A Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP) manifestou este sábado “profunda preocupação” com a evolução do processo para a construção do aeroporto do Montijo, defendendo que se trata de “um atentado planeado à paisagem e ao território”.
“Espero que, até às ultimas instâncias, este processo se venha a inverter e não se faça esta ação que redunda num atentado e num crime à paisagem e aos valores culturais do país”, afirmou o vice-presidente da APAP, João Ceregeiro, em declarações à agência Lusa.
Neste âmbito, os arquitetos paisagistas ficaram “surpreendidos” com a posição da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) sobre projeto do novo aeroporto no Montijo, na margem sul do Tejo, que emitiu, em 21 de janeiro, uma decisão favorável condicionada em sede de Declaração de Impacte Ambiental (DIA).
Lembrando que o projeto do aeroporto do Montijo se localiza num estuário, que tem “uma relação geomorfológica constante ao longo das suas margens” e é “um dos locais de valor paisagístico mais importantes nesta zona do país”, o representante da APAP acusou que “há uma legislação que foi, praticamente, anulada”.
“Temos legislação que está aprovada, há compromissos internacionais e temos impactos ou danos sobre o ecossistema, a paisagem e o próprio valor cultural”, avançou João Ceregeiro, considerado que as consequências do projeto são “de grande magnitude”.
No caso dos ecossistemas, a construção do aeroporto do Montijo pode anular a componente de avifauna, o que “é muito grave”, advertiu o vice-presidente da APAP, reforçando que “anular esta parcela é destruir um ecossistema”.
Em termos de impacto paisagístico, João Ceregeiro adiantou que afeta todo o estuário, porque “vai integrar as rotas de aproximação à pista e de descolagem da pista”, ressalvando que este território “tem uma sensibilidade” e devia ser envolvido numa reserva.
Destacando ainda o impacto cultural, “porque toda esta mancha de território tem um valor”, o representante dos arquitetos paisagistas apontou a importância da ecologia, dos ecossistemas e da relação do homem com o estuário.
“O Tejo e o estuário viveram um processo de despoluição, com o fim das indústrias, com o fim da siderurgia, e, neste momento, quando temos discussões com impacto ecológico europeu estamos a assistir a uma inversão do percurso”, referiu o vice-presidente da APAP, explicando que se passa de uma zona sensível, com características de reserva, para uma zona de um aeroporto.
De acordo com João Ceregeiro, o projeto de construção do aeroporto do Montijo é “um atentado planeado à paisagem e ao território”, pelo que representa “um crime ambiental a prazo”.
Questionado sobre a opção Alcochete como localização para o novo aeroporto da região de Lisboa, os arquitetos paisagistas sustentam que “é uma solução menos má” do que o Montijo.
“Se há 40 ou 50 anos estamos à procura de um aeroporto, se os trabalhos e os estudos foram feitos, diria que Alcochete era uma solução menos má, porque há um impacto sobre um território que está caracterizado pelo montando, que tem capacidade, de certa maneira, de ser compensado”, declarou o representante da APAP, frisando que a mitigação do impacto é mais controlada.
No caso do Montijo, João Ceregeiro sublinhou que um estuário não se pode recriar, porque “é uma peça única”, pelo que “devia ser uma reserva com zonas especiais de proteção atualizadas e não destruídas”.
Sobre as posições divergentes dos autarcas, os arquitetos paisagistas esperam que todos tenham noção do impacto do aeroporto na qualidade de vida das populações e que “não se trate só de uma questão política, mas uma questão de consciência, de cidadania, de cultura e de identidade do território”.
Em 08 de janeiro de 2019, a ANA — Aeroportos de Portugal e o Estado assinaram o acordo para a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, com um investimento de 1,15 mil milhões de euros até 2028 para aumentar o atual aeroporto de Lisboa e transformar a base aérea do Montijo, na margem sul do Tejo, num novo aeroporto.
O aeroporto do Montijo poderá ter os primeiros trabalhos no terreno já este ano, depois da emissão da Declaração de Impacto Ambiental (DIA) e da reorganização do espaço aéreo militar e após os vários avanços registados em 2019.