso é que não estou a perceber, ele não falou comigo!
“Cheguei às quatro e meia, cinco a Lisboa. Passei, peguei a minha filha, fui para a casa na Charneca e desliguei. Desliguei-me de todo. A operação Jamor começava na quinta-feira, depois era sexta e sábado até domingo, o dia do jogo. Estava de rastos. Quando é família é família, não estou para ninguém, quem me conhece sabe que é sempre assim. Não foi só ali, é em todos os jogos”, acabou de contar em relação do regresso da Madeira após o jogo com o Marítimo, antes de começar a abordar o dia 15 de maio, da invasão. “Na terça-feira, dia 15, acordei para comer uma canja da Cristina, voltei a dormir e ela depois acordou-me para olhar para o que estava a dar na TV. Mensagem no Nuno Torres para almoçar nesse dia? Nem estou a perceber essa mensagem à exceção de uma coisa de uma carrinha da Juventude Leonina não tinha intimidade comigo para isso”, resumiu.
– Falemos agora da reunião que houve na Casinha…
– A famosa reunião de dia 7 de abril…
– Como é que isso aconteceu?
– É uma reunião marcada por mim mas não por causa do Bruno de Carvalho, foi por causa dos problemas internos da Juventude Leonina e tudo o que passou em Madrid. Autocarros partidos, detidos, um no hospital. Tanto que fiquei em Madrid. Ele aparece ali por causa dos posts mas ainda hoje nem sei o que é isso. O jogo com o Atlético numa é quinta, fui um dos últimos a vir. O Samico deu-me conta dos problemas que se passaram, dos autocarros etc. e recebo um telefonema do André Geraldes, que não soube como tinha conhecimento da reunião, a dizer que o presidente queria ir dar explicações porque estava a ser contestado. Só me inteirei disso aí, estava-me borrifando para os posts do presidentes, só me preocupava o que se tinha passado em Madrid.
– Era normal?
– Haver reuniões nossas? Sim. Aquela reunião os elementos sabiam que era sobre a Juventude Leonina, só uma hora e meia antes é que disse que o presidente ia. Já lá estava. Chegou e disse ‘Eu resolvo as coisas assim, estou aqui, cada um pergunte o que quiser’. Só me inteirei de tudo na sexta e passou-me ao lado, uma hora e meia antes é que me deram um feedback de tudo e passei a palavra ao presidente. Depois aquilo descambou um bocado…
– Explique-me o que é ‘descambar tudo’.
– No entender do presidente, aquele post não era motivo para haver qualquer coisa mas que se fosse por isso pedia desculpas. Mas a arrogância, a maneira como falava, como mandava calar… Houve um que lhe disse ‘Não me manda calar, quem me manda calar é o meu líder’. Depois estava com o pé no bar, o Elton Camará até lhe disse que aquilo tinha 43 anos, que ali não era o clube… Não sei como é que ele não levou umas pingas ali. Ou melhor, foi porque eu não permiti. Foram 20 minutos ali, depois a dizerem ‘Eu sou mais sportinguista, não eu sou mais’… As pessoas queriam saber se havia problemas com a equipa, com o Jorge [Jesus], o que se passava ali mas a revolta maior das pessoas era o post. Houve uma pessoa lá, entre 50 ou 60, 40 pessoas a representar núcleos, que disse ‘Temos de ir à Academia’ mas passou ao lado, ficou logo fora de questão…
“Não seria a primeira vez que a Juve Leo ia à Academia mas no meu entender não havia razão nenhuma para ir, era para apoiar no domingo, com o P. Ferreira. Não perdemos com o Costa da Caparica nem com o Arrentela, perder 2-0 com o Atlético não é nada do outro mundo. Não tinha também noção do que se passava nas internets. Havia tantos problemas mas a questão da equipa não era nenhum deles”, argumentou, antes de falar também da chamada feita pelo então presidente a meio de uma reunião com os jogadores, nessa altura.
“Isso é completamente mentira, da maneira como ouvi… Que eu liguei para ele… Não pode valer tudo, desculpe! Porque é que ia ligar? Não sei porquê é que inventou isso como uma outra, que disse que tinha falado comigo dia 15 ou 16, a seguir ao que aconteceu na Academia. Bruno de Carvalho ligou-me nesse dia. Foi na sexta-feira, quando vim de Madrid. Tinha acabado de chegar e ele liga-me. Foi qualquer coisa assim ‘Está aqui uma m**** ou este filho da p*** a dizer que eu te mandei fazer isto e aquilo, estás em voz alta’. Até pensei ‘Está tudo maluco’. Disse que não, que era mentira. Eu próprio fiquei parvo com tudo aquilo. Estava a minha mulher ao meu lado e tudo. Não era comum, não era normal haver algo assim. Tinha relação com os jogadores, almoçava com os jogadores… Não sei ainda hoje o que se passou em abril naquele clube…”, explicou.
– Qual era a relação que tinha com Bruno de Carvalho?
– Uma relação de presidente para presidente.
– Era de presidente do Sporting para presidente da Juventude Leonina, portanto.
– Não votei no Bruno de Carvalho, votei no Couceiro [nas eleições de 2013, as primeiras ganhas por Bruno de Carvalho]. Não gostava dele, ele ganha as eleições e sabia que tinha estado no jantar do outro candidato…
– E qual era o problema?
– Foi o que pensei, pronto agora é ele o presidente. E foi isso que ele disse: ‘Gostes de mim ou não gostes de mim, sou o presidente do Sporting Clube de Portugal’. E eu disse: ‘Eu sou o presidente da Juve Leo’. Hoje vejo que estava enganado. Na minha opinião, teve tudo para ser o melhor presidente do Sporting, deu tudo. Apanhei quatro presidentes ali. Ele conseguiu dar um impulso ao Sporting e gostava da forma como trabalhava. E digo isto mas logo no primeiro mês imputou meio milhão de euros à Juventude Leonina, o meio milhão do incêndio na Luz [no dérbi de 2011, na bancada reservada aos adeptos visitantes]. Estavam lá mais de quatro mil adeptos do Sporting, dois mil da Juve Leo, nenhum foi identificado mas a fatura foi para nós…
– Mas como era a relação?
