2020 e 2021 vão ser anos terríveis para os construtores de automóveis. Em vez de apenas produzir veículos e vendê-los aos clientes, idealmente com lucro, como sempre aconteceu até aqui, as marcas vão ter de realizar as suas transacções com um olho no cliente e outro numa folha de Excel, que automaticamente calcula a média de emissões da gama que venderam até ao momento. Tudo porque a Comissão Europeia determinou para cada fabricante a média máxima de dióxido de carbono (CO2) que têm de respeitar e que oscila em torno dos 95g/km, dependendo do volume de veículos vendidos e do peso dos modelos em causa, entre outros pormenores.

Esta obrigação ditada por Bruxelas não é um mero capricho que a indústria se pode dar ao luxo de olhar com desdém, uma vez que os dirigentes europeus, para sensibilizar os mais “distraídos”, decidiram recorrer à técnica da cenoura e do pau. Só que, desta vez, o pau é ameaçador. Em caso de incumprimento do tal limite próximo dos 95g de CO2/km, cada marca vai ter de pagar 95 euros por cada grama acima do limite, multiplicado pelo número de veículos fabricados ao longo do ano. Se, para um grupo como a Jaguar Land Rover, a situação é grave, eles que venderam cerca de 300.000 veículos em 2019, imagine-se agora os riscos para grupos como a Volkswagen, que facilmente colocam no mercado europeu quase 4 milhões de unidades por ano.

A generalidade das marcas até tem suores frios sempre que o tema incide nas multas devidas ao CO2. Tanto que evitam partilhar com os jornalistas os limites específicos que vão ter de respeitar durante 2020, determinado por Bruxelas em colaboração com os fabricantes. E muitas até vão falando “grosso”, prometendo que não vão pagar multas, enquanto outras afirmam pretender passar para os clientes esses mesmos custos, caso sejam apanhadas a exceder o limite imposto (como se um mercado tão competitivo permitisse esse tipo de manobras).

E, quando tudo indicava que estávamos condenados a esperar para saber que construtores iriam pagar multas e qual a extensão dos estragos, eis que surge uma consultora britânica a partilhar um estudo em que analisou gamas, volume de vendas, quantidade de veículos eléctricos e híbridos plug-in que os construtores anunciaram pretender vender durante o ano de 2020, para de seguida calcular quanto é que cada marca irá pagar.

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Target, desvio e penalização assustadora

A consultora britânica PA Consulting deitou mãos a um trabalho ciclópico, que passou por reunir todo o tipo de dados e previsões de cada construtor, realizar os seus cálculos e calcular a derrapagem face ao target imposto por Bruxelas, bem como a multa que isso implicará. E há uma série de conclusões que são curiosas, por um lado, e assustadoras, por outro.

A consultora seleccionou os 13 grupos que mais vendem no continente europeu e começou por comparar a média de emissões de CO2 em 2016, 2017 e 2018, de forma a que se perceba que, apesar do esforço dos fabricantes neste período, a média de CO2 tem revelado tendência para subir em vez de descer. A explicação tem de ser encontrada junto da preferência dos clientes por veículos tipo SUV, mais poluentes por serem mais pesados e menos aerodinâmicos, mas também pela redução dos motores a gasóleo no mix das vendas, por troca com veículos com motor a gasolina, com este combustível a implicar uma maior quantidade de CO2.

De seguida, a PA Consulting estima a média de CO2 para cada grupo em 2021 (na realidade, a média relativa aos veículos vendidos durante os 12 meses de 2020, que só se irá conhecer no início de 2021), comparando-a com o objectivo determinado por Bruxelas, para assim calcular o desvio e a multa que essa derrapagem implica. E este, que é de longe o aspecto mais interessante e importante do trabalho levado a cabo pela empresa inglesa, que pode ver aqui, aponta para uma preocupante realidade: os 13 maiores grupos que operam no mercado europeu deverão ter de pagar, entre si, 14,6 mil milhões de euros em multas por incumprimento.

Como já se esperava, o fabricante mais cumpridor é a Toyota, que há muito aposta em híbridos como o Prius e que este ano começou a fazer a viragem para os híbridos plug-in (PHEV). Ainda assim, a Toyota arrisca ter de pagar, segundo a PA Consulting, cerca de 18 milhões de euros, uma gota de água de apenas 0,1% em relação ao EBIT (Earnings Before Interests and Taxes) de 2018. Muito pouco será igualmente o que a Jaguar Land Rover vai pagar (93 milhões de euros), sempre segundo a consultora, com o grupo inglês a beneficiar de ter vendido menos de 300.000 unidades em 2019 e, por ter veículos maiores e mais pesados, ter-lhe sido atribuído um target de 130,6 g de CO2, bem acima dos 94,9 g da Toyota.

Quem corre o risco de ter de abrir mais os cordões à bolsa é o Grupo Volkswagen, que a consultora estima entrar em 2021 com uma média de 109,3 g de CO2, longe pois dos 96,6 g que deveria atingir para evitar penalizações. Face ao enorme volume de vendas, estima a PA Consulting que deverá ter de pagar cerca de 4,5 mil milhões de euros.

A FCA deveria atingir 92,8 g, mas o analista antecipa que se fique pelos 119,8 g, o que a levará a ter de despender cerca de 2,4 mil milhões de euros. Porém, a FCA já tinha anunciado que iria optar por realizar a electrificação da sua gama de forma mais lenta, para ser mais eficiente, tendo comprado créditos de carbono à Tesla para evitar a multa que já tinha previsto. Também a Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi arrisca pagar 1057 milhões de euros, não muito longe da PSA, com 938 milhões. Se considerarmos o esforço de ambos os grupos franceses, o da Aliança representa 12,4% do EBIT, contra 21,3% do rival PSA. Na galeria acima estão todos os dados dos 13 grupos, para uma análise mais apurada.

Previsões pessimistas ou realistas?

O trabalho da PA Consulting parece ser completo e exaustivo, mas falta ter em conta um detalhe que pode fazer toda a diferença no cálculo das multas no final do ano: a estratégia dos fabricantes. Como dissemos de início, as marcas estão apostadas em não pagar multas ou, se tal não for possível, reduzi-las ao mínimo. Daí que seja de esperar três tipos de acções, todas elas visando reduzir a média de emissões.

A primeira solução que poderá surgir já em meados do ano, caso os fabricantes se apercebam que a média está a afastar-se perigosamente (e onerosamente) do target, tem a ver com a suspensão da venda dos modelos com maior consumo, o que é o mesmo que dizer com maiores emissões de CO2, uma vez que estas dependem directamente da quantidade de combustível queimado. E não será uma novidade absoluta, pois nos últimos dias de 2019 foi igualmente retirado do mercado um generoso lote de modelos menos amigos do ambiente e matriculados à pressa (daí o crescimento do mercado no último mês do ano), para evitar complicar a média para 2020.

A segunda solução passa pelo reforço da aposta nos diesel, cujas emissões de CO2 são mais baixas do que as dos motores a gasolina, o que ajudará a conter os estragos. Paralelamente – e esta terceira solução poderá ser aquela com maiores efeitos práticos –, o último recurso consistirá em “forçar” a venda de modelos eléctricos e PHEV quando se tornar evidente que não há outra forma mais em conta para evitar as multas milionárias. Então, os fabricantes em risco vão considerar “subsidiar” fortemente este tipo de veículos, podendo mesmo vendê-los a si mesmos, o que será mais interessante financeiramente se possuírem actividades relacionadas com o car-sharing ou qualquer outra relacionada com a mobilidade urbana.