Os automóveis tradicionais, animados por motores de combustão, estão sob enorme pressão devido às emissões que produzem. Entre elas, o destaque vai para as partículas resultantes da queima dos combustíveis fósseis, as responsáveis por doenças de foro respiratório e de coração, apesar de a União Europeia estar igualmente preocupada com as emissões de dióxido de carbono, o que acontece sempre que se queima um combustível derivado do petróleo, pelas alterações ambientais a que está associado.
Mas, voltando às partículas, o legislador tem vindo continuamente a obrigar os fabricantes de motores a reduzir a quantidade de partículas lançadas para a atmosfera. De início, eram apenas os motores a gasóleo que estavam na mira dos técnicos, sobretudo pelo fumo negro que deixavam para trás quando passavam, mas rapidamente se percebeu que também as unidades a gasolina produzem partículas. Só que menos visíveis, por serem mais pequenas, o que não as torna menos perigosas ou menos cancerígenas. Daí que as motorizações a gasolina se tenham juntado aos diesel na obrigatoriedade de usarem filtros de partículas, como forma de reduzir o perigo. Reduzir mas não anular, pois uma generosa quantidade de partículas continua a ser lançada para a atmosfera, sobretudo durante a regeneração – só que agora de menores dimensões e, por isso mesmo, menos evidentes a olho nu.
Os pneus poluem (mesmo) 1000 vezes mais?
Os pneus são os grandes responsáveis pelo conforto e pela eficácia do comportamento (e segurança) de um automóvel. São eles que asseguram a ligação carro/solo e, para oferecerem continuamente mais aderência e durabilidade, seja em piso seco, molhado ou até mesmo em neve, são produzidos com recurso a um cocktail em que há de tudo e não apenas borracha.
Para começar, a borracha utilizada já há muito que não vem das árvores, uma vez que a matéria-prima utilizada é sintética, com o homem a produzir em laboratório borracha mais pura e mais barata do que as borracheiras. Depois, a borracha é vulcanizada com recurso ao enxofre, o que a endurece, para de seguida levar mais de 30% de negro de carbono (uma das formas mais puras de carbono), que reforça o material, tornando-o mais resistente ao desgaste.
O toque final é dado, entre outros materiais utilizados em menos quantidade, pela adição de sílica, matéria que faz maravilhas à aderência em piso molhado, reduzindo igualmente a resistência ao rolamento (sem beliscar a aderência), minimizando o consumo. Para ser possível misturar todos estes materiais para produzir a borracha de um pneu, é necessária uma colecção interminável de produtos químicos, com nomes impronunciáveis. Se não acredita, então tente dizer “bis(triethoxysilylpropyl)tetrasulfide”…
Mas o problema dos pneus não é esse. Segundo um estudo da Emissions Analytics, os pneus degradam-se enquanto rodam, desfazendo-se lentamente devido à fricção no asfalto e emitindo para atmosfera pequenas partículas, que mais parecem poeira, numa quantidade 1000 vezes superior à lançada para o ar pelos motores de combustão. Afirma a Emissions Analytics (num estudo que pode ver aqui) que um modelo vulgar, tipo Volkswagen Golf, equipado com pneus novos e com a pressão correcta, emite 5,8 gramas por quilómetro de partículas. Uma imensidão face às cerca de 4,5 miligramas/km emitidas pelo motor. Uma diferença abismal de 1288 vezes mais.
Uma análise mais atenta do estudo da Emissions Analytics – que é uma consultora respeitada no mercado, com sede próxima de Londres e escritórios em Estugarda, Los Angeles, Detroit e Seul -, torna pouco verosímeis os valores avançados sem uma explicação adicional, na medida em que se um hatchback emite 5,8 g/km, teríamos 5,8 kg ao fim de 1000 km e 58 kg ao fim de 10.000 km. Algo complicado de atingir, quando um pneu de um veículo desde tipo, tipicamente na medida 205/65 R16, pesa apenas 10 kg. E certamente quatro pneus com um total de 40 kg não podem perder, ao fim de 10.000 km, 58 kg em partículas. Questionámos a Emissions Analytics, solicitando esclarecimentos adicionais. Este artigo será actualizado assim que a resposta nos chegar.
Ninguém conhecia a poluição provocada pelos pneus?
Há muito que se sabe que as emissões dos pneus são muito superiores às que inicialmente se pensava. A National Geographic publicou, em Setembro de 2019, um artigo que recorda como se descobriram as enormes emissões de partículas devidas exclusivamente à degradação dos pneus enquanto rodam na estrada.
Em 2014, o biólogo John Weinstein e os seus alunos foram em busca de microplásticos na natureza, os pedaços muito pequenos que ficam dos objectos plásticos que se abandonam um pouco por todo o lado, das garrafas aos sacos. Mais cedo ou mais tarde, chegam ao oceano e são ingeridos pelos peixes que nós acabamos por comer. A maioria dos microplásticos de Weinstein era facilmente identificada, mas havia uns, com um aspecto tubular como se fosse um cigarro, que ninguém conhecia a origem. E esses plásticos misteriosos representavam mais de 50% dos plásticos que encontraram. Concluíram, mais tarde, que se tratavam de pedacinhos de pneus, sabendo-se desde 2017, através de um relatório do International Union for Conservation Of Nature, que 28% do plástico que existe nos oceanos provém do desgaste dos pneus.
Por que não se limitam as emissões dos pneus?
Esta é uma grande questão, a que Bruxelas tem de responder, especialmente depois de proibir os sacos e as palhinhas de plástico. O esforço que tem sido exigido aos fabricantes de automóveis, para limitar as emissões dos seus modelos e apostarem na concepção e na produção de veículos eléctricos tem sido enorme, o que encontra justificação nas vantagens para a saúde e para o clima que os responsáveis políticos perseguem. Então, como se explica que se mantenha esta emissão de partículas proveniente dos pneus, quando ela é mais de 1000 vezes superior às partículas emitidas pelo motor?
Para Richard Lofthouse, investigador sénior da Emissions Analytics, não faz sentido “não limitar este tipo de emissões, que estão completamente desreguladas e prometem continuar a aumentar com a crescente procura, por parte dos clientes, por grandes e pesados SUV, bem como os eléctricos mais pesados”. Ainda que a velocidade destes últimos seja consideravelmente inferior – a emissão de partículas aumenta com a carga e com a velocidade –, especialmente se querem privilegiar a autonomia.