Se não tivesse sido ator, Max von Sydow, que morreu no domingo, aos 90 anos, podia ter sido militar. Tinha a secura de corpo, o porte e a voz de autoridade, feita para comandar, bem como a máscara grave. E punha essa gravidade em todas as suas personagens, fosse dirigido pelo seu amigo e mentor Ingmar Bergman (“Foi o Ingmar que me fez como ator”, disse certa vez), com quem trabalhou no teatro e rodou 11 filmes na Suécia, tornando-se no seu rosto masculino de eleição e “alter ego” na tela, fosse a fazer um papel pequeno ou principal, em grandes produções de Hollywood como em filmes americanos independentes ou europeus. Estivesse presente só por cinco minutos ou o tempo todo da fita, von Sydow dominava as atenções. E mesmo que o filme fosse menor ou indiferente, fizesse de vilão refinado ou de bondoso avôzinho, lembrávamo-nos sempre dele no final.

[“Ana e as Suas Irmãs”:]

Von Sydow, que se chamava Carl Adolf e foi buscar o nome artístico de Max ao diretor de um circo de pulgas de Estocolmo, tornou-se, graças a Bergman, no primeiro ator sueco a ser uma vedeta internacional. Foi muito estereotipado no cinema americano, que o carregou de vilões, desde nazi e cientistas loucos até ao Diabo (“Coisas Necessárias”, de Fraser Heston, em 1993), e era o primeiro a reconhecê-lo. Mas também lhe deve papéis inesquecíveis, como Cristo em “A Maior História de Todos os Tempos”, de George Stevens (1965), o padre Merrin de “O Exorcista”, de William Friedkin (1973), o assassino profissional de “Os Três Dias do Condor”, de Sydney Pollack (1975), o imperador Ming em “Flash Gordon”, de Mike Hodges (1980), ou o artista arrogante de “Ana e as Suas Irmãs”, de Woody Allen (1986). E foi um ótimo vilão de James Bond, Blofeld no “não-oficial” “Nunca Mais Digas Nunca”, de Irvin Kershner (1986). Isto depois de, anos antes, ter recusado ser Dr. No no primeiro 007.

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[“Nunca Mais Digas Nunca”:]

Nos EUA, também foi dirigido por John Huston, David Lynch, Steven Spielberg, Martin Scorsese ou Ridley Scott, e na Europa, por Wim Wenders, Lars von Trier, Bertrand Tavernier, Jan Troell, Valerio Zurlini ou pelos “bergmanianos” Bille August (“As Melhores Intenções”, em 1992) e Liv Ullmann (o telefilme “Confissões Privadas”, em 1996). Realizou um único filme, “Ved Vejen”, em 1988, e ainda participou na saga “Guerra das Estrelas”, em “A Guerra dos Tronos” e até em ‘Os Simpsons’. Tinha agora acabado de rodar um filme na Grécia. O que quer que fizesse, trazia sempre categoria, espessura, circunspeção e autenticidade ao seu papel. Mesmo que achasse que representar era “uma atividade fútil. Mesmo quando uma interpretação fica registada em filme, não há nada de mais nisso. Não é como fazer um móvel com as nossas próprias mãos ou escrever um livro.” Eis uma seleção de sete filmes indispensáveis com Max von Sydow.

“O Sétimo Selo”

De Ingmar Bergman (1957)

O jogo de xadrez de Antonius Block, o cavaleiro medieval vivido por Max von Sydow, com a Morte (Bengt Ekerot) é uma das imagens mais emblemáticas da história do cinema. Von Sydow nunca ficou satisfeito com esta interpretação, pois dizia que o diálogo escrito por Bergman era grandiloquente e pouco realista, e que o seu papel se tinha ressentido disso. Mas a figura do cavaleiro é tão convincente e cala tão fundo no seu desencanto e na sua descrença, que isso fica para segundo plano.

“O Rosto”

De Ingmar Bergman (1958)

Se há um filme em que Max von Sydow funcionou em pleno como representante de Bergman na tela, é este, onde personifica Albert Vogler, um ilusionista e mesmerizador do século XIX, cujos poderes são questionados pelas autoridades locais numa das cidades em que vai dar um espectáculo. Vogler despreza profundamente aqueles que não acreditam na sua arte, nas suas ilusões e na convicção com que as pratica. E só revela o seu verdadeiro rosto sob a maquilhagem, quando está na intimidade com a mulher.

“A Fonte da Virgem”

De Ingmar Bergman (1960)

Tal como a sequência do jogo de xadrez com a Morte em “O Sétimo Selo”, também a de “A Fonte da Virgem”, igualmente passado na Idade Média, em que a personagem de Von Sydow, louca de dor pela filha morta, se encarniça sobre uma árvore, ficou para a filmografia de Bergman e para a eternidade do cinema. O ator interpreta um pai vingativo que mata os violadores e assassinos da filha e depois tem que enfrentar um Deus mudo, com uma autoridade avassaladora e uma agonia perturbante.

“A Hora do Lobo”

De Ingmar Bergman (1968)

Max von Sydow é Johan Borg, um artista de férias com a mulher numa remota ilha na Escandinávia, que não consegue dormir e se vê atormentado por terríveis visões e pesadelos. Através dele, Bergman, que realiza aqui aquele que pode ser considerado como o seu único filme de terror, conta o tormento que viveu quando se mudou para a ilha de Faro. E todo o mérito vai para Von Sydow por nunca deixar que a personagem de Borg se torne abstrata, “simbólica” ou inverosímil, mas sempre humana e esteja intensa e aflitivamente próxima de nós.

“O Exorcista”

De William Friedkin (1973)

Depois de vários filmes de Ingmar Bergman a interpretar personagens confrontadas e angustiadas com o silêncio ou a ausência de Deus, Max von Sydow teve um dos seus maiores papéis em “O Exorcista”, num sacerdote jesuíta, o padre Merrin, que se escora na sua profunda e inabalável fé em Deus e em Cristo para expulsar um demónio que possui uma rapariga. Em poucos filmes como neste, Von Sydow, que tinha menos 30 anos que a personagem, usou ao máximo todo o poder expressivo e toda a força autoritária da sua inconfundível voz.

“Os Três Dias do Condor”

De Sydney Pollack (1975)

Max von Sydow entrou em vários filmes de espionagem e de ação, e foi Sidney Pollack que lhe deu o seu melhor papel neste género em “Os Três Dias do Condor”. Ele é um assassino chamado Joubert, contratado para eliminar o analista da CIA interpretado por Robert Redford e os seus colegas. Von Sydow interpreta-o usando chapéu e óculos, com ar de cidadão anónimo, arvorando uma calma, polida e amoral indiferença, e matando “por dinheiro e nunca por causas”, como diz a certa altura a Redford.

“Pelle, o Conquistador”

De Bille August (1987)

Von Sydow teve a sua única nomeação ao Óscar de Melhor ATor pelo seu papel nesta fita de época de Bille August (seria ainda indicado em 2012 à estatueta de Ator Secundário por “Extremamente Alto, Incrivelmente Perto”), Personifica um emigrante sueco que, juntamente com o seu filho, o Pelle do título, e outros conterrâneos, emigra para a Dinamarca em busca de uma vida melhor. É uma interpretação feita de dignidade, sofrimento, determinação e sacrifício, e Max von Sydow é tão estóico como comovente, sem nunca ser melodramático.