Era só quando tínhamos reuniões. Por exemplo, quando ele quis juntar as claques todas na superior Sul, sendo que duas passavam da superior Norte para lá.
Sílvia Pires voltou depois a falar de mais algumas comunicações trocadas nos grupos do Whatsapp, antes de ser o próprio Nuno Mendes a interromper e a fazer mais uma vez a sua defesa. “A explicação por causa dessas mensagens todas é que foram dez anos de trabalho por água abaixo. Foi um abuso de poder, sem o meu consentimento, nunca esperei isso deles. Com total desconhecimento, ainda hoje não tenho explicação…”.
– Mas não achou estranho?
– Claro, estranho e grave. Aquilo que se passou em 24 horas… Acordo e tenho o mundo em cima de mim. Passadas 24 horas tenho o mundo em cima de mim. Soube pela TV do que tinha acontecido, a Cristina acordou-me e foi assim que vi. Não tenho explicação para nada, ainda hoje não sei o que aconteceu. Uma coisa tenho a certeza: um dia vou saber tudo o que se passou porque se alguém estiver por trás de tudo isto não está preso, não o vejo aqui. Estes amigos aqui, não conheço metade deles [apontando para a zona dos arguidos]. Há coisas que para mim não batem certo. Ainda hoje estou para saber como é que o Valter e o Bocas entraram ali…
– Mas alguém que é descrito como terror, pacificador, estava a dormir a sesta e sente-se injustiçado…
– Muito, muito, sou o mais injustiçado de todos! Não sei como é que o Bocas e o Valter entraram naquilo e se deixaram ir, se deixaram levar. Ainda me está na cabeça. Permitiram que acontecesse e foram naquilo…
A juíza presidente voltou depois a um tema (e um par de perguntas) já habitual neste julgamento do caso de Alcochete: os casuais. Mesmo sem referir nomes, Nuno Mendes foi um pouco mais longe da descrição tipo que tem sido feita por testemunhas e arguidas e, mais uma vez, admitiu os próprios problemas internos que esse grupo terá causado no seio da própria Juventude Leonina, incluindo nas bancadas de Alvalade – sendo que o Observador sabe que o que aconteceu em Madrid, por exemplo, também teve a ver com essas mesmas clivagens.
– Senhor Nuno Mendes, a pergunta da ordem: o que é isto dos casuais?
– Tive vários problemas com os casuais. A Juve Leo não se identifica com essas ideologias. Já perceberam aqui que…
– Sim, já sei, vestem de preto…
– Têm uma maneira de pensar que resolvem as coisas pelos confrontos, uma mentalidade de hooliganismo como há pela Europa. É a mentalidade deles, vivem no mundo deles e sou contra isso. Eu não sou assim, não venho para aqui dizer que vestem de preto… Tive vários problemas com eles, com violência e tudo, uma vez tive de varrer uma bancada, por isso é que há uma música que fala sobre o racismo…
– E o Valter tinha alguns amigos que eram casuais?
– Por isso é que se calhar está aqui, quis seguir o caminho dele…
– Mas leu essas mensagens?
– Era uma aposta minha para o futuro da Juventude Leonina mas deu um passo maior do que a perna. Quis pensar pela cabeça dele… Já havia ali um clima em que ele quis seguir um caminho dele porque era mal empregado. O Tiago bateu com a cabeça, seguiu outro caminho. Foi dar nisto e no meio disto sou eu que estou aqui há nove meses, sem saber ler nem escrever…
Nuno Mendes falou depois sobre as idas anteriores de elementos da claque à Academia do clube, em Alcochete. “Desde que sou líder da Juventude Leonina, todos os anos vamos lá uma vez. Falava diretamente com o André Geraldes, ligava e ficava logo tudo tratado. Com o Bruno Jacinto como Oficial de Ligação aos Adeptos já era mais o Samico porque era preciso emails, autorizações etc.. No dia em que fomos à Academia pela última vez, estava tudo combinado com o André Geraldes e quando estamos a chegar ele diz que o presidente não autoriza. Foi como das outras vezes. Ainda fui ao segurança, disse ‘Oh jovem, não há aí nenhuma autorização?’. Nisto aparece o Jorge Jesus, a perguntar o que queríamos. Respondi que era preciso falar com os jogadores porque andava tudo às guerras e perguntei se podíamos entrar para falar. Disse-me assim: ‘Dá-me cinco minutos’. A verdade é que estivemos duas horas na ala profissional. Ninguém nos veio buscar à portaria, foi o Ricardo Gonçalves [chefe da segurança] que foi a meio do caminho e disse que só podiam ir três ou quatro. Os outros foram ao refeitório, lancharam e pagaram. Tochas? Não, não houve nada, nem dentro nem fora”, contou.
Explicando ainda que o staff da Juventude Leonina compreendia cerca de 30 elementos com as mais variadas funções que depois reportavam todos a si, o líder da claque explicou também as razões que fizeram com que nada do que se passou fosse esperado. “Nunca uma direção da Juventude Leonina deu tanto apoio a uma equipa. Ganhámos a Taça da Liga… Depois começa aquilo em Madrid, ainda temos o jogo com o FC Porto em que passamos à final da Taça de Portugal… Nada fazia prever. Não, não, não previa nada disso. Entre a claque havia problemas internos, disso podemos falar, o resto nunca me passou pela cabeça. Sempre tive o controlo de tudo. Tinha pulso, tinha a mão, por isso o meu espanto. Nada fazia prever que acontecesse. Foi um rastilho que começa pelo que vi agora no domingo. Um spotter já previa? Então porque é que não foi para lá? A mim ou com o meu conhecimento nunca transmitiram nada”, assegurou Nuno Mendes.
