A 6.900 metros de profundidade, na Fossa das Marianas, foi descoberta uma nova espécie de anfípode, um crustáceo mais conhecido por pulga-do-mar. O avanço científico seria uma boa notícia se não viesse acompanhado por mais uma consequência da crise de poluição nos oceanos. É que esta é a primeira espécie que, no momento em que foi descoberta, já estava contaminada por plástico. Por causa disso, foi batizada com o nome Eurythenes plasticus.

Alguns dos espécimes analisados pelos investigadores da Universidade de Newcastle, que publicaram os resultados na revista Zootaxa, tinham no seu organismo uma substância chamada tereftalato de polietileno, que entra na composição dos sacos de plástico que usamos em casa, das garrafas de água e de algumas roupas de ginásio. É um lembrete das “consequências da nossa utilização excessiva e fraca gestão de resíduos plásticos”, comentou em comunicado de imprensa Heike Vesper, diretora do Programa Marinho da WWF Alemanha. E de como eles viajam das nossas casas até aos abismos mais remotos do planeta.

Uma tomografia computadorizada mostra um microplástico no corpo de um indivíduo da nova espécie. Créditos: Associação Natureza Portugal/WWF

E é uma viagem longa, a que o plástico faz até chegar aos oceanos, explica a Associação Natureza Portugal num comunicado assinado em associação com a WWF. O ponto de partida são os países industrializados como o nosso, onde em 65 anos, entre 1950 e 2015, apenas 9% do plástico foi reciclado. Doze porcento foi incinerado, mas os restantes 79% terminaram amontoados em aterros ou abandonados na natureza.

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Grande parte do plástico é depois exportado para o sudeste asiático, onde nunca chega a ser reciclado e termina também ele acumulado em aterros ou queimado. É assim que se infiltra nos lençóis de água, alcança os rios e desagua nos oceanos. Aí é decomposto em microplásticos e nanoplásticos e dispersado pelo mar inteiro. É como se, a cada minuto que passa, um camião de plástico entrasse nos oceanos para depois ser ingerido pelos seres vivos que lá habitam, compara a Natureza Portugal/ WWF.

Este canal de água em Manila, capital das Filipinas, está completamente poluído por plástico. Créditos: NOEL CELIS/AFP via Getty Images

O mais preocupante? A maior parte desta poluição podia ser evitada. De acordo com a duas instituições, “a maior parte do lixo marinho encontrado nas praias é plástico descartável”. E mesmo assim, não chega ao destino mais apropriado para estes produtos. Por isso é que, num relatório publicado em setembro do ano passado com base em investigações feitas no sul de Portugal, 22,5% das 160 aves marinhas tinha plástico no sistema digestivo.

Mas ainda há esperança, ressalva Catarina Grilo, diretora de conservação e políticas da Natureza Portugal/WWF: “Nem todos os espécimes da nova espécie E. plasticus contêm plásticos. Portanto, ainda há esperança de que muitos mais espécimes de E. plasticus sejam isentos de plástico e que o seu nome sirva apenas de lembrança da extensão da poluição marinha por plásticos no mundo“.

Este é o aspeto do novo anfípoda descoberto no Oceano Pacífico. Créditos: Associação Natureza Portugal/WWF

Para ela, a solução começa no poder político: “É essencial que o nosso ministro do ambiente e ação climática, João Pedro Matos Fernandes, trabalhe em direção a um tratado internacional juridicamente vinculativo para acabar com a poluição por plásticos marinhos”, considerou. E não apenas para salvar espécies como E. plasticus, mas também a dos próprios humanos: proteger os oceanos também significa “proteger os animais marinhos, incluindo aqueles que integram a nossa alimentação”, conclui.