Um encontro entre Real Madrid e Barcelona, quer seja para a liga espanhola, para a Taça do Rei, para a Liga dos Campeões ou até para um qualquer torneio pouco importante de pré-temporada, é sempre um encontro entre Real Madrid e Barcelona. É sempre, mais do que um encontro entre duas das melhores equipas do mundo, um encontro entre as duas melhores equipas de Espanha, os dois candidatos crónicos à conquista do título nacional e os dois conjuntos que vivem uma realidade que já se tornou política, geográfica e intrínseca. Mas existem encontros específicos, entre todos estes, ainda mais especiais: os encontros onde uma vitória vale o primeiro lugar da classificação.

Tem sido raro, nas últimas temporadas, assistir a um jogo entre Real Madrid e Barcelona em que estivesse em causa a liderança. Este domingo, porém, era isso mesmo que se jogava no Santiago Bernabéu: em caso de vitória, o Real Madrid saltava para o primeiro lugar e ficava com mais um ponto do que o Barcelona; em caso de vitória, o Barcelona cimentava o primeiro lugar e abria uma vantagem importante de cinco pontos para o Real Madrid. À entrada para o Superclássico, dois pontos separavam merengues e catalães — e a equipa de Zidane tinha algo mais a provar do que apenas carimbar uma vitória, agarrar o primeiro lugar e ganhar um dos jogos mais importantes da época.

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Para o Real Madrid, a receção deste domingo ao Barcelona servia também para fechar de vez um capítulo do passado e abrir definitivamente uma nova página na história do clube que parece estar ainda por virar. Desde que Cristiano Ronaldo saiu de Madrid, no verão de 2018, que o Real não voltou a ganhar ao Barcelona: de lá para cá, em cinco jogos, os merengues somaram três derrotas e dois empates e sofreram dez golos contra apenas dois marcados. Este domingo, em caso de vitória, a equipa de Zidane subia ao primeiro lugar, ganhava mais três pontos mas fazia mais do que isso — fechava uma história, começava a escrever outra e afastava de vez um fantasma que ainda paira no Santiago Bernabéu. Um fantasma que, desta vez, era literal, já que Cristiano Ronaldo aproveitou o cancelamento do jogo da Juventus contra o Inter Milão devido ao coronavírus para assistir ao Superclássico em Madrid.

Sem Hazard, que dificilmente voltará a jogar esta temporada, e sem a opção Rodrygo, que foi expulso ao serviço da equipa B e estava castigado, Zidane apostava em Vinícius no onze inicial e colocava o jovem brasileiro no corredor esquerdo, no apoio a Benzema, com Valverde a fechar no outro lado. Isco, Kroos e Casemiro atuavam na faixa central e tanto Modric como Bale começavam no banco de suplentes. Do outro lado, Quique Setién lançava apenas Griezmann e Messi na frente, sem uma terceira peça que em situações normais seria Suárez ou Dembélé, e Ansu Fati era suplente. No meio-campo, jogavam Vidal na direita, De Jong do outro lado e Busquets e Arthur ao meio, já que Rakitic estava no banco. Nélson Semedo, titular na direita da defesa catalã, era o único português em campo.

Os primeiros minutos mostraram um ponto em comum na estratégia dos dois treinadores: tanto Zidane como Setién apostavam no médio teoricamente mais forte e mais eficaz a defender no corredor onde estava o lateral mais perigoso ofensivamente. Zidane colocava Valverde na direita para ajudar Carvajal a cobrir as subidas de Jordi Alba e Setién tinha Arturo Vidal a fazer as dobras de Semedo, que ia tendo alguma dificuldade em desdobrar-se entre a velocidade de Vinícius e as arrancadas de Marcelo. O Real Madrid começou algo melhor, confirmando a ideia de que tinha de procurar mais a vitória do que o adversário, já que o Barcelona continuava na liderança em cenário de empate. Com o ataque normalmente orientado pela esquerda, os merengues procuravam acelerar pelo corredor para depois cruzar para a grande área mas definiam mal, com pouco critério no último passe e problemas na decisão.

Foi precisamente a partir desse lado esquerdo, direito na ótica do Barcelona, que os catalães começaram a impulsionar a equipa para o meio-campo adversário. Sem grandes problemas na hora de recuar linhas e tornar o conjunto mais compacto, o Barcelona estendia a equipa a partir das subidas de Nélson Semedo — que depois de uma boa exibição na Liga dos Campeões contra o Nápoles voltava a estar em grande plano — e sempre pelo lado de Messi. O avançar dos minutos foi revelando um ligeiro ascendente por parte dos catalães, que não tinham muita bola mas sabiam o que fazer com ela assim que a recuperavam, algo que não acontecia do outro lado. A equipa de Setién teve três grandes oportunidades para abrir o marcador, primeiro com um remate de Griezmann que passou por cima (21′) e depois com Courtois a evitar o golo de Arthur quando o brasileiro estava já isolado (34′) e também a fazer uma grande defesa a uma ocasião de Messi, que apareceu na cara do belga (39′). Courtois, com três defesas durante a primeira parte e 30 nos últimos 36 remates feitos à baliza do Real Madrid, ia sendo o homem do jogo.