– Fui em liberdade ao interrogatório. Isso é uma revolta, uma tristeza…
– Não é uma decisão minha, que também as tomo… Quer alterar alguma coisa sobre o que disse aí?
– Não, tudo o que disse é verdade. Com todo o respeito: estou preso por 14 gramas, fui para a cadeia sem fazerem uma investigação por causa da droga, isto é justiça?
– Na sexta-feira vão acabar os depoimentos, já fica feita toda a prova…
– Vou-me embora na sexta-feira?
– Senhores advogados, não sei qual é a piada para se rirem…
– Pois, eu também não, doutora, também não…
– Senhor Nuno, estou a fazer o meu trabalho, o mais rapidamente possível…
– Nem a pulseira me deram senhora doutora…
– Pronto, vá… Esta chave do tal anexo? Porque é que fizeram?
– Meus ricos 20 mil euros…
“Quando foram as eleições da Juventude Leonina, dissemos que íamos ter casas de banho novas, um bar novo e fui na conversa do senhor Jojó para fazer aquilo do anexo, porque já dormia lá. Ele é que foi lá acima com o senhor agente e a senhora procuradora disse logo isso é do Musta. Isto é uma barbaridade!”, defendeu, antes de criticar a forma como a procuradora Cândida Vilar conduziu o processo até à sua detenção.
“Não me revejo na acusação nem me revejo no que se passou. Tirando os jogadores, que sofreram todos com esta barbaridade, sou eu o grande afetado. Se tinha 3.000 adeptos da Juventude Leonina, hoje tenho 700. Afetou-me a mim e à claque, o País caiu em cima de mim. E digo-lhe, acho tudo isto ainda muito estranho, tudo muito esquisito. É uma falta de respeito, por mim, pela instituição Sporting… É tudo tão mau…”, prosseguiu, dizendo ainda que ficou decidido que só haveria uma chave da Casinha e que a mesma estava com Jojó: “Agora até tem mais do que uma porta, tem também a grade. A claque do Benfica foi lá pôr um tubo para meter gasolina e incendiar com aquilo e arranjámos outra maneira, assim ficava só o Jojó com as chaves, eram as únicas”.
Ao advogado do Sporting, Miguel Coutinho, Nuno Mendes explicou também o episódio das tochas atiradas para a baliza de Rui Patrício antes do dérbi com o Benfica, na penúltima jornada da Liga de 2017/18. “Se estive lá? Estive, até estive a tirar tochas que foram para o campo, deve haver imagens disso. Estava na Casinha e o Bruno Jacinto diz que o presidente quer reunir com os grupos todos, não era só com a Juventude Leonina. Queria fazer uma homenagem grande ao Marco Ficini [adepto italiano que tinha morrido na época anterior]. Custa-me tanto dizer-se que contra, o nosso maior rival, o Benfica, ia meia hora antes dizer para acertar no Rui Patrício, como vi na acusação… Se achava que podiam ser lançadas uma ou duas tochas? Sim. Nunca aquilo. E teve consequências, originou outra guerra interna dentro da claque. Tanto que no Bessa tinha acontecido a mesma coisa, na baliza do Rui Patrício. Sou das pessoas que mais condeno isso porque são 16 mil euros naquela brincadeira”, disse.
Depois de assegurar que a Juventude Leonina “era um braço armado do Sporting” e nunca de um presidente a não ser quem estivesse na liderança do clube, Nuno Mendes ainda arrancou muitos risos quando justificou a alcunha de “Terror” com o barulho de leão que fez com a boca e com um episódio passado numa festa com os filhos, ao mesmo tempo que admitiu não só que Bruno de Carvalho suspendeu o protocolo com a claque após a invasão e que se mostrou contra uma homenagem a Fernando Mendes, antigo líder da Juventude Leonina. Foi nessa altura que pediu a palavra Miguel A. Fonseca, advogado de Bruno de Carvalho. Por pouco tempo.
– Olhe, gostava de perceber se foi prometida a liberdade a três arguidos se o entregassem a si e ao presidente, se o Ministério Público ofereceu isso…
– Vamos a factos doutor, só factos no âmbito deste processo…, interrompeu a juíza.
– E já agora, enquanto está em prisão preventiva, alguém lhe ofereceu liberdade se entregasse o presidente?
– Presumo que tenha mesmo terminado a sua instância. Próximo…
“Sempre estive à espera que a procuradora me chamasse. O Ministério Público nunca me quis ouvir. Quando foram fazer as buscas a minha casa levaram cães, montaram o aparato… Nem sei se me deixam ir morar para lá outra vez… E desculpe, tenho de dizer isto: por volta do meio dia, a Cristina chega ao pé de mim em casa e diz ‘Já viste a TV? Tu vais preso!’. Estive sete meses em apresentações todos os dias. Isto é muito grave. Falei com o meu advogado Rocha Quintal e ele diz ‘Vens ter comigo e vamos à esquadra’. Tinha a CMTV já à minha porta e a polícia a pôr os gorros para entrar. Houve um elemento que me disse ‘Musta, eram ordens que nós tínhamos’… A minha filha esteve 15 dias sem ir à escola porque diziam que o pai era traficante, os pais a dizer aos miúdos que o pai era traficante… Isso não é justiça…”, contou já em lágrimas, na parte final do depoimento.
