“Hoje é sábado, está sol, mas não é um dia comum. O número de doentes que iremos ter depende do comportamento de cada um de nós. Temos de viver esta primavera e esta Páscoa de forma diferente. Não vamos poder estar juntos como prevíamos, mas isso é condição essencial para que voltemos a estar juntos“.

O aviso foi feito este sábado por Marta Temido, na conferência de imprensa em que as autoridades de saúde dão conta da evolução do surto do novo coronavírus no País. Num dia em que à ministra e à diretora-geral de Saúde se juntaram Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, e Sandra Cavaca, vogal dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, houve vários outros alertas.

Só ficou por revelar o número de casos previstos pelos especialistas para a pior fase do surto em Portugal: “Causa expectativas em relação a se lá chegamos ou não”, justificou Graça Freitas, no dia em que o número de mortos alcançou a centena.

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Pico adiado para o final de maio com prognóstico de “número muito elevado de casos”

Apesar de inicialmente ter sido previsto para meados de abril, o pico da pandemia deverá afinal ser atingido em Portugal apenas nas últimas semanas de maio.  “Tudo indica que as medidas que foram tomadas estão de facto a abrandar a curva”, disse Graça Freitas.

“Isto indicia que as medidas de contenção que temos todos tomado, como ficar em casa a não ser para ir trabalhar, muitos de nós, estão a ser efetivas”, encorajou Marta Temido. Depois avisou: prevê-se que “venhamos a ter um número muito elevado de casos de infeção de Covid-19”. “Isso coloca uma enorme pressão sobre o sistema de saúde e sobre todos nós – temos de fazer o possível para enfrentar o melhor possível aquilo que nos espera.”

Alternativas para idosos precisam-se

A taxa de mortalidade da doença em Portugal é de 1,9% — sendo que nos maiores de 70 anos a taxa de letalidade dispara para uns impressionantes 7,9%, salientou a ministra da Saúde, de entre os inúmeros dados constantes no boletim diariamente divulgado pela DGS.

Sobre os lares de idosos, assegurando que sabe que “os seus utentes são os portugueses em maior risco”, Marta Temido pediu que haja um maior esforço na identificação dos casos suspeitos e recordou: é preciso evitar que haja pessoas idosas internadas nos hospitais por falta de alternativa. “Precisamos da disponibilidade de voluntários com competências técnicas que possam substituir, em algumas circunstâncias, cuidadores que precisem de vir para quarentena ou se afastar por serem casos confirmados.”

Positivos não devem ser estigmatizados, mas comportamentos incorretos têm de ser denunciados

“Caso persistam condutas que não são corretas, deve-se identificar e entregar às autoridades com competência. Mas uma gestão deste processo que passe por uma qualquer forma de estigmatização das pessoas não nos parece a forma mais adequada de atuar”, respondeu a ministra sobre os casos de desrespeito às normas impostas pelas autoridades de saúde por parte de doentes infetados.

Já Graça Freitas recorreu ao decreto do estado de emergência para justificar o aparente atropelo ao direito dos doentes à privacidade. A nível local, para efeitos de fiscalização, as autoridades de saúde podem revelar informações sobre a identificação dos pacientes colocados em confinamento obrigatório às respetivas autoridades — GNR e PSP —, explicou a diretora-geral de Saúde. Essa será a única circunstância em que a revelação desse tipo de dados pessoais, através de listas nominais, está prevista.

Urgências não covid estão em queda — e isso é “muito preocupante”

“O SNS não parou e nem só de Covid está a funcionar o SNS. Sabemos que desde o início de março até meados do mês a procura dos serviços de urgência diminuiu 30%”, alertou a ministra da Saúde, explicando depois que existem “hospitais limpos”, para onde esses casos podem ser encaminhados.

“Há um risco de que as pessoas que chegam ao sistema de saúde possam chegar com quadros clínicos mais agravados por terem retardado a procura de cuidados. Isso é um aspeto com que estamos muito preocupados“.

“Testar, testar, testar” é essencial mas “o teste não é a garantia de que o óbito não vai acontecer”

Depois de garantir que entre 1 de março e 26 de março foram feitos cerca de 40 mil testes, Marta Temido explicou que, por muito que a regra seguida pelas autoridades de saúde nacionais também seja a preconizada pela Organização Mundial de Saúde — “testar, testar, testar” —, quando há “escassez de testes” há prioridades que devem ser seguidas.

A ministra da Saúde aproveitou ainda para criticar comparações entre o número de testes feitos em países como Alemanha ou França — “porque são países com populações muito superiores à nossa”.

Ao encerrar o assunto, salientou o óbvio: não é o facto de terem sido testados que impede os doentes de sucumbir à covid-19. “Do ponto de vista técnico não nos parece adequado associar testes e óbitos, porque o teste infelizmente não é a garantia de que o óbito não vai acontecer. O teste é um instrumento de decisão clínica – é importante para sabermos o que fazemos, individualmente e como autoridades de saúde, mas é um instrumento”.

Mais material de proteção, mais testes e o apoio da indústria nacional

Sandra Cavaca, dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, avançou que no início da próxima semana, “segunda ou terça-feira”, deverão aterrar em Portugal, vindas da China, 100 toneladas de equipamento de proteção — “respiradores FFP2, máscaras, batas, fatos, toucas e luvas” — e 200 mil testes, que deverão juntar-se aos 60 mil que, avançou Marta Temido, chegaram nos últimos dias. Por chegar ficam os mais de 500 ventiladores que, garantiu a ministra, já foram também comprados.

Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, destacou que ao material médico agora importado da China dever-se-á juntar em breve um reforço de equipamentos produzidos com recurso à indústria nacional: “Já temos unidades disponíveis para produzir máscaras, luvas, batas, fatos, viseiras e zaragatoas. Esta possibilidade vai também reforçar a cadência de disponibilidade destes equipamentos”.

O presidente do Infarmed anunciou ainda que alguns dos doentes agora internados nas unidades de saúde nacionais deverão em breve participar num conjunto de ensaios feitos em Portugal com a colaboração com a OMS.