Cerca de 98% dos artistas, criadores e técnicos que responderam a um inquérito do Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE) declararam ter tido trabalhos cancelados devido às medidas de contingência face ao novo coronavírus. A informação foi adiantada ao Observador por Hugo Barros, da direção do CENA-STE.
Até às 19h00 desta quinta-feira tinham respondido cerca de 700 pessoas, em nome individual, que na maior parte dos casos viram suspensos espetáculos ou serviços técnicos em estruturas artísticas independentes que funcionam habitualmente sem financiamento estatal (como pequenas companhias de teatro que vivem da bilheteira). Das 700 respostas, 90% foram de trabalhadores independentes (sem vínculo laboral estável), mas “é possível que nas próximas horas suba a percentagem de trabalhadores dependentes de teatros nacionais e municipais”, indicou Hugo Barros.
O inquérito decorre através da internet e pretende fazer um diagnóstico do impacto da crise sanitária no setor cultural. Dirige-se a trabalhadores dependentes e independentes e inclui perguntas como “tiveste trabalhos cancelados em virtude dos últimos acontecimentos de saúde pública?” ou “qual o valor de honorários que perdeste com os cancelamentos?”. Vai manter-se ativo até o sindicato ter uma resposta ao pedido de reunião que enviou na últimas horas ao Ministério da Cultura e ao Ministério do Trabalho, segundo o representante do CENA-STE.
Hugo Barros garantiu que entre os associados do sindicato a “apreensão é enorme” e que o impacto da situação é “transversal e significativo”. Já com algum distanciamento face às primeiras notícias de cancelamentos sucessivos de espetáculos e eventos, o sindicalista disse que agora lhe estão a chegar relatos de problemas que já se antecipam.
“Muitas pessoas conseguem saber o que foi cancelado em março, abril e maio, mas dizem-nos que muitos trabalhos que surgiriam mais à frente nem estão a ser marcados. Mesmo que a situação do país se levante entretanto, demorará até o público regressar às salas ao ritmo normal e a indefinição do prolongamento da contingência faz com que quase nenhuma estrutura esteja a programar para depois de maio”, explicou Hugo Barros.
DGArtes paga projetos cancelados
As indústrias culturais e criativas, como quase todos os setores da economia, estão a sofrer efeitos da paralisação decretada pelas autoridades. A incerteza é grande sobretudo entre profissionais freelance, que trabalham a recibos verdes sem vínculo laboral estável, como constatou o Observador nos últimos dias, através de diversos contactos com agentes culturais.
O departamento do Ministério da Cultura que gere os concursos públicos para subsídios às artes anunciou na quinta-feira de manhã que enquanto durar a crise do coronavírus vai continuar a pagar os projetos já aprovados em concurso público. Em comunicado, a Direção-Geral das Artes (DGArtes) informou que “mantém os pagamentos calendarizados dos apoios financeiros durante o período de suspensão das atividades e projetos” e pediu às “entidades beneficiárias” para comunicarem à DGArtes “as situações de cancelamento e adiamento das atividades e projetos artísticos”.
Trata-se de entidades que concorreram em 2018 e 2019 aos vários concursos da DGArtes para apoios à criação em teatro, dança, artes visuais, música ou circo e apoios à internacionalização, à programação ou ao associativismo, entre outros.
Ao Observador, o diretor-geral das Artes esclareceu entretanto que aquelas entidades “podem suspender a sua atividade sem qualquer penalização, enquanto se mantiver a presente situação epidemiológica.” Segundo Américo Rodrigues, “terá de ser definida uma nova janela temporal para o desenvolvimento dos projetos e das atividades que sejam agora suspensos”, mas caso se revele “manifesta e comprovadamente” impossível marcar novas datas “as entidades mantêm o direito ao financiamento”.
Ministério ainda não anunciou “medidas de apoio”
Na quarta-feira à noite, o Ministério da Cultura disse que estava a “trabalhar para identificar e concretizar mais medidas de apoio às entidades de criação artísticas, artistas e técnicos”. A informação foi divulgada na rede social Twitter e remete para o site Estamos On, onde é referida a existência de “medidas extraordinárias de apoio às artes”, sem mais detalhes. Nesse site encontra-se o endereço de correio eletrónico “cultura.covid19@mc.gov.pt”, através do qual será dada resposta “às dúvidas do setor sobre todas as medidas de apoio”, lê-se.
Estamos a trabalhar para identificar e concretizar mais medidas de apoio às entidades de criação artísticas, artistas e técnicos. Criámos o email cultura.covid19@mc.gov.pt para dar reposta às dúvidas do setor sobre todas as medidas de apoio. #Cultura????https://t.co/QWJRJVPUKF
— Cultura PT (@cultura_pt) March 18, 2020
O Ministério da Cultura tinha adiantado anteriormente que no início desta semana apresentaria “medidas que estão a ser criadas para enfrentar o difícil contexto por que estamos a passar”. Por enquanto, na ausência desse anúncio, o gabinete da ministra Graça Fonseca tem dito que “está para breve”. A manutenção de pagamentos pela DGArtes faz parte desse conjunto de decisões, “mas há mais”, segundo fonte oficial do ministério.
Entretanto, o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), sob a alçada do Ministério da Cultura, fez saber que “irá manter as datas previstas de fecho” dos concursos de apoio ao cinema e ao audiovisual de 2020. O ICA garante, porém, uma “atuação protecionista dos candidatos” e “flexibilização de algumas exigência formais”. Os 29 concursos em questão abriram a 18 de fevereiro, com um orçamento de 22,7 milhões de euros, e um deles, relativo a primeiras longas-metragens de ficção, tem como prazo o dia 26 de março.