– Desculpe lá, teve de ser agora, todos os homens choram…
– Somos todos humanos
– Não, senhora doutora, porque nunca pensei que isto fosse acontecer, não pode valer tudo. O que me quiseram fazer foi secar a minha alma, não sei como é aguento isto aqui…
“Já cometi os meus erros, assumi as minhas culpas, se o recurso do outro processo não resultar vou para a cadeia mas tráfico de droga não. Sinto-me traído, desiludido, por isso é que digo que um dia vou perceber o que se passou, porque me estragou um trabalho de dez anos… Caiu o presidente, entrou este. A minha maneira de ver isto, com os meses todos a pensar, a refletir… Há aqui uma coisa: a única maneira de tirar o Bruno de Carvalho do Sporting era associá-lo a isto”, atirou, antes de ser interrompido pela juíza presidente. “Quero dizer, com todo o respeito, que o Ministério Público veja o erro que cometeu que ainda vai a tempo e que possa colocar-me em liberdade porque ainda não mostrou nenhum facto”, concluiu Nuno Mendes.
O amigo de William que criou o grupo “Academia Amanhã” (e escondeu a Musta)
Seguiu-se o depoimento de Valter Semedo, arguido que criou o grupo “Academia Amanhã”, que se encontrava nos três grupos de WhatsApp investigados neste processo (além do supracitado, o “Piranhas on Tour” e o “Exército Invencível”) e que nos vários relatórios da acusação que fazem parte do processo é descrito como alguém próximo de Nuno Mendes, ou Mustafá. Em paralelo, este era o elemento que conhecia William Carvalho (como se percebeu por mais do que uma vez) e que tinha falado com o jogador. Ao contrário da habitual “introdução” do como, quem, quando e onde de quase todos os arguidos, Sílvia Pires optou por outro arranque.
– É da Juve Leo?
– Sou sim.
– Tinha algum papel na Juve Leo?
– Só sócio.
– Vendia de bilhetes?
– Não era bem função mas organizar, sim…
– Era só essa questão, dos bilhetes?
– Era uma pessoa assídua… Sim, tinha algum papel também…
– E sócio do Sporting, é?
– Era.
– Conhece os casuais?
– Tinha amigos dos casuais…
– Mas fazia parte?
– Não, só amigos.
– Aqui dizem sempre que vestem de preto e pouco mais, a mim até dá mais a ideia de que devem ser góticos…
– O que são os casuais?
– Na Juve Leo basta alguém entrar na Casinha sem nada do Sporting ou da Juve Leo e perguntamos logo se é casual… É um sócio do Sporting que não veste nada… Mas não sei, não sou.
– Vestem de preto… Não é para andarem nas confusões sem serem reconhecidos?
– Não vejo assim, olhando para as confusões… De vez em quando também existem confusões com claques mas não é por isso que digo que vão para isso…
– Conhecia o Nuno Mendes?
– Sim.
– Era próximo dele?
– Sim.
“Estive no jogo da Madeira. Vim para Lisboa na segunda-feira, penso que à tarde. No seguimento do resultado e de toda a confusão que houve, a maneira como foi aquele final do jogo, os protestos e a resposta que o Acuña teve, que chamou nomes… Falo de mim, começou a haver uma vontade de ir à Academia, de demonstrar todo o descontentamento e começámos a combinar. Queria perceber como é que podíamos organizar aquilo. Queria mostrar o descontentamento pelo resultado primeiro, porque tínhamos feito uma boa recuperação mas não conseguimos o segundo objetivo que era ir à Liga dos Campeões, e depois pela atitude que o jogador teve. Nos grupos e nas conversas particulares havia esse descontentamento”, começou por referir.
“Sei a maneira como falo com os meus amigos mas num grupo em que entra gente que não conheço, bastava desligar um bocadinho e tinha logo 500 mil mensagens, com toda a gente depois a querer dizer coisas… Também escrevi mas não li muito. Queria mostrar o meu descontentamento”, acrescentou.
– Mas já havia distribuição de jogadores…
– Mas muitas dessas mensagens era no sentido de brincadeira…
– Fala em tochas, canhões, pedras… ‘Tenho um tanque, alguém quer levar’…
– Sim, era essa bazófia, era gozo…
“Queria mostrar o descontentamento de uma maneira mais… Menos simpática. Chamar-lhes mercenários, que não eram dignos de usar a camisola, coisas assim… Esse era o meu objetivo. Parei no Lidl [do Montijo] mas não tinha noção ao certo de quantos eram, quantos carros. Tapámos a cara por causa dos jornalistas, tirei a t-shirt e tapei a cara. O capucho era uma sweat que levava também. Lembro-me de estar a tapar a cara, uns começam logo a correr e vou também. Lembro-me que alguém diz ‘Daqui a bocado o treino acaba’ e eu disse para trás ‘Vamos rápido ou daqui a bocado não vemos ninguém no treino’. Não pedi a ninguém para entrar até porque sabia que não era autorizada, o Sporting não sabia. Dirigi-me ao campo, vejo que os jogadores não estão lá, vi o mister Jesus no campo. Não sabia se os jogadores já tinham ido embora ou se ainda não tinham ido”, contou sobre a entrada na Academia, antes de detalhar o que se passou no interior do edifício da ala profissional.
“Viro para a esquerda e dirijo-me para a porta do balneário. Sabia que era ali porque já tinha lá ido. Tento abrir essa porta, vi jogadores do outro lado. Da última vez que lá tinha ido os jogadores tinham ido dali para o campo. Comecei a ouvir barulho, gritos e não estava a perceber como tinham entrado. Olhei para o lado direito e alguém me diz ‘Foram por aqui’. Entro por essa porta de vidro, dirijo-me para o balneário e vejo o jogador Bas Dost com alguém do Sporting, estava a queixar-se da cabeça. Estava de pé, acompanhado. Não estava a perceber o que tinha acontecido. Continuo e chego àquela zona, tinha mais pessoas ligadas ao Sporting e outras que estavam comigo. Parei ali na zona das casas de banho, não entrei no vestiário. Oiço gritos, fumo, ouvi ‘Não jogam nada’, ‘Sporting somos nós’, ‘Não são dignos de vestir a camisola’, ‘Filhos da puta’. Parei um momento naquilo e entretanto o William vem ter comigo”, completou, antes de explicar a conversa com o então vice-capitão leonino.