Na ida para o intervalo, e mesmo com o jogo equilibrado e sem o controlo de nenhum dos lados, o Barcelona era a única equipa que tinha criado oportunidades de golo e a única que tinha procurado de facto colocar a bola no interior da baliza adversária. O Real Madrid, apesar de uma boa exibição de Valverde — que é cada vez mais o pêndulo do meio-campo merengue –, continuava a falhar na hora do último passe e não conseguia oferecer ocasiões a Benzema, que estava muito móvel na frente de ataque mas tinha pouco apoio.

O Real Madrid começou a segunda parte com pouco ritmo e intensidade, concedendo a iniciativa ao Barcelona e recuando muito para o próprio meio-campo. Durante os primeiros dez minutos do segundo tempo, os catalães controlaram o jogo e aplicaram a característica posse de bola quase dormente, que adormece a equipa adversária e permite pensar e estudar todos os movimentos até avançar rumo ao desequilíbrio de que dá golo. Depois desses minutos, o Real foi conseguindo crescer — apesar da fraca exibição de Vinícius, que perdia todos os duelos com Nélson Semedo — e equilibrou a balança, acabando por criar três oportunidades consecutivas. Primeiro foi Isco, a atirar em jeito para uma enorme defesa de Ter Stegen (56′), que respondeu às intervenções de Courtois na primeira parte; depois foi o mesmo Isco a cabecear na sequência de um cruzamento na direita, com Ter Stegen a defender de forma incompleta e Piqué a manter o nulo em cima da linha de golo (61′); e depois Benzema, que atirou por cima de primeira após um enorme passe de Carvajal (62′).

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Messi recuou no terreno em resposta ao melhor momento do Real Madrid na partida e o Barcelona procurou equilibrar novamente a balança, já que por volta da hora de jogo os catalães estavam totalmente por debaixo dos merengues. Por esta altura, Quique Setién decidiu tirar Arturo Vidal e lançar o reforço Martin Braithwaite, numa clara mensagem à equipa de que era necessário tentar ganhar o jogo para não o perder. O avançado dinamarquês causou perigo na primeira vez em que tocou na bola mas a marca que deixaria no jogo, a marca negativa que deixaria no jogo, chegou na primeira vez em que tentou defender.

Longe de ser um Arturo Vidal na hora de dobrar Semedo, Braithwaite deixou Vinícius totalmente solto nas costas e permitiu que o avançado brasileiro recebesse a bola de Kroos com espaço e avançasse rumo à baliza sem oposição. À saída de Ter Stegen, Vinícius atirou cruzado e abriu o marcador, com o guarda-redes alemão ainda a tocar na bola (71′). O jovem brasileiro, que até estava a ser um dos elementos mais fracos da equipa do Real Madrid, com pouco acerto e pouco discernimento, tornou-se decisivo num lance onde foi eficaz e onde se tornou bem clara a diferença entre ter Braithwaite ou ter Vidal, dois jogadores totalmente diferentes, a ajudar no setor defensivo. De um minuto para o outro, com uma substituição, Quique Setién perdeu a própria estreia em Clássicos.

Até ao fim, Zidane lançou Modric para controlar o meio-campo e Setién colocou Rakitic em campo, o jogo viveu um período absolutamente alucinante depois do golo de Vinícius e Mariano Díaz, que foi associado ao Benfica em janeiro e ainda não tinha jogado na liga espanhola, entrou para aumentar a vantagem merengue na primeira vez em que tocou na bola (90+2′). O Real Madrid venceu o Barcelona no Santiago Bernabéu e subiu ao primeiro lugar da liga espanhola, tendo agora mais um ponto do que os catalães, naquele que pode ter sido um passo importante rumo à conquista do título nacional. Para isso, valeu um golo de Vinícius — que representa a guerra no Brasil que o Real tem vindo a ganhar ao Barcelona nos últimos tempos. Nas temporadas mais recentes, os dois principais clubes espanhóis têm lutado durante as janelas de mercado pelas pérolas do futebol brasileiro. Vinícius, Rodrygo e Reinier escolheram o Bernabéu, Matheus Fernandes optou pelo Camp Nou: por agora, vantagem para os primeiros, desvantagem para os segundos.