“O William veio de frente e diz ‘Valter, Valter, o que é que é isto?’. E disse-lhe ‘Pá, não sei, vínhamos para falar com vocês, mostrar o nosso descontentamento’. Baixei a t-shirt quando entrei e ele diz para irmos para o lado falar. Ficámos a falar, ele a dizer ‘Para o que é que isto?’, disse que tinha sido agredido, que podíamos falar normalmente mas não era preciso agredir, eu disse que não era esse o objetivo, que queríamos falar e mostrar o nosso descontentamento, falar sobre a atitude do Acuña. Ele disse que sabiam que não tinha sido a melhor atitude mas que não era com agressões que se resolviam as coisas. Entretanto, havia imenso barulho e passo a ouvir o alarme. Olho, não vejo ninguém e disse ao William ‘Depois falamos, tenho de me ir embora’. Vou para a saída e ele vem a correr atrás de mim, a gritar ‘Espera, espera’. Ficámos ali a falar um bocado, o [Fábio] Coentrão aproxima-se de nós e depois vou-me embora”, continuou a contar sobre o que se passou no edifício.
“Cruzei-me lá fora com o [Jorge] Jesus quando estou a sair. Ia voltar pelo lado que tinha ido e chega um grupo de pessoas. Disse ‘Isto deu m****’ e sigo para a estrada para sair da Academia. Quando saio, chego depois ao estacionamento da terra batida. O carro apanhou-me e fomos detidos”, completou.
– Não estavam autorizados. Quem é que decidiu isto, quem é que ia?
– Sinceramente, nestas coisas de futebol, só sabemos quem vai quando chegamos lá. Se de véspera disserem que vão 100, no dia aparecem 20.
–Escreveu-se no grupo ‘Tem de acabar esta palhaçada toda’, ‘Como é que ninguém faz nada?’, ‘Nós e os casuais’…
– Nós, eu e outra pessoa…
– E há aqui outra parte em que diz que dá autorização para levar a carrinha da Juve Leo?
– De certa forma, aquela carrinha por norma ficava guardada em Alvalade, só sai em jogos ou na altura das coreografias. Cheguei a utilizar a carrinha sem a direção da claque saber, para ir ao Algarve. Neste caso, como ele [Quim] tinha a carrinha porque tínhamos feito a coreografia com o Benfica, perguntou a mim por ser uma pessoa próxima do Musta, possivelmente por isso…
– O senhor é próximo do Nuno Mendes?
– Sim, sim…
– Não seria normal sendo próximo dele dizer…
– Quando essa ida começa a ser falada com pessoas que… Evitava falar com ele [Musta] algumas coisas… Não lhe contava tudo. Ao longo dos últimos tempos fiz alguns disparates no espírito de futebol e sabia que não ia ficar satisfeito, por isso não contava as coisas todas que fazia…
– E a ida à Academia?
– Não falei. Até porque sabia que falando com ele o mais provável era ele entrar em contacto com alguém do Sporting para combinar a ida. Na minha cabeça, com a final do Jamor tão próxima, achei que ia ser rejeitada e se fosse rejeitada ele ia dizer que não se podia ir…
– E se dissesse que ia na mesma?
– Ele não aceitava…
“Há pessoas que só vão a alguns eventos se souberem que o Mustafá vai, então acaba por ser uma espécie de chamariz”, explicou ainda sobre a possibilidade levantada no grupo do WhatsApp. “Pessoalmente não tratava de bilhetes com o Tiago, era mais fácil com o Musta. Como tinha uma relação próxima com ele, passava a hierarquia e falava com ele. Estamos sempre a receber mensagens e chamadas de diversas pessoas. Era bilhetes para outras pessoas, alguém me ligou e foi por isso. Alguém ligou a alguém próximo dele e pode ter-me ligado para falar com ele e reservar, daí ter tentado ligado”, disse sobre as chamadas tentadas no dia para Nuno Mendes. “Depois de sairmos? Não fui eu que fiz a chamada do meu telemóvel para a Cristina, foi o Tiago. Ele estava sem bateria, estávamos detidos. Ele tinha de ir buscar a filha à escola…”, referiu, antes das perguntas da juíza Fátima Almeida.
– Há um primeiro grupo que entra na Academia, onde está. Há algum funcionário a tentar obstar a que entrem, entre o portão da Academia e a porta do campo de treinos? Nomeadamente o Ricardo Gonçalves?
– Para ser sincero, não me recordo.
– E quando está a tentar abrir a porta?
– Acho que não.
– E outra pessoa do Sporting, o Paulo Cintrão?
– Não sabia quem era, a única pessoa que me lembro e conhecia era Jorge Jesus.
– E de nenhuma tocha deflagrada ali?
– Não.
– Já lá tinha estado na Academia quando?
– Na outra vez que tinha ido lá…
– Quantas vezes foi?
– Duas.
– Quando?
– Uma a seguir aos jogos com o Desp. Chaves, os jogadores saíram e passaram pelo meio de nós e estava o Nuno Mendes, tínhamos sido autorizados…
– Aqui não queriam mesmo autorização?
– Não porque provavelmente ia ser rejeitada.
“No final do jogo, estamos a protestar e ele vem perto e chama ‘filho da p***’. Estávamos a criticar, sentimos que não tiveram atitude. Na Madeira marquei o voo com mais pessoas mas estive com uma rapariga lá. Não vi a primeira parte, só a segunda. Entrei ao intervalo, só. Um jogador, o William, tinha pedido uns bilhetes para o Jamor e disse-lhe que ia entregar os bilhetes ao intervalo”, acrescentou depois sobre o jogo com o Marítimo.
A vida em suspenso do arguido que paralisou dois minutos a caminho do balneário
De manhã, e ao contrário da dinâmica normal nas últimas sessões, a audição do primeiro arguido acabou por ser antecedida por duas testemunhas abonatórias. No caso de Pedro Lara, a mãe, Maria Isabel, e a namorada, Daniela. “Sempre foi muito responsável. Foi sempre ele que me ajudou e foi o meu braço de apoio. Era bom no que fazia, tem sentido de justiça, de bem, ajudava as pessoas até de uma forma fora do normal. Conflitos? Não, pelo contrário, quando havia era a pessoa de separar. Estudou até quando quis mas mesmo sem precisar já trabalhava”, começou por contar a mãe. “Agora que caiu em si ficou muito em baixo, com um arrependimento enorme, não só pelo mal que causou naquelas famílias mas também na própria família”, acrescentou, antes de explicar que o carro onde foi detido lhe pertencia porque o do filho estava na oficina e que algumas coisas que estavam lá, como um taco de basebol, uma bola e outro material desportivo, lhe pertencia, por oferta de amigos. “Daquilo que sei, ia criticar as exibições mas também incentivar para a Taça e depois aquilo descambou”, concluiu.
“Namoramos há dois anos mas já tínhamos namorado antes, conhecemo-nos há 20 anos. Ele esteve no Brasil, depois reencontrámo-nos. É uma pessoa genuína, íntegra, amiga, fiel, nada conflituoso, prestável. Está bastante arrependido por tudo o que fez, não só pela família mas por todas as famílias. Não está bem com a situação. De certa forma alterou a forma de estar na vida, hoje está muito mais em baixo… O que mudou na nossa vida? Ficou muita coisa em suspenso, de férias, de viagens, de um dia casar, de ter filhos. Tudo isso parou. Não está anulado, está em suspenso”, frisou Daniela, antes de Pedro Lara ser chamado.
“Gostava de explicar a situação toda que me envolvia mas falar só sobre mim”, começou por explicar. “Chamaram-me para ir à Academia. Estava no trabalho, passei no estádio de Alvalade, parei no Lidl…”, prosseguiu, antes de ser interrompido pela juíza presidente para pormenorizar esses passos. “Estava no trabalho, mandaram mensagem a perguntar se queria ir, não conseguia ver as do WhatsApp todas. Foi no dia antes, um dia antes acho. Era para picar os jogadores por não nos termos classificado para a Liga dos Campeões mas incentivar também depois para o fim de semana a seguir, para ganharem a final da Taça de Portugal. Fui a Alvalade para dar boleia a outras pessoas. Se conhecia? Conheciaaaaaa…”, admitiu sem falar em nomes.
“Só soube que íamos para o Lidl. Já tinha ido antes à Academia, fui lá assistir a jogos da formação e da equipa B. E uma outra vez, quando o [José] Peseiro era o treinador. O Sporting tinha de ganhar esse jogo, acho que era contra o Benfica. Foi em grupo lá. O portão estava fechado, falaram lá com um senhor e entrámos, de forma ordeira. Foi só uma claque, a Juve Leo. No Lidl apercebi-me que havia mais carros mas não dava para ter noção. O objetivo era que quando lá chegássemos o treino estivesse a decorrer, foi o que consegui perceber das conversas que tinham. Parámos no estacionamento de terra batida. Já lá havia carros, pessoas fora do carro e depois seguiram até lá abaixo…”, explicou, antes de especificar o momento da entrada nas instalações.
– Já estavam a ir em passo de corrida?
– Sim.
– Também foi em passo de corrida?
– Sim.
– Porquê?
– Porque fui atrás…
– E não achou estranho estarem a tapar a cara?
– Cada um tem os seus motivos…
– Normalmente as pessoas na rua andam de cara destapada…
– Como havia jornalistas, alguns não queriam aparecer.
– Também tapou a cara?
– Sim.
– Com o quê?
– Com uma gola, que tinha no carro.
– Mas o carro era da sua mãe, estava lá a gola?
– Não, levei comigo, para tapar a cara. Não queria estar a aparecer na TV…
– Porque é que ia fomentar tanto interesse para taparem a cara? Os miúdos que jogam lá, os pais, são todos assim…
– Era uma claque, um grande grupo, sabiam quem era…
–Ok , então foi por causa dos jornalistas…
“Estava tudo aberto, fui atrás das pessoas que iam à frente. Fomos em frente, fizemos direita, depois esquerda, ia atrás do grupo que ia mais à frente. Nos campos não estava ninguém, não me recordo se estava o Jorge Jesus… Estavam lá só três pessoas, esperava que estivessem a treinar. Depois virei à esquerda onde havia uma porta de vidro. Também não sei porquê entrei para ali, fui atrás dos que estavam lá à frente. Possivelmente estariam lá jogadores. Quando entro, viro à esquerda e estava aquele senhor que foi jogador do Sporting, o Manuel Fernandes, a barafustar, e fiquei ali a ouvir. Houve um entra e sai, confusão, barulho, percebi que alguma coisa corria mal, virei e saí. Ouvi alguém a dizer ‘Vamos embora, vamos embora’. Não entrei no balneário, no vestiário. Não vi o Bas Dost, vi o Jesus naquele hall da entrada, quando estou a sair. Fui-me embora…”, especificou.
– Viu tochas deflagradas, fumo?
– Vi.
– Lá dentro?
– No corredor, que tenha reparado, não vi.
– E o alarme de incêndio, ouviu?
– Não me lembro…
– Quando fica ali, tem a perceção que aquelas pessoas estão a entrar?
– Havia uns que estavam a ir, outros que iam e vinham, outros sair…
– Viu se o Jorge Jesus ia atrás de alguém?
– Ele estava aos gritos com uma pessoa, não percebi com quem nem se ia atrás dele ou não.
Fátima Almeida passou depois a fazer perguntas, começando pelas mensagens no WhatsApp e pelo que tinha dito no grupo “Academia Amanhã”.
– Escreveu também nesse grupo?
– Escrevi umas duas ou três vezes, estava a trabalhar….
– Disse ‘Também vou’, ‘Tenho lugar no carro’, perguntou ‘Temos de ir à casinha buscar alguém’… Quando diz que vai tem de perceber não é nenhuma criança, oferece boleia a terceiros…
– Na minha cabeça ninguém iria lá para fazer o que aconteceu, nunca iria lá se soubesse o que era…
– Da outra vez que foi à Academia iam de cara tapada?
– Não.
– Não pensou nisso?
– Na altura não…
“Quando estou a sair para o estacionamento de terra batida, consegui perceber que o carro da GNR passou por mim, vi pelo canto do olho. Como foram para a esquerda, virei para a direita”, contou ainda sobre o momento em que foi intercetado e posteriormente detido no grupo dos primeiros 23 arguidos.
– Falou aí do Manuel Fernandes… O que é que ele dizia?
– Que aquilo não era o Sporting…
– Esteve dois minutos ali, o que esteve a fazer nesse período?
– Estava ali, com a confusão toda, fiquei paralisado…
– E quando foi embora?
– Quando alguém disse que era para ir embora…
– Passou por si o senhor Rollin [Duarte, secretário técnico adjunto da equipa profissional do Sporting]…
– Quem? Não me recordo…
– Estou eu a dizer… Quem viu mais?
– Tinha mais duas pessoas lá que não sei quem eram.
– Então esteve dois minutos sem fazer nada?
– Passavam por ali as pessoas…
– Que idade é que tinha na altura?
– Tinha 35 anos.
– Quando foi lá na altura do Peseiro, qual foi a razão?
– O Sporting precisava de ganhar…
– E ganhou?
– Acho que não…
“Além da gola, levava também um boné e óculos escuros. As tochas vi cá fora, antes de entrar naquela porta do hall, lá dentro só vi fumo. Quando vi as tochas comecei a achar estranho, sim. Pensando bem hoje em dia… Realmente não pensei, se tivesse pensado nem teria ido… Não consigo explicar, já pensei muito no que se passou e não consigo perceber. Era sócio do Sporting, deixei de pagar quotas há dois anos”, continuou.
– E da Juventude Leonina?
– Conheço as pessoas mas não era sócio.
– Vai ver jogos com a claque?
– Ia…
– Mas via lá?
– Não era bem lá, era mais em cima.
– Conhece os casuais?
– Conheço …(risos)
– Que são uma espécie de monstro de Loch Ness… Afinal o que é um casual?
– Um casual não faz parte de nenhuma claque…
– Mas também pode fazer parte de uma claque…
– Se calhar não… Normalmente é um grupo separado, vestem-se com roupas escuras, viajam sozinhos, andam sozinhos, não têm coisas do clube…
– Mas está a descrever-me um adepto normal…
– Pois, não sei…
– Ok, então era só sócio da Juve Leo…
– Não, do Sporting.
“Isto parou a minha vida. As coisas que tinha para fazer, está tudo completamente de lado… Já não ligo tanto ao Sporting, deixei de seguir. Poderei ir ver os jogos quando tudo isto acabar, sei que não é mau ser do Sporting mas afetou-me bastante a minha vida… Não consigo explicar… Pensando depois friamente, ninguém em plena consciência ninguém teria sequer ido mas naquela altura… Uma pessoa não pensa…”, lamentou de seguida. De seguida, a procuradora do Ministério Público quis falar um pouco mais das mensagens do WhatsApp, num diálogo que Sílvia Pires, a juíza presidente do coletivo, agarrou de seguida.
– O que eram os foguetes que fala aqui?
– Conhecia uma pessoa que arranjava tochas e foguetes mas mandei depois mensagem a essa mesma pessoa a dizer que não ia levar nada.
– E as tochas eram um incentivo?, perguntou a juíza presidente.
– É como nos estádios, tochas e fumos são uma forma de incentivo…
– Mas quando são atiradas para o campo… E depois há multas…
– Isso não. Por alguma razão é proibido mas noutros países não, na Alemanha não é por exemplo?
– Como é que imaginava esses foguetes?
– Eu não levei nada. Da outra vez com o Peseiro acendeu-se fumos e tochas.
“Também tapei a cara por causa do trabalho da minha mãe, para não ser ligado. Às vezes ia ao serviço dela, conhecia algumas pessoas que trabalhavam com ela, por acaso há muitos anos até apareceram umas imagens minhas…”, reforçou na parte final do depoimento. “ Só o facto de lá termos ido e o dano que causámos ao Sporting, aos jogadores e às famílias… Termos sido detidos…”, lamentou na última intervenção.
– Quer dizer mais alguma coisa ao tribunal?
– Só gostava de pedir uma justificação, por causa do trabalho, como há bocado não tinham…
Foi à universidade, almoçou e acabou em pânico na Academia
António Catarino foi o arguido a falar no arranque da parte da tarde, no depoimento que antecedeu o de Nuno Mendes e que, como se percebeu pelo tom de voz e pelo conteúdo, acabou por ser o mais curto. Aliás, e resumindo aquilo que disse, trata-se de alguém que foi de manhã à faculdade, parou para almoçar em casa, seguiu de boleia para a Academia porque lhe ligaram pouco antes e acabou por entrar em pânico já na Academia.
“No dia 15 de maio estava na faculdade, não sabia de nada, tive aulas, estava a almoçar, perguntaram-me se queria ir para a Academia. Presumi que era para ir à Academia, manifestar o nosso desagrado, falar com os jogadores. Derivado ao momento, na altura pensei mal… Pensei que tinha algum direito…”, disse no arranque. “O meu desagrado era a má performance da equipa, terem perdido o acesso à Liga dos Campeões. Fui de boleia com outras pessoas que me deram boleia. Como é que vou dizer? Uma pessoa ligou-me, disse que ia, depois falei com outras pessoas que também iam. Parámos no Lidl, não saí do carro, não tinha noção das pessoas. Percebi que havia três ou quatro carros mas não tinha noção. Estacionámos no parque de terra batida. Saio do carro, algumas pessoas puseram uma balaclava. Uma pessoa passou por mim, perguntou se queria uma porque não tinha e ele tinha uma a mais. Por inocência não associei aquilo a nada de mal, até tinha uma coisa do Sporting”, prosseguiu.
“Comecei a correr também porque achava que o treino ia acabar. Nunca tinha ido à Academia. Doutora juíza, não sabia se era preciso ou não autorização, sabia que lá tinham ido outras vezes. Achava que era organizado pela direção da claque mas não tenho grande conhecimento…”, admitiu.
– Isso já se percebeu, se tivesse grande conhecimento não se metia nisso…
– Pois…
– Alguém foi à frente, alguém organizou?
– Vi pessoas, várias pessoas da Juve Leo. Algumas conhecia de vista. Vi o Fernando Mendes. Pensava que era organizado…
– E tapavam a cara?
– Pensei que era para nos irmos manifestar, não sabia que era uma ferramenta para cometer um crime…
– Então era o quê?
– Tinha símbolos do Sporting, já tinha visto na claque nos jogos…
– Mas não estava num campo de futebol…
– Sim mas sempre vi aquilo como adereço senhora doutora juíza…
“Não conheço a Academia, fui atrás, perdi a noção de onde estavam as pessoas que vieram comigo. Fui atrás, vi umas tochas, vi uma debaixo do carro que achei que foi sem querer porque vi uma pessoa a tirar a tocha debaixo do carro. A intenção era ir falar com os jogadores, quando vi o grupo a entrar no edifício achei que iam pedir para falar com alguém. Como se tivéssemos esse direito… Entro no edifício, viro à esquerda, quando chego a uma parte que tem tipo um ’S’, achei aquilo muito estranho e pensei: ‘Não vim aqui para isto’. Paro e começo à procura das pessoas que tinham vindo comigo”, contou sobre o percurso que ia fazendo.
– Entrou no balneário?
– Não, não senhora doutora juíza… Fiquei ali naquele ’S’ a achar que aquilo não era normal. Vi o Bas Dost encostado à parede, agarrado à cabeça, logo a seguir à primeira porta. Fiquei ali, a ver se via as pessoas com quem tinha ido. Não vi em lado nenhum. Depois ouvi gritos, vi fumo, comecei a entrar em pânico…
– Mas passou a porta, sabe disso…
– E fiquei à procura das pessoas. Sinceramente estava em choque. Foi tudo muito rápido. Vi pessoas a sair, a dizer ‘Eh pá, isto já descambou’… Já deu porcaria digamos assim… Mas não podia ir embora, tinha ido à boleia…
– Mas achava que era o quê?
– Para o Bas Dost estar naquele estado teve de ser agredido…
– Mas foi consequência do grupo que entrou…
– Claro, isso sim, obviamente…
“As pessoas iam saindo, foi uma confusão total… Para ser sincero, a minha cabeça nem ouviu o alarme tocar, não encontrei as pessoas e fui-me embora a correr, para ao pé do carro. Vi o senhor Jorge Jesus entrar, quando estou a sair está ele a sair também, a gritar. Não me apercebi que ele fosse atrás de alguém. Só queria perceber o que se passava e ir embora. Até sou fumador e até me fiquei a sentir mal com aquilo e a balaclava”, destacou.
– Agora que vi, lembro-me do senhor Manuel Fernandes a dizer que aquilo não era o Sporting…
– Foi à Madeira?
– Não.
– E esteve nas garagens depois do jogo com o Marítimo?
– Não.
– Mas vejo aqui que fez buscas no telemóvel por balaclavas…
– Considerei até àquele momento um item para apoiar, um adereço e estava a pensar na final da Taça de Portugal. Eu até ali nem sabia que ia à Academia…
“Como vi uma pessoa a tirar uma tocha debaixo do carro, achava que havia ali pessoas que iam apaziguar. Nas outras idas à Academia sabia que tinham acendido uma tocha ou outra… Se havia algum alvo preferencial? Não, era a equipa no geral, só um jogador não pode ser culpado sozinho…”, frisou quase no final.
– É sócio do Sporting?
– Sou sim senhora, agora estou suspenso…
– E da Juve Leo?
– Há um ano.
“Queria expressar o meu mais profundo arrependimento de achar que tinha o direito de ir ali e pedir explicações a quem que quer que fosse. As maiores vítimas foram os jogadores. O que aconteceu a 15 de maio não pode representar o futebol português e as claques. Queria pedir desculpa aos jogadores, ao staff técnico, ao Sporting, aos associados do Sporting e à sociedade porque demos o pior exemplo de conduta. Estive 14 meses em reclusão, não desejo a ninguém. Passei fases complicadas, o meu avô faleceu e não pude estar presente. A minha família é muito católica, ligamos muito ao Natal, a minha mãe passou o Natal à porta do estabelecimento prisional para se sentir mais próxima de mim, os jogadores são seres humanos, passaram por aquilo e quero apresentar as minhas mais sinceras desculpas…”, concluiu antes de voltar ao segundo bloco do Tribunal de Monsanto, sentar-se do lado oposto aos outros arguidos e beber de uma assentada quase meia garrafa de água.